quarta-feira, 19 de junho de 2013
A revolução dos 20 centavos
Desde o movimento dos caras-pintadas, lá em 1992, que eu não vejo o povo se unir em prol de uma causa com tamanha adesão popular. Agora, em 2013, os protestos que começaram contra os abusos nos aumentos das passagens acabaram virando um motim (no bom sentido) geral. Apesar de não ter participado diretamente desses protestos, eu apoio integralmente o movimento. As pessoas que aderiram ao movimento e foram para as ruas me deram orgulho de viver num país onde há cidadãos conscientes do poder que têm em suas mãos. Este é um momento histórico onde deixamos de ser acomodados e passamos a tomar uma atitude coletiva, ainda que meio desengonçada.
Que país é esse?
O Brasil vive um momento onde há muita porcaria junta acontecendo de uma vez só: PEC 37, "cura gay" sendo aprovada pela CDH, políticos roubando descaradamente, superfaturamento na construção dos estádios, transporte público caro e ruim, hospitais públicos caindo aos pedaços, escolas públicas com péssimo ensino... Foi tanta purulência junta, que uma hora esse abscesso social acabou estourando. A gota d'água foi esse aumento abusivo das tarifas de ônibus que deflagraram os protestos nas ruas das principais cidades do país. Finalmente as pessoas tomaram uma atitude e resolveram peitar o sistema para tentar mudar as regras do jogo. Depois de sermos alvos de chacota no exterior por sermos "passivos, preguiçosos e acomodados", agora resolvemos mostrar a força que o povo unido possui. Isso é mais do que parece à primeira vista, pois trata-se de um marco histórico. As futuras gerações hão de lembrar deste 17 de junho de 2013 como o dia que nos indignamos com a situação do país e resolvemos mudar.
20 centavos: você ainda acha pouco?
Não é brincadeira ter que pagar uma passagem cara e ter um transporte de péssima qualidade. Apesar de 20 centavos não parecerem muita coisa, um trabalhador que precise fazer várias viagens por dia vai desembolsar valores superiores a R$ 100 por mês apenas com passagens. Quem recebe um salário mínimo de 670 pratas vai gastar mais de 15% do seu salário com um transporte ruim. E para quem acha que o transporte público está uma maravilha, basta ver que a maioria ônibus não possui locais para cadeirantes, não possui ar-condicionado, não possui assentos confortáveis e nem segurança. Fora os diversos problemas de projeto, acessibilidade, ergonomia e até estética nesses veículos que quase sempre vivem lotados. E, para piorar, ainda há o descaso com os motoristas e cobradores que trabalham em turnos estressantes e ganham mal. O transporte público está uma porcaria sim senhor!
Críticas aos protestos
Existem três pontos que eu preciso criticar nessas manifestações. O primeiro deles são os atos de vandalismo isolados que ocorrem no meio dos protestos. Soltar coquetéis molotov, destruir, depredar e pichar NÃO são atitudes de pessoas que querem mudar algo: isto são atitudes de marginais. A sorte é que estes vândalos são minoria e costumam ser hostilizados pelos próprios participantes das manifestações.
O segundo ponto que me incomoda nesses protestos é ausência de um foco. Quer protestar contra o aumento das passagens, ok. Quer protestar contra a má qualidade do transporte, ok. Mas misturar esses reivindicações com ideias de "passe livre", ou de "luta contra a corrupção", ou de "protestos contra a Copa do Mundo", ou de "luta por um país melhor", aí eu discordo. É preciso uma manifestação diferente para cada uma dessas causas. Misturar tudo no mesmo balaio não resolve nada. É preciso saber o que está sendo reivindicado para poder cobrar mudanças depois.
O último ponto a ser criticado é a realização de passeatas em locais próximos a hospitais. Pessoas que estão morrendo dentro de ambulâncias não podem esperar acabar a passeata para serem atendidas. Se quer protestar, faça isso com responsabilidade. Ambulâncias com sirene ligada devem ter passagem livre em qualquer tipo de manifestação.
E lembrem-se que há uma Copa das Confederações ocorrendo aqui. Atrapalhar um evento internacional com protestos sem um propósito definido só serve para queimar o filme do Brasil no exterior e assustar os turistas que só vieram para cá assistir aos jogos. Falta mais organização e disciplina nesses protestos.
Protesto sem causa
Uma coisa que eu notei nesses manifestos foi que muitas pessoas estavam ali sem nem saber ao certo o que estava acontecendo. Tive a nítida impressão que muita gente compareceu aos protestos encarando a coisa como se fosse um convite para uma grande festa pública promovida pelas redes sociais. Alie isso ao espírito transgressor, a rebeldia sem causa e temos um bando de jovens fazendo barulho para exigir algo que não possuía uma causa bem definida. Patriotismo, sim, niilismo, não. Saiba pelo que está lutando para não ser um alienado.
A raiz do problema
A verdadeira causa do péssimo transporte público e das passagens caras não é o Estado e nem as empresas de ônibus, como muitos pensam. Claro que estes têm também a sua parcela de culpa, mas eles não são os únicos e nem os principais. Querer baixar os preços das passagens debaixo de gritos sem saber o que de fato está acontecendo não vai resolver o epicentro do problema. A causa de todo esse furdunço está na própria estrutura do sistema. É preciso baratear o custo de produção dos ônibus, desenvolver novas tecnologias, contratar pessoal qualificado, buscar fontes de energia alternativa, consertar as estradas e permitir a livre concorrência e/ou o open source. Esse conjunto de fatores é que vai fazer com que os ônibus tenham um menor custo de produção e manutenção, baixando o preço das passagens. É simplista querer apenas reduzir a carga tributária, porque se o Estado reduz os impostos dos transportes, vai ter que criar outros impostos para compensar essa perda.
Outra coisa que precisa ser feita é um investimento correto do dinheiro público, coisa que parece-me quase utópica, mas que também precisa-se de uma luta a esse favor.
Para terminar
Todas as pessoas que protestaram PACIFICAMENTE nas ruas do Brasil estão de parabéns pela iniciativa, pela coragem, pela determinação, pela organização e pela consciência. Porém, como mencionei, é preciso FOCO nessas questões e saber propor SOLUÇÕES. Só assim poderemos construir um futuro melhor para nós e para as futuras gerações. Espero que esse seja só o começo.
Não concordo, nem discordo... Mas que faz muito sentido tudo isso que você disse, isso faz.
ResponderExcluirO aumento das passagens foi revogado hoje à tarde em São Paulo. Os protestos tiveram resultado.
ExcluirO meu temor agora é que o povo se acomode outra vez, deixando de lado outras causas mais sérias.