quarta-feira, 20 de julho de 2016

A "escola sem partido" é uma ideia partidária


Você já percebeu que a imensa maioria das pessoas que defendem essa imposição da "escola sem partido" tem um viés ideológico bem definido? E não por acaso essa orientação ideológica é justamente a da direita reacionária cristã. Foi justamente essa direita conservadora que começou a inventar pela internet a boataria de que o MEC é marxista, que Paulo Freire era comunista, que os professores estão doutrinando as crianças no socialismo, que o PT transformou a educação brasileira numa educação gramsciana e outros absurdos do gênero. Sim, todas essas afirmações são grotescas, mentirosas, estapafúrdias, irresponsáveis e fortemente reacionárias. Como a esquerda, as pessoas mais lúcidas e os educadores não deram muita atenção para o perigo crescente dessas calúnias, elas acabaram virando uma bola de neve e cresceram até se tornarem um risco real. Agora temos que lidar com a ameaça real de termos uma escola sem pensamento crítico, sem pluralidade de ideias e onde as pessoas apenas decoram informações sem refletir de forma didática sobre elas.

A política sem debate é a arma das elites
Sempre foi o sonho da nossa elite predatória que o povo fosse burro, despolitizado e fácil de manipular. Mas nunca na história deste país essa ideia de manipulação do povo foi tão descarada como está sendo agora. A escola sem partido mantém discussões sociais, políticas, culturais e econômicas fora do alcance da educação. Isso abre espaço não só para as mentiras e teorias conspiratórias da internet ganharem força, como também para manter a população alienada sobre política, sobre seus direitos, sobre seus deveres e sobre sua própria posição social. Quem quer impor essa aberração de escola sem partido está com medo da verdade, porque precisa abafá-la e escondê-la da população para emburrecer a massa. É necessário, sim, que os jovens saibam sobre os modos de produção, sobre democracia e tirania e sobre os grandes pensadores. Os jovens precisam conhecer os dois ou mais lados de uma discussão para que possam ter as suas opiniões formadas de maneira crítica. O que essa escola sem partido quer é impor uma mordaça, uma censura.

Precisamos discutir e debater sobre questões atuais, sejam elas questões de gênero, questões sociais, questões políticas ou filosóficas. Antes que me critiquem, digo que o professor tem, sim, o direito de ter a sua opinião, porém, ele deve respeitar a dos alunos e não impor seu ponto de vista. Inclusive, isso faz parte da ética de ensino da profissão de educador. Fora que os alunos não aprendem sobre política apenas na escola: existem outras 20 horas diárias que os alunos passam fora da escola aprendendo com a tevê, jornal, revista, internet, pais, amigos e igreja. Um professor que tenta doutrinar um aluno não é um professor, é um pastor. Ademais, não existe doutrinação ou imposição em uma educação onde as pessoas são ensinadas a pensar e a criticar ao invés de simplesmente balançarem a cabeça diante de informações expositivas. A ideia da escola sem partido é autoritária, antipedagógica e forma zumbis ao invés de pessoas conscientes sobre o mundo e a sociedade que nos cerca.

Adivinhe quem está por trás dessa polêmica mais uma vez...

Como não poderia ser diferente, quem propôs esse projeto de lei absurdo foi um dos membros mais caricatos e espalhafatosos da bancada evangélica, o senador Magno Malta (PR-ES). Essa suposta "neutralidade" ideológica citada no texto do seu projeto não existe e nem tem como existir, porque o princípio da imparcialidade simplesmente não existe. Ninguém pode ser imparcial, por mais que tente. O que está sendo imposto neste projeto de lei é uma mordaça em nome do conservadorismo ideológico, religioso, moral, cultura, social e político. A bancada evangélica quer continuar impondo a sua ideologia nas igrejas, mas quer proibir o pensamento crítico na escola. Só disso aí fica muito claro o verdadeiro motivo dessa presepada que trata a escola como se fosse um espaço onde as pessoas são doutrinadas ideologicamente. Se as pessoas não aprenderem sobre política na escola, aprenderão onde? Com a grande mídia e suas distorções oligárquicas? Ou seria com os conspiradores da internet que dizem que a Terra esférica e a evolução são uma "imposição ateísta"? É nisso que dá um parlamentar que não entende nada sobre pedagogia e aprendizagem estar formulando projetos de leis envolvendo a educação. O que o excelentíssimo senador conhece sobre construtivismo, behaviorismo ou sociointeracionismo para propor tais mudanças no sistema de ensino?
E a coisa não para por aí não, porque o projeto de lei – que possui diversos erros e redundâncias – deixa aberta a interpretação do que pode ser "doutrinação" ou não. Na prática, até mesmo a ciência está ameaçada com este subjetivismo, já que a evolução, por exemplo, pode ser vista como "doutrinação ateísta" por ir contra dogmas religiosos.
Enfim, essa história de escola sem partido é um disparate total contra a razão e contra a própria educação. Escola com censura é uma ideia surrealista e fanática, não tem o menor sentido achá-la minimamente plausível.

A seguir, deixo o link onde está a consulta pública para votação do senado e também o projeto de lei em si. Recomendo que todos leiam o projeto para não acharem que eu estou exagerando ou "doutrinando".

Senado - Consulta Pública PLS 193/2016 

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