O Golpe parlamentar sofrido por Dilma Rousseff em 2016 abriu as portas para todo tipo de violação da normalidade institucional. Aproveitando essa onda golpista, os militares então pegaram carona no bolsonarismo como forma de retornar ao poder. E aqui estão eles novamente dando as cartas dentro da institucionalidade burguesa. Só que dessa vez a estratégia é um pouco diferente de outrora. Estamos vivendo numa espécie de ditadura sem ditadura, ou uma "ditabranda", se preferir. Saíram de cena os tanques e a força bruta em tomadas violentas do poder e agora subiram no palco os tuítes ameaçadores e as fake news. Tudo agora é feito de maneira sorrateira, disfarçada – com aparência de normalidade democrática – de forma que nem parece que estamos em um estado de exceção.
Essa nossa atual "ditabranda" seria, segundo alguns palpiteiros, uma forma apaziguadora das FFAA se "redimirem" da ditadura militar (1964-1985), tentando fazer, desta vez, um governo militar menos autoritário, sem prisões políticas, sem desaparecidos, sem mortes, sem tortura, sem censura, sem bombas e com crescimento econômico. Porém, se esse realmente era o plano dos milicos, então ele está dando totalmente errado. As mais de 240 mil mortes pelo coronavírus já são um genocídio por si só, porque são fruto de negacionismo e incompetência do atual governo. E o crescimento econômico... Putz. Isso, claramente, é uma piada. Basta olhar para o PIB, para a renda per capita e para o Coeficiente de Gini desde que os militares entraram no poder, em 2018, até hoje que você verá que estamos longe disso. Essa hipótese de apagar o "passado sombrio" com um governo "bonzinho" é uma mera desculpa esfarrapada. Até porque é impossível apagar da memória – e da história – o que ocorreu nos anos de chumbo. O que os generais queriam mesmo era arrumar uma desculpa para voltar ao poder.
Enfim, o fato é que estamos atravessando um momento de anomalia institucional. Mas como há essa aparência de que está "tudo normal", as pessoas acham que nada de incomum está acontecendo. É preciso avisar para essa gente que ditadura não se faz só com tanques na rua e que as estratégias de controle do poder evoluem com o decorrer do tempo. A coisa evoluiu tanto que esses "golpes brancos" passam totalmente despercebidos para o desavisados e para as pessoas comuns. Ditaduras brandas são muito mais sofisticadas porque são mais difíceis de se reconhecer e de se lutar contra. Isso porque continuamos a votar, continuamos a nos expressar livremente, continuamos tendo o direito de ir e vir, o congresso segue funcionando normalmente com suas maracutaias... Além disso, qualquer um que tentar combater uma ditabranda com uma postura mais contundente será imediatamente rechaçado pela população e até por seus correligionários, afinal é estupidez usar violência explícita para combater a violência implícita. E assim a banda segue tocando. Tocando "coisas de amor", claro, porque coisas de ódio é uma estratégia démodé do século passado.
É bom que se diga que toda essa retórica da "ditadura disfarçada" serve, lá no fundo, para garantir os interesses da burguesia em um momento de crise do capitalismo financeiro. A esquerda não pode voltar ao poder, mas também não fica bem para a imagem do país um golpe militar tradicional (a famosa "sargentada"). Então a saída encontrada para manter o projeto de dominação das elites é esse meio-termo entre o autoritarismo e a democracia burguesa. Bom, pelo menos essa é a minha interpretação.
O problema dessa história toda é que nunca se sabe como será o dia de amanhã. Essa nossa ditabranda pode, a qualquer momento, virar uma ditadura pra valer. Ninguém pode garantir que os generais continuarão a ser bonzinhos dessa vez só porque estamos no século XXI. Basta lembrar que a ditadura militar só começou pra valer mesmo em 1968 com o AI-5, quatro anos depois da deflagração do golpe. Numa eventual derrota de Bolsonaro em 2022, pode ser que as coisas se encaminhem para um regime mais autoritário. Afinal de contas, o próprio Bolsonaro prometeu um Golpe de Estado tradicional caso perca as eleições. E eu não pagaria para ver o que viria depois.
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