Acho engraçado quando as pessoas me perguntam o que eu achei da morte do Silvio Santos no último sábado, 17 de agosto. Eu não tenho o que achar nada da morte de ninguém, porque a morte faz parte da vida. É o fim inevitável de todos. O melhor que eu posso fazer sobre a morte é deixar minhas condolências à família e aos amigos do ex-apresentador. O que eu posso opinar a respeito de alguém é apenas sobre sua trajetória de vida. Ou melhor: sobre suas atitudes em vida.
Quando falamos de Silvio Santos, porém, é preciso diferenciar a figura pública Silvio Santos do empresário, banqueiro e bilionário Senor Abravanel. Silvio Santos era carismático, visionário, divertido, querido, empático: praticamente um membro da família de milhões de brasileiros por ter passado décadas à frente dos programas de auditório dos domingos. Já o empresário Senor Abravanel era um burguês que estava atrás de mais e mais acúmulo de capital que se multiplicou graças à venda de ilusões com o Baú da Felicidade e da Tele Sena. Algo absolutamente normal e esperado dentro do capitalismo. Ainda mais se tratando de alguém que teve uma origem humilde, o que torna sua trajetória de vida ainda mais emblemática para um sistema que possui pouca mobilidade social como o capitalismo financeiro.
O problema de glorificar a origem simples do Silvio é que muitos são tentados a achar que basta vender muitas bugigangas como autônomo que ficará milionário. Óbvio que as coisas não são assim na prática para 99,9% dos casos. Silvio Santos foi uma exceção total à regra que teve uma sorte descomunal e contatos certos no momento certo de sua vida – além de ter bastante talento. É mais fácil um pobre acertar na Mega Sena do que enriquecer como vendedor ambulante. Mas os capitalistas adoram transformar essa exceção em regra, como se todo camelô fosse se tornar um Jorge Paulo Lemann.
Tirando esse fator estatístico, o grande problema do Senor Abravanel foi que ele teve a sua emissora, o SBT, como um grande veículo de propaganda dos governos de extrema-direita, seja durante a ditadura civil-militar, seja durante o governo Bolsonaro. Claro que o SBT não podia se opor ao regime militar para não ser fechado como ocorreu com a TV Excelsior, mas a bajulação ao governo era tão descarada que chegava a beirar o ridículo. Além disso, ao flertar com o conservadorismo crescente do final da década passada, Silvio Santos foi se tornando cada vez mais machista e sem noção, como naquelas abordagens de duplo sentido às crianças nos programas de tevê. Mas enfim, há quem defenda tais coisas alegando que era sinal de senilidade.
Para mim, Silvio Santos, assim como Pelé, não era nem bom e nem mau. Era um ser humano com suas qualidades e defeitos como todos nós e que teve mais acertos que erros em sua vida. Eu gostava muito do programa Silvio Santos quando era criança e da programação infantil do SBT. Mas desde adolescente que perdi o interesse na tevê aberta como um todo e de lá para cá, não acompanhei mais nada além da Casa dos Artistas e do Show do Milhão. E sendo bem honesto, acho que a morte do Silvio Santos marca o fim de uma era na televisão brasileira. O tempo de ouro da TV como conhecemos acabou e ela precisa se reinventar para que possa sobreviver contra a concorrência dos serviços de streaming. Do contrário, a televisão irá se unir ao rádio no museu dos meios de comunicação.
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