Você já percebeu que a imensa maioria das pessoas que defendem essa imposição da "escola sem partido" tem um viés ideológico bem definido? E não por acaso essa orientação ideológica é justamente a da direita reacionária cristã. Foi justamente essa direita conservadora que começou a inventar pela internet a boataria de que o MEC é marxista, que Paulo Freire era comunista, que os professores estão doutrinando as crianças no socialismo, que o PT transformou a educação brasileira numa educação gramsciana e outros absurdos do gênero. Sim, todas essas afirmações são grotescas, mentirosas, estapafúrdias, irresponsáveis e fortemente reacionárias. Como a esquerda, as pessoas mais lúcidas e os educadores não deram muita atenção para o perigo crescente dessas calúnias, elas acabaram virando uma bola de neve e cresceram até se tornarem um risco real. Agora temos que lidar com a ameaça real de termos uma escola sem pensamento crítico, sem pluralidade de ideias e onde as pessoas apenas decoram informações sem refletir de forma didática sobre elas.
A política sem debate é a arma das elites
Sempre foi o sonho da nossa elite predatória que o povo fosse burro, despolitizado e fácil de manipular. Mas nunca na história deste país essa ideia de manipulação do povo foi tão descarada como está sendo agora. A escola sem partido mantém discussões sociais, políticas, culturais e econômicas fora do alcance da educação. Isso abre espaço não só para as mentiras e teorias conspiratórias da internet ganharem força, como também para manter a população alienada sobre política, sobre seus direitos, sobre seus deveres e sobre sua própria posição social. Quem quer impor essa aberração de escola sem partido está com medo da verdade, porque precisa abafá-la e escondê-la da população para emburrecer a massa. É necessário, sim, que os jovens saibam sobre os modos de produção, sobre democracia e tirania e sobre os grandes pensadores. Os jovens precisam conhecer os dois ou mais lados de uma discussão para que possam ter as suas opiniões formadas de maneira crítica. O que essa escola sem partido quer é impor uma mordaça, uma censura.
Precisamos discutir e debater sobre questões atuais, sejam elas questões de gênero, questões sociais, questões políticas ou filosóficas. Antes que me critiquem, digo que o professor tem, sim, o direito de ter a sua opinião, porém, ele deve respeitar a dos alunos e não impor seu ponto de vista. Inclusive, isso faz parte da ética de ensino da profissão de educador. Fora que os alunos não aprendem sobre política apenas na escola: existem outras 20 horas diárias que os alunos passam fora da escola aprendendo com a tevê, jornal, revista, internet, pais, amigos e igreja. Um professor que tenta doutrinar um aluno não é um professor, é um pastor. Ademais, não existe doutrinação ou imposição em uma educação onde as pessoas são ensinadas a pensar e a criticar ao invés de simplesmente balançarem a cabeça diante de informações expositivas. A ideia da escola sem partido é autoritária, antipedagógica e forma zumbis ao invés de pessoas conscientes sobre o mundo e a sociedade que nos cerca.
Adivinhe quem está por trás dessa polêmica mais uma vez... |
Como não poderia ser diferente, quem propôs esse projeto de lei absurdo foi um dos membros mais caricatos e espalhafatosos da bancada evangélica, o senador Magno Malta (PR-ES). Essa suposta "neutralidade" ideológica citada no texto do seu projeto não existe e nem tem como existir, porque o princípio da imparcialidade simplesmente não existe. Ninguém pode ser imparcial, por mais que tente. O que está sendo imposto neste projeto de lei é uma mordaça em nome do conservadorismo ideológico, religioso, moral, cultura, social e político. A bancada evangélica quer continuar impondo a sua ideologia nas igrejas, mas quer proibir o pensamento crítico na escola. Só disso aí fica muito claro o verdadeiro motivo dessa presepada que trata a escola como se fosse um espaço onde as pessoas são doutrinadas ideologicamente. Se as pessoas não aprenderem sobre política na escola, aprenderão onde? Com a grande mídia e suas distorções oligárquicas? Ou seria com os conspiradores da internet que dizem que a Terra esférica e a evolução são uma "imposição ateísta"? É nisso que dá um parlamentar que não entende nada sobre pedagogia e aprendizagem estar formulando projetos de leis envolvendo a educação. O que o excelentíssimo senador conhece sobre construtivismo, behaviorismo ou sociointeracionismo para propor tais mudanças no sistema de ensino?
E a coisa não para por aí não, porque o projeto de lei – que possui diversos erros e redundâncias – deixa aberta a interpretação do que pode ser "doutrinação" ou não. Na prática, até mesmo a ciência está ameaçada com este subjetivismo, já que a evolução, por exemplo, pode ser vista como "doutrinação ateísta" por ir contra dogmas religiosos.
Enfim, essa história de escola sem partido é um disparate total contra a razão e contra a própria educação. Escola com censura é uma ideia surrealista e fanática, não tem o menor sentido achá-la minimamente plausível.
A seguir, deixo o link onde está a consulta pública para votação do senado e também o projeto de lei em si. Recomendo que todos leiam o projeto para não acharem que eu estou exagerando ou "doutrinando".
Senado - Consulta Pública PLS 193/2016
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