terça-feira, 15 de junho de 2021

A Reinvenção do Amor: 20 anos correndo pelos campos (parte 2)


No post passado, eu falei sobre a criação e a história do primeiro álbum da banda fictícia Unno, intitulado de A Reinvenção do Amor, lançado em 2001. Nesta postagem aqui, vou abordar de forma mais específica sobre as músicas e o contexto em que cada uma foi criada.

Quem acha que as canções do primeiro disco foram criadas sem estratégia, se engana. Na história, foram feitas pesquisas para saber o tipo de música que as pessoas mais gostavam, se elas achavam importante falar sobre solidariedade, o que uma música precisava ter para ser boa, etc. A partir daí foram traçados os temas dentro da ideia central, que era a solidariedade, e só aí começou o processo de criação e produção das músicas. Vale salientar que todas as canções do primeiro disco foram inspiradas em histórias e casos reais. Várias questões filosóficas envolvendo os tipos e a linguagens do amor foram incluídas nas canções. É lógico que quem criou todas as canções da banda fui eu mesmo e fiz isso por uma questão de originalidade e também para não gastar dinheiro contratando músicos profissionais para compô-las para o desenho. A ideia inicial é que as canções aparecessem apenas no desenho animado da Sociedade do Rock em formato de videoclipe. Inicialmente, as músicas tinham um papel secundário. O papel principal estava no enredo. Mas, com o passar do tempo, o foco se inverteu e eu me vi cada vez mais envolvido com as músicas, porque elas meio que contam parte da história por si só.

A Unno em sua segunda formação em 2006.

Antes de falar sobre as canções do disco, vale a pena listar as músicas mais tocadas nas rádios da época (dentro da história) antes do primeiro disco da Unno ser lançado. Isso é para se ter uma ideia do tipo de conteúdo musical que as pessoas estavam consumindo e como a chega da Unno mudou isso.

Músicas fictícias mais tocadas nas rádios em 2001 no desenho:

Colosso da paixão - Edson Camarote (musica da novela)
Ô Lá em Casa - Estiqueriquebum
Vai um, vem dezoito - Banda Eucalipto
Segura esse bebê - Benedito e Átila
Ela tá querendo 2 - MC Dedão
Canta, canta, coração - Tiquinho e Sidão
Lágrimas e paixão - Renata Sinoya
Dança do joelho - Reis do Axé
Balança o popozão - MC Kaolho
Menino de rua - Rodrigo Magé

Pelos títulos acima dava para ver a miséria musical que reinava naquele período (e que não era muito diferente da vida real). Abrindo uma ou outra exceção, a maioria das músicas que "bombavam" nas rádios do desenho eram horríveis, toscas, apelativas, sem nexo e até preconceituosas. Isso era (e ainda é) uma crítica social às músicas que escutamos. Enfim, foi neste contexto que surgiu a Unno e essa tragédia musical foi parcialmente revertida, colocando músicas melhores nas rádios.

Klindo, Ellie, Pelegrinni e Panther em suas versões children.

Agora, sim, vamos às canções da Unno: canções essas que eram cantadas ou por Tom Pelgrinni, ou por Ellie. Vale salientar que nenhuma dessas canções foi divulgada oficialmente na vida real e a maioria delas está incompleta ou com títulos provisórios. Mas o que interessa aqui é o significado por trás de cada uma e como essas canções mudaram a história. Não vou deixar a letra e nem a melodia, vou apenas falar conceitualmente sobre como cada uma impactou na história. As canções seguem no disco na ordem abaixo:

CD 1 - A Reinvenção do Amor (2001)
1.  Todas as Cores do Amor (Gênesis)
2.  Infância Serena
3.  A Fantástica Fábrica de Sonhos
4.  Pequena Estrela
5.  Acorda, Estrelinha!
6.  Todo Amor
7.  Essa Chama Não Pode Apagar
8.  Um Novo Anjo no Céu (Lara)
9.  Adeus, Lírios da Primavera
10. Sob a Timidez
11. Reinventar o Amor
12. Uma Nova Razão Para Viver (Pela última uma vez)
13. Um Presente para Ludus
14. Além dos Campos Verdejantes
Extra: Faixa sem título


1.  Todas as Cores do Amor (Gênesis)
É uma faixa instrumental de introdução com algumas vocalizações. Ela possui uma energia positiva que serve para dar o tom das canções que virão depois.

2.  Infância Serena
É a primeira canção com letra do disco. Foi a primeira música da banda e também a primeira música que eu escrevi na minha vida lá em meados do ano 2000. A letra foi escrita primeiro em forma de poema e depois foi musicada. Isso fica perceptível pelo prolongamento das vogais para se encaixarem na métrica da melodia. Isso acabou criando um efeito musical bem particular e marcante. Falando sobre a música, ela começa com a famigerada frase "Vou correr pelos campos" que abre e fecha o disco de forma simbólica. A canção em si não possui nem rimas e nem refrão, mas transmite uma sensação de escapismo e liberdade sem igual, contando coisas que pessoas que anseiam por liberdade gostariam de sentir ou viver. A letra é polifônica, com vários personagens cantando em cada verso sobre a sua necessidade de se sentir livre, de receber uma doação ou de serem adotadas para ter uma vida livre e feliz.

3.  A Fantástica Fábrica de Sonhos
Mais uma canção cheia de escapismo, só que essa tem muita fantasia e é mais dançante e divertida que a anterior. Aqui há a primeira crítica da banda que é ao sistema de ensino duro e enfadonho que temos no Brasil. Na metade da música, a escola se transforma em um circo imaginário onde sonhos, devaneios e esperança se misturam.

4.  Pequena Estrela
Essa canção é icônica e foi uma das mais tocadas da Unno. Aqui há uma espécie de quebra da quarta parede onde o vocalista (Pelegrinni) fala diretamente para o ouvinte. Nos versos, a música afaga alguém que está atravessando uma grande dificuldade, doença ou sofrimento e, em seguida, dá uma pancada de ânimo e esperança incrível no refrão.

5.  Acorda, Estrelinha!
Uma das faixas mais tocadas do disco. Foi também a mais plagiada, imitada, regravada e homenageada por outros artistas, inclusive, internacionais. A versão dela em inglês tocada no piano e cantada por Johnny van Taylor ficou bem conhecida entre os gringos. Esta música fecha o ciclo com um final feliz daquela criança que cansou do hospital em Infância Serena, que achou que fosse morrer em Pequena Estrela e que inspirou um doador para salvá-la nesta música. Aqui é quando a personagem recebe a doação e fica curada de sua enfermidade. Imagine a felicidade de um ser humano que estava sentenciado para morrer, mas que, graças a uma doação, literalmente, consegue renascer e ganhar uma nova vida. Essa música foi feita em homenagem ao irmão caçula da Ellie que precisava da doação de medula óssea. A energia positiva dessa canção, as referências a vários super heróis e o vocal intenso e emocionado de Ellie são de encher os olhos de lágrimas e esperança.

6.  Todo Amor
Esta faixa trata de alguém que superou as dificuldades, os preconceitos e as barreiras sociais para realizar um grande ato de amor.

7.  Essa Chama Não Pode Apagar
Um dos críticos da Unno (um tal de Paulo Pedreira) disse que essa canção era uma mistura de Imagine (John Lennon) com a Arco-íris (Xuxa). E acho que essa foi a melhor definição (claro que com algum exagero) para ela. É uma música esperançosa que fala de vários tipos e linguagens do amor na busca da nossa "imortalidade". Afinal, o amor nos torna imortais nos corações que deixamos trás. Aqui é idealizado um mundo que tem suas mazelas curadas pela chama de um sentimento que é capaz de nos tornar imortais.

8.  Um Novo Anjo no Céu (Lara)
Se Acorda, Estrelinha foi o final feliz da história que começou em Infância Serena, Lara pode ser considerado o final triste. É uma das canções mais lindas e mais bem trabalhadas do disco, com direito ao uso de instrumentos de orquestra e coral ao fundo. A dor da perda de um filho foi muito bem interpretada por Pelgrinni nesta canção.

9.  Adeus, lírios da primavera

Mais uma canção icônica. A história do rapaz daltônico que enxergou em cores pela primeira vez extrapola o campo da metáfora para realidades que antes não conseguíamos enxergar por alguma limitação social, religiosa ou moral. Aqui é um mundo novo que se abre, uma "nova cor" que descobre-se onde antes era cinza.

10. Sob a Timidez
Com uma pegada de MPB, essa música aqui aborda as dificuldades amorosas e sociais vividas por pessoas tímidas.

11. Reinventar o Amor
É a canção mais madura do disco. Fala de como o amor monogâmico é, na verdade, uma prisão e que, por isso, ele precisa ser reinventado. É uma crítica aos nossos relacionamentos exclusivistas, possessivos e preguiçosos que nos privam de experimentar o verdadeiro amor.

12.
Uma Nova Razão Para Viver (Pela última uma vez)
Uma das letras mais tocantes do álbum. Conta o drama de idosos abandonados e de como é doloroso passar os últimos dias da vida sem o direito de poder ver e abraçar as pessoas que ama. O solo de guitarra lento e rasgado no final junto com a parte mais dramática da letra servem para amolecer os mais duros corações.

13. Um Presente para Ludus
Possivelmente, a canção mais engraçada e inesperada do disco. Ela fala do valor da amizade e como ela pode superar as barreiras entre as diferenças num ritmo parecido ao de uma valsa. O grande barato dessa música é que é preciso escutar ela duas vezes para que ela faça sentido. Você escuta a música inteira achando que se trata de uma coisa e aí vem a última palavra da última estrofe e muda completamente o sentido da história.

14.  Além dos Campos Verdejantes
Última canção com letra do disco. Ela trata sobre a despedida de alguém que se foi para sempre, mas que viverá para sempre em nossos corações. A última frase da última música do disco repete a primeira frase da primeira música: "eu vou correr pelos campos", dando a ideia de ciclo fechando e se repetindo.

Extra: Faixa sem título
É uma faixa instrumental secreta. Não aparece listada na contracapa e ela começa a tocar alguns segundos após o fim da canção anterior ainda na faixa 14. Ela tem um riff em pentatônica com um fundo nebuloso, denso e de ar transcendental com teclado e coral de apoio ao fundo. Esta faixa marca o nascimento simbólico da banda, dando aquele ar meio onírico típico das primeiras recordações das nossas vidas.

Trilha sonora ideal para correr pelos campos.

Note que a ordem das faixas do álbum obedece a um microciclo baseado nas quatro estações: primavera, verão, outono e inverno. Ou se preferir: infância, adolescência, maturidade e velhice. É como se a história da vida de alguém (ou de vários alguéns) estivesse sendo contada no álbum. O líder da Legião Urbana, Renato Russo, era um entusiasta dessa ideia, mas nunca conseguiu, de fato, aplicar este conceito nos seus discos. Na Reinvenção do Amor, a ideia de ciclo se renovando está no simbolismo de "correr pelos campos", que traz um misto de escapismo, liberdade, gratidão e conquista que permeia todo o disco. Este álbum traz, de certa forma, uma celebração pela vida.

Dois pontos cruciais sobre esta obra-prima é que há uma divisão entre a primeira e a segunda metade do disco. Até a música 8, temas envolvendo a infância são predominantes. Enquanto que a partir da faixa seguinte, as canções vão ficando mais maduras, envolvendo abordagens de outras faixas etárias. Outro ponto é que a gravadora Pop Records queria um disco com, no máximo, 12 faixas. Isso para reduzir os custos e o tempo de produção e para evitar "músicas fracas". Mas após muita negociação, o álbum saiu com 14 (15, na verdade). É um número grande de músicas para um álbum de estreia, mas cada canção conta uma história que não podia ser deixada de fora para que a ideia central do disco fosse totalmente consolidada. Além disso, houve uma preocupação detalhista com cada música para que todas as canções do disco fossem boas e inesquecíveis. Aliás, esse foi um dos diferenciais da Unno: criar um disco inteiro só com músicas incríveis.

Estrela: um símbolo do primeiro disco.

A Reinvenção do Amor não propõe necessariamente reinventar o amor em suas canções, mas sim em construirmos uma nova visão sobre ele. Será que o que chamamos de amor é realmente amor? O amor não suporta egocentrismo, orgulho, possessividade, mesmice, apego e imediatismo. A vida me ensinou que amar é sair da nossa zona de conforto para exercer entrega, doação, empatia, solidariedade, altruísmo, partilha, generosidade, gentileza e carinho. Amar é sacrificar-se pelos outros sem desejar nada em troca. Amar é uma forma de renúncia pessoal em nome de uma causa maior. Apesar de não ser fácil amar, é só o amor que nos imortaliza tanto como indivíduos quanto como espécie.

É claro que é possível que essas músicas sejam publicadas futuramente na vida real, sejam junto com o desenho ou sem estarem relacionadas a ele. Afinal, essas são canções que nos inspiram a dar o nosso melhor para fazer um mundo mais feliz. Doação, solidariedade, generosidade e altruísmo são temas atemporais e que, como diz o refrão de Essa Chama Não Pode Apagar, "nos torna imortais". Eu, particularmente, adoro essas músicas e elas estão entre as minhas favoritas da vida toda. Acho que a humanidade precisa e merece conhecer a magia de canções que, na pior das hipóteses, vai pelo menos nos fazer esquecer dos problemas ao correr pelos campos.

Namastê!

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