Um mundo de hermafroditas

Em outubro de 2010 faleceu um grande amigo que conheci neste mundo virtual chamado José Caparica Neto. Em seu site, o Vida ao Vivo, ele escrevia crônicas tão fiéis à realidade com o seu humor sarcástico, que não havia como ficar indiferente às suas reflexões. E eu diria mais do que isso: o Zé era capaz de fazer um raio x da realidade e esfregá-la sem o menor remorso na cara das pessoas. Uma das suas crônicas que mais me marcou foi a respeito de um mundo imaginário onde todos nós seríamos hermafroditas. Será que o mundo seria melhor? Será que seríamos mais felizes? Com a resposta, o próprio:

"Bom dia. Zigoto é a célula que se forma da fusão do gameta masculino (espermatozóide) com o gameta feminino (óvulo), dando origem ao feto; OVO. Um ovo??? Pois é. Mas, embora muitas vezes dê pena, esse ovo não gera pássaro e nem tem penas. Ah, uma falha de informação aqui não muda a história. Depois eu pergunto pro Miguel. O ponto é outro. O fato é que o feto cresce, nasce e, depois das alegrias inicias e algumas eventuais, o resto já se sabe. Um belo dia olhamos para o sexo oposto, no caso dos heterossexuais, e aí a coisa foi pro saco mesmo. É um debaclè. (Ujurdui je acordê très engraçadê...).

Não pode dar certo. Não que as pessoas não deveriam ter sexo, mas deveriam ser hermafroditas. Cada um que quisesse faria seus próprios filhos. Cada vez que não quiséssemos sexo, ficaríamos com dor de cabeça, ou seja, todos os problemas sexuais deixariam de existir. Todos os problemas estariam resolvidos entre a gente e a gente mesmo. Daí era juntar uma dupla, uma vez que todos seriam homens e mulheres, e poderiam casar, serem felizes, quem sabe até um ajudar a criar o filho do outro, mas ao menos acabava a chantagem sexual.

Nenhuma menina mais ia levar cantada. Nem ia ter medo de ficar grávida. Só ela poderia se engravidar. Não haveria, portanto, filhos indesejados. Mas, talvez mais que isso, não haveria casamentos. As pessoas não teriam compromissos umas com as outras. Compromisso amoroso, sexual, carnal. Talvez só o afetivo, como muitos homens nutrem por outros homens, bem como as mulheres. Não faltaria ombro amigo, talvez nem o ciúme existisse. Será que usaríamos roupas no verão? Talvez não. Não há o que desejar.

Eis aí realizada a utopia do mundo. A paz! Porque todo mundo sabe que focinho de porco não é tomada, porque tomada não fica andando por aí, mas esquece que todos os problemas sentimentais advém da incapacidade nata de homens não entenderem mulheres e vice-versa. E quando a coisa é cifrada? Quando você diz uma coisa e a outra pessoa acha que você está dando uma indireta para dizer outra? Mas que coisa mais burra e trabalhosa. Ser direto é muito mais simples. Fala-se a verdade uma vez só. Aliás, os hermafroditas não mentiriam, porque segundo o ICC – Instituto Caparicano de Chutes, 98,76% das discussões entre casais, seja por ciúme ou atrocidade semelhante, se dão, direta ou indiretamente em função de sexo.

Se não fosse o sexo. Todos poderiam sair com todos, passear com todos, e somente os possessivos que, mesmo não tendo sexo, quisesse ter seu parceiro “só pra si”, é que sofreriam com a besteira. Afinal, o beijo seria uma demonstração de afeto, maior ou menor, de bicoca a chupão, mas sem tesão. Já imaginou que cômico? Ter possessão por um hermafrodita que faz sexo consigo mesmo?

E os homens, que ouviram “nãos” aos caminhões a vida inteira, não seriam mais massacrados com isso. Desde os 7 anos, salvo os mentirosos, as crianças se masturbam, embora não tenham noção sexual do fato. Se masturbam pelo prazer da sensação do orgasmo. Todo o sexo seria assim. Uma completona, hermafrodita, para gerar um filhote, e o resto vai pelas vias masturbatórias. Nem precisa conversar e nem discutir a relação.

Eu estou chegando à conclusão que uma minha sobrinha tinha toda a razão. Da sabedoria de seus 10 anos, um dia desolada, descrente da vida, desabafou: “Ah... Se todo mundo pensasse como eu não haveria problemas no mundo”. Só não achei original porque eu já pensava isso antes dela, só que ninguém nunca me levou a sério. Problema de homem é mulher; problema de mulher é homem. Sem espécies, sem sexo, sem chantagem, sem medos, as pessoas se entregariam muito mais. Amores antigos não feririam tanto a ponto de não permitir que a pessoa se permitisse ser feliz de novo." (José Caparica Neto)

"Sábio é quem descobre cedo que nunca chegará lá. Eu só tenho o grande defeito de esfregar o que eu penso na cara das pessoas e nem sempre sou admirado por isso." (José Caparica Neto)