Quando passei no vestibular, há 20 anos atrás, fiz aquilo que todo jovem fazia ao ingressar na faculdade pela primeira vez: raspei a cabeça inteira com a máquina zero. Foi a primeira vez que fiquei completamente careca. Apesar de ter achado até bacana por reduzir bastante o calor e me livrar de xampus e do barbeiro por uns três meses, teve uma coisa que me incomodou: duas entradas discretas bem na frente do couro cabeludo, indicando que cedo ou tarde, eu seria (ou não) um homem calvo. Ok, apenas levei a vida adiante. Para minha sorte, as entradas praticamente pararam de crescer por ali. Até hoje, elas não passaram de entradas discretas e acho que dificilmente vou ficar careca. Enfim, continuei cortando o cabelo mensalmente como sempre fiz durante os anos seguintes até que veio a pandemia do coronavírus em 2020. Todas as barbearias foram fechadas e fiquei preso em casa sem saber cortar o próprio cabelo e sem nenhuma maquininha para aparar. Então, eu fiz o que muitos homens fizeram durante a pandemia: tomei a decisão inédita na minha vida de deixar o cabelo crescer. Na verdade, eu já tive o cabelo grande quando era muito criança, mas isso era quando eu tinha uns 2 ou 3 anos de idade e, honestamente, eu nem me lembro. Mas hoje, já aos 40 anos de idade e há pouco mais de 3 anos deixando o cabelo crescer, posso dizer como foi o processo até me tornar um cabeludo e qual é a experiência de ter cabelos longos.
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Primeiros meses do "projeto cabeludo"...
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Meus cabelos hoje passam dos ombros e já estão quase na altura do peito quando secos. São cabelos negros cuja tipagem não sou capaz de identificar com exatidão por seu alto grau de metamorfose e maleabilidade. A raiz é lisa, o comprimento é ondulado e termina fazendo cachos. Lembra bastante o cabelo do cantor Silvério Pessoa, sendo que escuro. Mas para ter um consenso, vou tratá-lo como cacheado do tipo 3A, que é o que mais se encaixa segundo as definições 'cabeleireirísticas' que andei lendo por aí. Atualmente, meu cabelo está bem irado porque aprendi na base da tentativa e erro a cuidar melhor dele, mas o processo até ele ficar longo foi bem complicado. Isso porque o primeiro ano é o pior. Eu tentava esconder o cabelo com bonés e bandanas, porque o bicho estava muito feio, desengonçado e desgrenhado. Estava pior que o Mister Satan. Não dava para amarrar ainda e ele só ficava no lugar quando passava um quilo de gel. Foi nessa fase que vieram as piores críticas e os apelidos. Disseram que eu parecia um mendigo, um gay, um drogado, um marginal e até um personagem cômico de um canal do YouTube. Para ter ideia da barra que foi o negócio, teve gente na rua rindo na cara de pau do meu visual e cheguei até a tomar um chute por ser confundido com um maloqueiro. Foi punk o negócio. Por isso que durante o processo de virar um cabeludo, a resiliência é a melhor das virtudes, porque senão você vai querer cortar o cabelo logo que ele começar a ganhar vida própria e as reações negativas das pessoas ao redor vier. Tive que usar produtos diversos para fazer nutrição, hidratação e finalização e mesmo assim, o meu cabelo até hoje ama a rebeldia e se bagunça sozinho com o menor descuido. Falando do tempo de crescimento, o cabelo só começa a ficar bacana quando completa por volta de um ano e meio sem ver a tesoura, porque aí já é possível fazer um coque de cabelo inteiro e usar uns penteados diferentes. Mas até lá é um teste de paciência.
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Cabelos longos dão outra personalidade.
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Ter cabelos compridos é, obviamente, mais trabalhoso que ter cabelos curtos. Apesar de ser muito estiloso e permitir vários tipos de penteados e amarrações, cabelo grande exige mais dedicação e carinho. Além disso, pode se preparar para encarar embaraçamentos constantes, nós nas pontas, ressecamento, frizz, ralo entupido, visão periférica obstruída, franja caindo no olho, cabelo caindo na comida, cabelo tentando te sufocar nas ventanias, cabelo prendendo em galhos de árvores e até mais calor no verão. Porém, metade desses problemas citados desaparecem quando a gente o deixa preso. Só que ficar com o cabelo preso o dia inteiro é muito chato. Eu gosto de usar os fios soltos, mas isso exige mais cuidados e paciência.
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Vai me dizer que não é estiloso ter cabelão...
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No ano passado, deixei a barba crescer também, mas fiquei parecendo um lobisomem quando fiz uns 5 meses de barba crescendo. A barba grande dá a aparência de desleixo, daí que tirei a barba de vez e só a deixo crescer por alguns dias e depois raspo para variar o visual. E com a barba feita, já fui confundido com mulher algumas vezes, até porque fico parecendo um clone mal-acabado das minhas irmãs. Em todo caso, acho que ter cabelão é muito mais bacana que ter cabelo curto ou ser careca. Como homem, você se destaca dos demais e ganha elogios que não ganharia se tivesse aquele cabelo padrão. Na verdade, o cabelo longo masculino mostra mais a sua personalidade do que um aspecto estético, porque mostra que o homem é alguém que sai do senso comum e que não está preso a padrões. Fora que precisa ser forte para aguentar as críticas, xingamentos e apelidos durante o processo de crescimento. Aliás, não é à toa que os super-heróis, roqueiros e artistas comumente usam cabelos compridos para se destacar dos demais.
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Por isso os headbangers são mais felizes.
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Enfim, se você quiser saber na pele a real diferença entre ser careca e cabeludo, só é experimentar os dois e tirar as próprias conclusões. Se não tiver mais cabelo, perucas podem simular um pouco dessa experiência. Mas nada é mais divertido que passar pelo longo e trabalhoso processo até virar um cabeludo de verdade.