Nós vivemos numa sociedade sexualmente frustrada e mutilada. A sexualidade é associada desde a Idade Média ao feio, ao sujo, ao pecado, ao obsceno, ao proibido. Mulheres são reprimidas ao tentarem se descobrir sexualmente. Homens são reprimidos por terem aprendido que o sexo heterossexual precisa ser falocêntrico, do contrário, a masculinidade deles estaria ameaçada. E todos juntos são reprimidos por aderirem a essa coisa antinatural chamada monogamia. Apesar de toda a liberação sexual trazida pela pílula anticoncepcional, pela necessidade do uso do preservativo para se proteger da AIDS e pelos estimulantes sexuais como as pílulas para combater a impotência sexual, a humanidade, especialmente no ocidente, ainda encara o sexo como tabu, como algo que devemos fazer escondidos entre quatro paredes – e que o ideal seria que a reprodução ocorresse de forma assexuada, como ocorreu com a Virgem Maria. Então a pornografia entra nesse contexto como uma espécie de válvula de escape. Na realidade, ela é um reflexo do tipo de sociedade que vivemos e de como nós tratamos a nossa própria sexualidade. A pornografia mainstream é uma forma de dizer que estamos todos frustrados, reprimidos, doentes e que descontamos a nossa agressividade e os nossos desejos recalcados naquilo que visualizamos nos filmes pornôs. Tanto é, por exemplo, que as categorias mais vistas nos sites adultos são de pornografia homossexual, pornografia transexual e de pessoas com corpos fora do padrão de beleza – o que explica porque vivemos numa sociedade homofóbica, transfóbica e gordofóbica.
Mas isso não é tudo. A pornografia como um todo mostra que, socialmente, o sexo tem uma íntima ligação com a violência, com a dominação e com essa verdadeira latrina que nós transformamos a nossa própria sexualidade. O filme pornográfico não mostra um universo paralelo imaginário: ele mostra o que buscamos no nosso íntimo. Buscamos extravasar nossas fantasias, buscamos alívio e uma fuga da realidade. Não é à toa que há pessoas que se viciam em pornografia e recorrem a grupos como o NoFap como saída para esse vício. As pessoas não estão buscando mais prazer, sensações sinestésicas e experiências mais profundas no sexo: elas estão buscando apenas alívio para suas tensões de forma imediata.
Livro pornográfico mais antigo do mundo. |
O sexo nosso de cada dia é altamente entediante e borocoxô, especialmente quando atrelado à monogamia. Acrescente a isso o fato de que todos nós temos sonhos, fetiches, fantasias e desejos não realizados. E a pornografia existe para atender essa demanda, oferecendo escapismo sexual. O sexo serve, em muitos casos, como válvula de escape da própria agressividade, porque ele acalma após o orgasmo, causa saciedade e bem estar. Na natureza ocorrem coisas parecidas também. Os bonobos, por exemplo, resolvem seus conflitos e tensões fazendo orgias. Só que nós não somos bonobos e continuamos a dar murro em ponta de faca. Ao invés de resolvemos os problemas sociais ligados a sexualidade, o que muitos fazem é ou se viciar na pornografia, ou atacá-la como se ela fosse o problema. Só que como eu estou cansado de dizer, pornografia não é causa: é sintoma.
Game pornográfico mais famoso do mundo. |
É por isso que o entretenimento pornográfico mostra coisas tão atraentes. É o sujo, é o depravado, é o imoral, é o proibido, é a tara: tudo isso é que atrai a maior parte do público. Filme pornô educativo, bonitinho, higiênico, romântico e que mostra coisas "comuns" não vende. Homens – que são o principal público-alvo – querem ver putaria mesmo, safadeza sem limites e sem amarras morais. A pornografia é um escapismo sexual para nossas angústias mais íntimas. Claro que a dominação masculina como fetiche tem influência do machismo que sempre existiu na sociedade, mas a pornografia não se limita a isso, pois ela é muito mais abrangente que o observado no mainstream. Acusar toda pornografia de ser sexista é ingênuo, porque desconsidera a pornografia feminista e as incontáveis ramificações underground que fogem desse padrão de dominação masculina.
A dendrofilia é um aspecto lúdico do escapismo sexual. |
O combate sistemático que existe de grupos cristãos e feministas contra a pornografia mostra apenas que estamos tentando jogar a sujeira para debaixo do tapete. O problema não está na pornografia como muitos pensam, mas na relação nada saudável que temos com a nossa própria sexualidade. É isso que precisamos resolver antes de replicar argumentos equivocados de personalidades folclóricas como Catharine MacKinnon, Andrea Dworkin, Gail Dines ou Shelley Luben, como se eles tivessem alguma validade acadêmica ou psicossocial. O mundo não precisa de mais repressão e moralismo. O mundo precisa de mais liberdade para redescobrir e reinventar a sua sexualidade. Posso até estar equivocado em minha conclusão, mas um mundo sexualmente feliz não seria tão dependente de pornografia como é hoje.
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