quinta-feira, 24 de junho de 2021

Ser criança em 1995

Eu costumo dizer que havia duas décadas diferentes dentro da década de 90. Entre 1990 e 1994 foi a década da inflação galopante, da lambada e do rumo ao tetracampeonato. De 1995 até 1999 foi a década da estabilidade financeira, da chegada da internet, do pagode, da tecnologia digital e da ascensão dos animes no país graças à saudosa Rede Manchete. Olhando por essa perspectiva, acho que a década de 90 começou pra valer mesmo a partir de 1995, porque muito do que rolou até 1994 foi herança dos anos 80, bastava ver isso na moda, na economia e no tipo de música que tocava nas rádios. Então quando falamos de 1995, estamos falando de um marco histórico.
Seguindo a tradição desta série, vamos então conhecer como foi aquele ano por tópicos específicos.

Tem coisa mais 1995 do que Friends?

Escola
Abordando especificamente a minha vida naquela época, eu tinha 11 anos de idade e mudei de uma escola primária para uma ginásia. Saí da quarta série para entrar na quinta série. E naquela época, a mudança da quarta para a quinta era brutal. No primário (da primeira à quarta série) tínhamos uma única professora (que chamávamos carinhosamente de "tia") que lecionava quatro disciplinas: português, matemática, ciências e estudos sociais. Daí que quando chegávamos na quinta série, eram muitas matérias novas (geografia, história, inglês, ecologia, biologia) e cada disciplina tinha um professor diferente. Isso sem falar das mudanças do colégio, dos horários, dos colegas, da turma, do recreio e das brincadeiras. No colégio que eu frequentei da quinta até a oitava série, tinha um sistema de hierarquia informal entre os alunos de cada série. Os alunos da oitava série eram os maiorais, porque "mandavam" em todo mundo das demais séries anteriores por serem maiores, mais fortes e mais velhos. Depois, vinham os da sétima série que botavam moral nos da sexta e nos da quinta. Por fim, os da sexta se sentiam superiores aos da quinta e vivam tirando uma onda com a nossa cara. E os da quinta, coitados, não tinham moral algum. Na quinta série éramos uns pirralhos sem autoridade e vítimas frequentes de trotes, bullying, humilhações e até de agressões dos alunos mais velhos. Durante o horário do recreio, cada turma tinha o seu dia da semana tabelado para usar a quadra, fora isso eram sempre os meninos mais velhos que tomavam conta da quadra só para eles. E a diferença da gente para esses meninos mais velhos era muito grande, porque eles eram quase adultos para a gente, tinham barba, fumavam na saída do colégio, podiam ir para casa sem a companhia dos pais, conversavam sobre temas mais maduros, etc. Tinham também os alunos do segundo grau que eram ainda mais maiorais que os da oitava série, mas eles tinham um recreio só para eles e praticamente nunca encrencavam com a gente. Mas enfim, esse nem era o foco desta postagem. Apesar disso, como eu e meus colegas éramos praticamente crianças, ainda reinava muita brincadeira entre nós. E como queríamos nos reafirmar, as nossas brincadeiras também foram ficando mais violentas, incluindo corredor polonês, babau (quando alguém que falava besteira levava um monte de tapas na cabeça do resto da turma), luta (super catch), cuscuz (puxar vários palitinhos da terra e correr pra não apanhar caso puxasse o errado), futeporrada (tirobol) e coisas do tipo. De brincadeiras mais normais, tínhamos mesmo os Tazos, ioiôs da Coca Cola, álbum de figurinha de jogadores, bola de gude, jokenpô e até jogos de tabuleiro. Falando em jogos de tabuleiro, eu era um dos melhores alunos do colégio no Xadrez, mesmo com apenas 11 anos. Mas enfim, este é assunto para outro post.

Ioiôs da Coca-Cola: mania nos anos 90.

Neste ano de 1995 foi também o ano que eu comecei a fazer curso de inglês na Cultura Inglesa. Como na época praticamente ninguém tinha internet e ela era muito lenta, só havia cursos presenciais. O curso me ajudou bastante, mas abandonei o mesmo dois anos depois. E já que toquei no assunto internet, na época, para mim, pelo menos, ela parecia uma coisa mágica, do outro mundo. Conversar com pessoas do outro lado do mundo e compartilhar informações, dados e imagens através de um PC era algo que beirava o surreal. Pena que só fui utilizar a internet pela primeira vez em 1998 lá no laboratório de informática do colégio.

Era assim quando a internet discada chegou ao Brasil.
Música
De todos os anos que relatei nesta série Ser Criança Em foi o ano de 1995 que eu considerei o melhor e mais diversificado musicalmente. Teve muita, mas MUITA música boa sendo gravada e tocada neste ano. Apesar do pagode e do axé music terem ganhado mais visibilidade na época, o pop rock, o sertanejo e o brega também tiveram uma relevância bastante notável no mercado fonográfico. A exceção a esses estilos foram os Mamonas Assassinas, que atingiram o auge do sucesso neste ano. Aliás, se você viveu em 1995 no Brasil e não ouviu falar de Mamonas Assassinas, bicho, você só podia estar em estado vegetativo, porque a popularidade dos caras superava até a dos Beatles. Eu mesmo comecei a gostar para valer de música e de rock graças aos Mamonas. Eu nunca tive um CD dos caras, mas tinha uma fita K7 com todas as músicas e eu ouvia e cantava religiosamente todos os dias canções como Robocop Gay e Vira-Vira.

O "cometa alegria" tornou 1995 um ano inesquecível.

Para se ter uma noção de como 1995 foi representativo musicalmente, vou deixar a seguir algumas das canções mais tocadas nas rádios da época:

NACIONAIS
É Tarde Demais – Raça Negra
Maravilha - Raça Negra
Segure o Tchan – Gera Samba
Na Boquinha da Garrafa – Cia. Do Pagode
Mama África – Chico César
Legalize Já – Planet Hemp
Rap da Felicidade – Cidinho & Doca
Sereia – Lulu Santos
Marrom Bombom – Os Morenos
Preciso de Você – Netinho
Paparico – Molejo
Pacato Cidadão – Skank
Esmola – Skank
Te Ver – Skank
Xô, Satanás – Asa de Águia
Catedral – Zélia Duncan
Lá vem o Negão – Cravo e Canella
Malandrinha – Edson Gomes
Lua que Vem – Joanna
Emaconhada – Akundum
Encontrar Alguém – J.Quest
As Dores do Mundo – J.Quest
Vai Ter Que Rebolar – Sandy & Junior
Então é Natal – Simone

INTERNACIONAIS
Rhythm of the Night – Corona
Back for Good – Take That
Kiss From A Rose – Seal
Scatman (ski-ba-bop-ba-dop-bop) – Scatman John
Always – Bon Jovi
Boombastic – Shaggy (Scalobaloba!)
Take A Toke – C+C Music Factory
You Gotta Be – Des'ree

Neste ano, os CDs tinham caído no gosto popular e os discos de vinil e as fitas K7 foram se tornando cada vez mais obsoletos. Apesar dos arquivos digitais em extensão mp3 já existirem, eles ainda estavam muito longe de competirem com os CDs. Mas o mais bacana mesmo musicalmente falando neste ano foi o conteúdo das rádios brasileiras. Eu mesmo adorava ouvir a Jovem Pan e a Transamérica. Músicas engraçadinhas como Macacaralho e Pomba Rola e os humorísticos Pânico e Café com Bobagem foram marcantes na minha vida.

Uma curiosidade interessante é que no dia 20 de julho de 1995 a música "É Tarde Demais" do Raça Negra foi tocada mais de 600 vezes num único dia, se tornando a canção mais executada de todos os tempos segundo o GUINNESS BOOK. Por essas e outras que 1995 foi o ano mais mítico musicalmente falando da história.

A Rede Manchete tinha audiência garantida com os CDZ.

Televisão
1995 se resumia em basicamente três coisas para mim na tevê: Cavaleiros do Zodíaco, Cavaleiros do Zodíaco e mais Cavaleiros do Zodíaco. Eu virei um fã tão doente deste anime que eu comprava tudo que eu via sobre eles: revistas, posters, álbum de figurinhas, CDs, camisetas, chicletes... Só nunca comprei os bonecos porque eram muito caros e raros. O jeito que eu tinha de brincar era desenhando e recortando os personagens do anime em papel sulfite ou então brincando de "ser", onde eu e meus amigos brincávamos de interpretar os cavaleiros e seus golpes. Também nessa época eu criei minhas próprias imitações da lendária revista Héroi da editora Sampa, onde eu resumia os episódios dos Cavaleiros da tevê e narrava os meus próprios que criava nas minhas brincadeiras. Mas nem tudo se resumia a Cavaleiros na extinta Rede Manchete, o que não faltava eram aquelas propagandas toscas do Teleshop com seu número de telefone emblemático (011) 1406 (que inspirou uma das canções dos Mamonas Assassinas). Vendiam de tudo naquelas propagandas, de Facas Guinsu até produtos para tirar arranhões de carros. Além disso, tínhamos tokusatsus como Wispector, Patrine, Kamen Raider e Solbrain. Sem contar do bom e velho Clube da Criança apresentado pela Patrícia Kiss (Pat Beijo) com vários desenhos. Para quem curtia novelas, a novela de sucesso da Manchete naquele ano foi uma tal de Tocaia Grande que eu nunca cheguei a assistir.

TV Colosso: alegria da criançada na época.

Na Rede Globo, tínhamos a inesquecível cachorrada da TV Colosso pela manhã junto com uma porrada de desenhos bacanas como Perdido nas Estrelas (WishKid), X-Men, Animaniacs, Tiny Toon, Esquadrão Marte, Carmen Sandiego e a querida Família Dinossauros. Entre as atrações da TV Colosso tivemos nada menos que os Power Rangers, que tiveram sua estreia no Brasil neste ano. De tarde, além da boa e velha Sessão da Tarde, tinha a Sessão Aventura, S.O.S Malibu, Escolinha do Professor Raimundo e a estreia da novela mais velha em atividade da tevê brasileira, a Malhação. Das telenovelas globais, A Próxima Vítima foi a de maior destaque na época, chegando a ter uma audiência que supera muito as de hoje em dia. Nas noites de terça-feira, tínhamos o Casseta & Planeta Urgente que, naquela época, era bastante engraçado.

Com relação ao SBT, a manhã era toda das crianças com a Sessão de Desenhos da Vovó Mafalda, Bom Dia e Cia. e o Programa Sérgio Mallandro. Nos finais de semana era a vez do Sabadão Sertanejo, do Domingo Legal do Gugu e do Topa Tudo por Dinheiro do Silvio Santos. Já na TV Cultura eram muitos programas inesquecíveis para as crianças, como Glub-Glub, Castelo Rá-Tim-Bum, O Professor, Os Bichos, De Cabo a Rabo, O Mundo de Beakman, Doug, X-Tudo, Anos Incríveis e o meu desenho favorito da época: As Aventuras de Tintim. Essa foi, na minha opinião, a era de outro da tevê Cultura.

Melhor game de futebol dos anos 90.

Games
Apesar de em 1995 já termos videogames como Playstation, 3DO, Sega Saturno, Sega CD e Neo Geo CD, o que eu tinha acesso na época eram os bons e velhos Mega Drive e Super Nintendo. E esse acesso não era tão simples, porque minha mãe só me deixava jogar nos finais de semana e mesmo assim só depois de ter feito todo o dever de casa. Eu tinha um Mega Drive e jogava Super Nintendo nas locadoras e casas de parentes ou amigos. Mas o que me marcou mesmo naquele ano foi a descoberta de um fliperama chamado Neo Geo numa famosa pizzaria perto da minha casa. Naquela época, conheci clássicos da SNK como Samurai Shodown, Aero Fighters e Super Sidekicks. Apesar do glorioso The King of Fighters '95 ter sido lançado neste ano, eu só fui jogá-lo pela primeira vez no emulador em 2002. Meu primeiro KoF foi o 96 e tem um post dedicado a ele aqui no blog. 
 
Eu não poderia deixar de lembrar que este foi o ano de ouro do Super Nintendo com clássicos eternos como os lendários Donkey Kong Country 2, Final Fight 3, Mortal Kombat 3, Mega Man X2 e X3, International Super Star Soccer de Luxe e Yoshi's Island. Para outros consoles, tivemos o já citado KOF '95, Samurai Shodown 3, Tekken 2, Warcraft 2, Street Fighter Alpha e Tales of Phantasia.

Melhor filme daquele ano.

Filmes
Como essa postagem já está extensa demais para os padrões dessa série, eu vou deixar listado a seguir apenas os filmes que me marcaram positivamente lançados naquele ano. A maioria deles eu só fui assistir em anos posteriores, uma vez que eu raramente ia aos cinemas e tinha a grana curta para alugar fitas VHS. 

WaterWorld
Goldeneye 007
Os Doze Macacos
Jumanji
Batman Eternamente
Coração Valente
Toy Story
Pocahontas
Gasparzinho
Free Willy 2
Ace Ventura: Um Maluco na África
Mortal Kombat
Lembranças de outra Vida (Fluke)
O Juiz
Duro de Matar 3
Apollo 13

PS1: Antes que eu me esqueça, teve um filme de 1992 que assisti no SBT na época que me marcou por ser tosco, engraçado e com um dos títulos mais esdrúxulos existentes, um tal de Nut nasceu burro, não aprendeu nada, esqueceu a metade

PS2: Neste ano, além de todas as mudanças, novidades e desafios que vivi, ainda tive minha primeira feira de ciências, minha primeira dramatização de trabalho escolar, minha primeira paixão (por uma aluna da sétima série), a descoberta dos saudosos livros-jogos, a minha primeira eucaristia, a única vez que fui à inesquecível Noite do Terror do Playcenter e a minha primeira e única ida à Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. Eita ano agitado!

Enfim, 1995 foi um ano tão cheio de histórias para contar que parece que foram vários anos em um só.

Para quem tiver curiosidade e não tiver lido ainda, seguem abaixo os links para outros capítulos dessa série Ser Criança Em:

Ser criança em 1986
Ser criança em 1988
Ser criança em 1990
Ser criança em 1991
Ser criança em 1994
Ser criança em 1996
Ser criança em 1997
Ser criança em 1998
Ser adolescente em 1999

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