sexta-feira, 31 de maio de 2013

A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 2


Continuando a série A pornografia é culpada ou inocente?, nesta parte vou mostrar os principais argumentos contra a pornografia e analisar cada um deles.

Capítulo 3 - As reações dos grupos antipornografia
Se tem uma coisa que já me cansou foi o amontoado de argumentos usados pelos moralistas e religiosos para proibir a pornografia. Porém, se os argumentos contra a pornografia forem baseados apenas em convicções pessoais, então eles não valem de nada. Mas se existirem evidências claras de que existem coisas maléficas ou que infringem alguma lei por trás da pornografia, aí sim é preciso mudar as coisas. Porém, o que eu vejo mais frequentemente por aí são opiniões de pessoas que se sentem ofendidas com este gênero, quase sempre mulheres. O engraçado é que apesar de não gostarem e não assistirem, ainda assim querem combatê-la de alguma maneira. Será que o fato de eu não gostar e me sentir ofendido com filmes de guerra, por exemplo, me dão o direito de proibi-los?
Pois bem, vamos deixar para refletir melhor sobre este assunto a seguir.

Vou listar abaixo os principais argumentos contra a pornografia e depois analisar com calma cada um deles.

Os principais argumentos contra a pornografia são:

1-A exploração das mulheres pela indústria pornográfica.
2-O abuso, objetização e degradação das mulheres nos filmes.
3-A padronização e repetição de certos fetiches.
4-A escola sexual que a pornografia virou.
5-A pornografia fomenta crimes sexuais.

Será que o cinema pornô é tão nocivo assim?

1-A exploração das mulheres pela indústria pornográfica
Sempre que participo de debates sobre a pornografia na internet, me deparo com algumas pessoas que alegam que os produtores de filmes pornográficos são, na verdade, cafetões disfarçados de empresários. Nesse cenário, as mulheres (atrizes, no caso) são supostamente coagidas a fazerem coisas degradantes em condições desumanas apenas para o deleite do público (masculino).
O problema que eu vejo com relação a esse argumento é que a exploração humana ocorre em praticamente todos os ramos do mercado de trabalho, e não apenas na indústria pornográfica. Existem trabalhadores assalariados que ganham uma miséria para fazer serviços que podem ser, dependendo da ótica em questão, humilhante ou mesmo cruel. Quem critica a pornografia com esse argumento deveria olhar também para outros setores do mercado onde mulheres e homens são expostos a abusos. O problema aqui, portanto, não está na pornografia em si, mas na exploração dos trabalhadores. A raiz do problema é mais embaixo.
Outro aspecto que me chama atenção é que muitas atrizes pornôs dirigem os seus próprios filmes e faturam horrores com a produção. Isso prova que não há uma conspiração dos homens querendo explorar as mulheres. As próprias mulheres se prestam a isso cedendo o uso da sua imagem para fins eróticos através de contratos consensuais entre adultos. Ressalto este ponto porque já cheguei a ver algumas pessoas compararem pornografia com trabalho escravo, como se alguém ameaçasse as mulheres caso elas não aceitassem participar das produções. Uma mulher adulta sabe muito bem o que pode fazer ou não com o próprio corpo. As exceções ficam por conta do tráfico humano e da coerção.

Depoimento tirado do orkut (clique para ampliar)

A pornografia e o crime
É inegável que há casos onde há exploração e violência contra mulheres e homens neste ramo. Mas o que deve ser combatida é a violência e a exploração – e não o sexo por dinheiro ou os filmes. E outra coisa: não são somente as mulheres que sofrem mazelas: ou será que os atores também não correm o risco de pegar doenças, usar drogas, ter inflamações na uretra, ter fratura de pênis, etc? Se realmente há uma exploração humana ilegal nos bastidores dessa indústria, isso deve ser denunciado às autoridades competentes. Neste caso, o problema não é a pornografia, mas sim os crimes que podem ser vinculados a ela.
Um problema comum citado por algumas pessoas é que há uma coerção e aliciamento de mulheres pobres para atuarem em filmes pornôs. Não sei se isso realmente ocorre, mas os relatos apontam que muitas produtoras de filmes pornográficos fazem com que mulheres incautas e humildes assinem contratos ambíguos e capciosos de serviços sexuais em troca de dinheiro fácil. E tais contratos as obrigam a fazer coisas que elas jamais se sujeitariam a fazer se soubessem exatamente do que se tratava. O que me preocupa aqui é que tal atitude é criminosa, pois da mesma forma que aliciar pessoas para o tráfico de órgãos é crime, o aliciamento de mulheres também deveria ser. Só que não é necessário banir a pornografia para acabar com isso. O que precisa ser feito é combater o aliciamento e o tráfico humano.
Porém, a grande vilã, na minha concepção, é a falta de empregos, de oportunidades e de investimentos em educação, pois se todos tivessem chances de emprego e de um trabalho bem remunerado, ninguém precisaria recorrer à pornografia, à prostituição, ao tráfico de drogas ou à criminalidade em geral como único meio de sobrevivência.

Outro depoimento

A Pink Cross Foundation
Shelley Lubben
Uma das organizações que mais denuncia os abusos da indústria pornográfica é a Pink Cross Foundation, coordenada pela ex-atriz pornô estaduniense Shelley Lubben. Esta organização ajuda as pessoas com traumas relacionados ao sexo e pornografia e, principalmente, se opõe à pornografia com o discurso de que "as mulheres são exploradas pela indústria pornô". Vendo de perto a história da Shelley Lubben (que é evangélica – e eu nunca vi evangélico algum falar bem de pornografia), percebe-se que, segundo fontes mais ou menos confiáveis, ela foi uma vítima de incoerências e irresponsabilidades (drogas, doenças, depressão) que por vezes ocorrem nos bastidores da indústria da pornografia. Mas a questão é que o fato de existirem coisas erradas na pornografia não a torna algo necessariamente maléfico. Se as leis fossem cumpridas e se esse aspecto "desumano" nos bastidores da pornografia fosse eliminado, ela continuaria existindo sem problemas com toda a sua "imoralidade" e "sujeira" escondida apenas pelo véu do falso moralismo humano. Afinal, sexo não é crime, fantasias não são crime e taras também não são crime – desde que, claro, sejam mutuamente consentida por adultos. Além de tudo, Shelley Lubben usa apenas relatos como "provas" das coisas que ela se opõe. O problema é que relatos não servem para provar nada tanto no aspecto jurídico quanto na ciência: é preciso colher evidências não-anedóticas para se comprovar a veracidade de tais relatos, tais como exames de corpo de delito, exames psicológicos, imagens, materiais, gravações, etc.
Neste caso, se forem mesmo comprovados tais abusos, a solução é fazer valer a lei, denunciar e mostrar as evidências de que as pessoas envolvidas neste meio estão sofrendo mazelas para, assim, dissociar a pornografia de outros problemas sociais. E óbvio: não é porque existem coisas erradas ligadas à pornografia que ela deve ser integralmente proibida. Da mesma forma que, por exemplo, não deve-se proibir a venda de sapatos só porque supostamente algumas empresas usam trabalho escravo para produzi-los. Para quem não sabe, a fábrica da Apple na China, por exemplo, possui um alto índice de suicídio. Isso ocorre pelas péssimas condições de trabalho nessas fábricas, pelos turnos estressantes de mais de 18h por dia e pelos salários miseráveis pago aos trabalhadores. Todo mundo sabe que o tráfico de drogas gera violência, crime, morte, escravidão, etc e nem por isso as pessoas deixam de consumir drogas, por exemplo. A incoerência do mundo não está apenas na indústria pornô, pois a incoerência é muito mais genérica. O que deve ser combatida é a exploração, e não a pornografia. Aliás, a pornografia é sexo consentido entre adultos. Fora disso é crime e ponto.

Shelley Lubben e a Bíblia Sagrada

Porém, poucos acham suspeito o fato da Pink Cross Foundation usar argumentos religiosos para combater a pornografia. Nada contra as religiões, muito pelo contrário, pois as religiões trazem muitos aspectos positivos para a sociedade. O problema, convenhamos dizer, é que usar versículos bíblicos para refutar a pornografia e a prostituição não resolvem o problema. Então o Pink Cross Foundation parece-me mais uma cópia ideológica do Dirty Girls Ministries, que é um grupo de cristãs que querem doutrinar as garotas que assistem pornografia. Segundo a fundadora deste grupo, Crystal Renaud, “uma ex-viciada em pornografia, limpa há 7 anos“, poucas coisas podem ser pior para uma mulher do que a masturbação em frente a uma tela que exibe imagens pornôs, uma vez que a Bíblia prega que o sexo deve ser única e exclusivamente para a reprodução. Crystal lançou nos EUA o livro “Dirty Girls: Come Clean,” dirigido às milhares de mulheres que tem o secreto hábito de assistir filmes eróticos.

E se você duvida dessa presepada, recomendo que veja com seus próprios olhos os links abaixo:
Livro que condena a pornografia para mulheres

Outra coisa que eu me pergunto é: será que o pornô voltado para o público feminino também não tem essa "exploração" e "abuso" por trás das câmeras que tantas alegam por aí? Como alguém pode garantir que não há abuso na pornografia feminina também? Lembrando que o pornô feminino é muito diferente do tradicional, pois ele foca no prazer e nas fantasias femininas, é filmado de forma diferente da masculina e mais parece um conto erótico filmado (conto mais sobre esse assunto adiante).

John Stagliano: produtor pornô foi umas das vítimas da AIDS

As mazelas por trás da pornografia
Com relação à propagação da AIDS e de outras DSTs nos bastidores do mundo pornô, recomendo a leitura de um artigo do site Papo de Homem que mostra como são feitos os exames de HIV nos atores pornôs e dos casos de pessoas que contraíram a doença neste meio. O link está logo abaixo:
AIDS na pornografia, poderia acontecer com você

O grande problema aqui é que as DSTs não são exclusividades de filmes pornôs, pois qualquer pessoa que faça sexo sem proteção corre esse o risco. Até mesmo casais casados há anos pegam AIDS. Uma pessoa que vai participar de um pornô sem camisinha precisa ser muito burra para achar que não existem riscos, mesmo com os exames dando negativo.

Quanto ao suposto uso de drogas, cocaína e álcool que, segundo o próprio site PdH, rola com certa frequência nos bastidores de alguns filmes, isso, sim, é errado – e não o sexo feito diante das câmeras. Não fui conferir se isso realmente é verdade, mas não duvido que isso possa ocorrer da mesma maneira que ocorre na música, por exemplo, onde grandes rockstars se perdem em meio a drogas e sexo sem limites (sexo, drogas e rock' roll, lembra?). Não sei se vem ao caso também falar da exploração dos músicos pelas gravadoras neste ramo e tentar proibir o rock por isso. Também poderíamos citar o caso dos esportes, onde muitos atletas são expostos a condições extremas, cruéis e desumanas e nem por isso vemos grupos de ativistas querendo proibir os esportes.

Se há irregularidades – seja na indústria da música, da pornografia ou nos esportes – elas devem ser resolvidas à parte. Essas produtoras que usam drogas, falsificam exames de HIV, usam menores de idade ou escravizam pessoas devem ser fiscalizados ou punidos. Não é a indústria inteira que deve ser punida pelo comportamento ilegal de alguns. Deve haver uma regulamentação da indústria pornô, só isso.

Será que nem os hentais escapam da inquisição moralista?

2-O abuso, objetização e degradação das mulheres nos filmes
Uma coisa que me chama atenção neste argumento é que ele quase sempre vem de mulheres que se dizem feministas. O estranho é que pouquíssimas dessas supostas feministas criticam sobre a degradação do homem, ou o pornô gay, ou os hentais, ou o BDSM. Também nem falam que atores pornôs ganham muito menos que as atrizes e eles também correm o risco de pegar doenças, infecções, tomam remédios para aumentar a potência sexual e manter a ereção mesmo quando o pênis dói...  E inclua aí também o fato de que muitos homens não recebem o cachê combinado, fazem coisas "degradantes" e são desprezados por muitas mulheres “comuns” pelo seu trabalho “infame” (pergunte quantas mulheres gostariam de casar com um ator pornô para você ver). A degradação, estranhamente, só é das atrizes, que, curiosamente, estão ricas, com a vida sexual maravilhosa e se aposentando com menos de 25 anos. Eu vejo a degradação feminina muito mais presente no tráfico o humano, na prostituição como o único meio de sobrevivência e nas mulheres que se submetem ao sexo forçado com os seus maridos.

Será que todo filme pornô é assim?

Outra coisa que quem usa esse tipo de argumento faz é se esquecer que tanto a prostituição quanto a pornografia são uma forma de trabalho – um trabalho mal visto, mas, ainda assim, um trabalho. O fato de profissionais estarem fazendo sexo como trabalho não torna aquilo um abuso sexual só porque algumas pessoas que assistem se sentem ofendidas com o que veem. Ninguém pode julgar se os atores e atrizes se sentem humilhados ou degradados a não ser eles próprios. E mesmo que todos se sentissem mal, para que estão ali se não são obrigados? Dizer que é trabalho escravo não vale, pois trabalho escravo é crime. E dizer que as mulheres são forçadas também não vale, pois se assim fosse, seria sexo não-consensual, ou seja: estupro, que é um crime hediondo.
Se não curte, não faça!
Daí eu pergunto novamente: será que a pornografia feita para mulheres também não tem exploração? Pois lá muitos homens são tratados como objetos a serviço do prazer das mulheres. E as mulheres que gostam da pornografia tradicional? Será que elas também não estão apoiando a "exploração" feminina?
O problema aqui é o mesmo que existe com relação ao casamento gay: pessoas se metem em algo que não diz respeito às suas vidas e tentam impor o que as outras mulheres podem ou não fazer.
A grande questão é que muitas mulheres (e alguns homens) fazem julgamentos baseados exclusivamente no seu senso de valores (o que é feio para mim, é feio para todo mundo). Porém, o que elas veem como sujo, imoral ou degradante pode ser excitante para outros, inclusive para mulheres. É ingênuo achar que todo mundo só excita ou se ofende com as mesmas coisas que você vê. E mais: é preciso saber lidar com a diversidade sexual: ao invés de ficar falando mal do desempenho que você não aprova, procure vivenciar a sua sexualidade e não se meter na dos outros.

Por fim, se há degradação, esta degradação é dos seres humanos, e não apenas das atrizes ou das garotas de programa, afinal, não são só mulheres que se prostituem ou fazem coisas "imorais" em filmes.
Na minha opinião, alguns desses argumentos me cheiram a heterofobia de mulheres misândricas ou pseudo puritanas. O que é que tem demais em certas fantasias se é tudo consensual?
Como disse o blogueiro Rafael Galvão: "Sexo só serve se for sujo e depravado. Decididamente são um saco aqueles pornôs com musiquinha, romantismo, nhenhenhém."

Ou, parafraseando o Doutor Asmodeu em sua postagem Prostituição e Pornografia:
"O fato delas não gostarem não as dá o direito de proibir tais coisas, ainda que tenham alguns argumentos válidos (como o da violência e exploração). Tal postura se ilustra bem numa frase dita por algumas feministas do contra, segundo a qual 'a prostituição não ofende apenas às prostitutas, mas a mim também' que pode ser refutada em dois pontos simples: é generalizante, e se a ofende, o problema é dela, pois não podemos (ou não deveríamos poder) proibir coisas que simplesmente "nos ofendem"; especialmente quando tais coisas dizem respeito apenas a quem as pratica. O moralismo também me ofende, mas posso proibí-lo?"

A pornografia existe até nos videogames
O que quase ninguém percebe é que há uma repressão sexual disfarçada de politicamente correto nesses ataques contra a pornografia. Pois as mulheres e homens que gostam de sexo naqueles padrões dos filmes se sentem inadequados e reprimidos. A velha mania de imputar culpa nos outros surge quando algumas pessoas confundem o sexo selvagem consentido com simulação de estupro, por exemplo. Há mulheres e homens que curtem levar tapas e puxões. Não há problema quando a coisa é consensual. O problema é que quando tais cenas são exibidas, os pseudo puritanos enlouquecem de raiva ou de inveja mesmo – como se o sexo fosse apenas do jeito que alguns moralistas acham que ele deve ser. Acho uma falta de honestidade também afirmarem por aí que a pornografia causa crimes e estupros pelo simples fato dos relatos se parecerem ou porque os estupradores gostavam de pornografia. É a mesma falácia que há em proibir games violentos, como eles fossem bodes expiatórios da violência. Vou falar melhor sobre isso na parte 5 deste capítulo.

Será que o pornô precisa seguir sempre as mesmas fórmulas?

3-A padronização e repetição de certos fetiches
Esta, sim, é uma crítica bem fundamentada. Ao contrário do que alguns defendem, o problema não está na realização de alguns fetiches e taras, mas na repetição persistente deles. A indústria pornográfica poderia variar um pouco mais e mostrar menos do mesmo e mais de coisas inexploradas, como posições, ângulos, preliminares, jogo da sedução e focar um pouco mais no prazer feminino.
Por essa razão, muitos homens dentro do público-alvo desses filmes nem assistem ao filme inteiro: eles ficam pulando as cenas que não gostam e indo para trechos que eles se excitam. Isso mostra que tem alguma coisa errada com a pornografia tradicional.

Virando o jogo
Uma alternativa ao pornô tradicional
Vejo que, de fato, no pornô mainstream há muita frieza e as mulheres geralmente são tratadas como objetos, e não como mulheres dotadas de sentimentos e desejos. Isso realmente pode incomodar, mas um cara só trataria a sua parceira assim se quisesse dar bandeira para que ela procurasse o bom sexo fora do relacionamento. Sem falar que o pornô tradicional realmente é escroto, agressivo, mentiroso, mecânico e cria uma caricatura pobre e mal feita da sexualidade humana. Esse tipo de pornô domina o mercado porque existe uma demanda muito grande no mercado para ele. A sexualidade mais agressiva dos homens é refletida nesta padronização do pornô tradicional. Talvez esse excesso de agressividade e animalidade presente nos pornôs cause revolta em muitas mulheres e com relação a isso eu sou completamente compreensivo. Só que ficar vitimizando as mulheres não resolve nada neste ponto, pois como foi dito no blog Nerd Somos Nozes sobre a produtora de filmes pornôs para mulheres, a Érika Lust:
"Na visão feminista de Erika, as mulheres não devem se auto-encarar como vítimas e colocar os homens na categoria de escravizadores maldosos e ferrenhos. Isso diminui as mulheres, pois sendo elas seres pensantes e capazes, não podem encararem a si próprias como passivas, dignas de pena, e sofredoras. Simplesmente reclamar e culpar os homens das mazelas da sociedade não é a saída. Agir é... e foi o que ela fez no mundo pornô: mostrou sua visão sobre o gênero e fez seus próprios filmes, o que é uma atitude louvável e ousada."
E para quem não conhece, a Érika Lust tem um currículo invejável: Melhor Roteiro no Festival de Cinema Erótico de Barcelona de 2007, Melhor Filme para Mulheres no E-Erotic Awards Line (Berlim 2007), Menção Honrosa Best no Festival CineKink (Nova Iorque 2008) e foi premiado com Melhor Filme do Ano no Feminist Porn Awards (Toronto 2008).

E antes que venham de mimimi sobre a Érika Lust, ela é feminista ferrenha e carregada de formações: é jornalista, tem mestrado em ciências políticas e gestão do audiovisual com especialização em feminismo e estudos sobre a sexualidade, na Universidade de Lund. Então, antes que a mulherada entre em campo para dizer que ela não sabe o que faz, é melhor levar em conta essa carga intelectual antes.
Para saber mais sobre o assunto, segue o link do Nerd Somos Nozes abaixo:
Five Hot Stories For Her e a Pornografia Feminina

Erika Lust: um olhar feminino na pornografia

Faça amor, não faça pornô
Apesar dos filmes pornográficos darem a impressão de que os homens são todos uns machistas, creio eu que a maioria dos homens tem interesse, sim, em dar prazer às suas parceiras. Não apenas pelo medo de ser trocado por ‘outro’ melhor, mas também porque quando a gente ama alguém, quer mais é que esse alguém seja muito feliz ao nosso lado, em todos os aspectos. E não se iluda: hoje as mulheres experimentam, testam e comparam. Se o cara for ruim de cama ou não atender as necessidades delas, estará fora do mercado sexual feminino. Então esse negócio das mulheres ficarem com caras ruins de cama não faz muito sentido, já que elas podem muito bem trocá-los por alguém mais habilidoso, carinhoso e preocupado com as suas necessidades. Por isso tudo também que a pornografia feminina começou a ganhar força, pois assim há uma opção diferente.

Para quem não conhece, a pornografia feminina normalmente foca aspectos negligenciado na pornografia masculina, como o jogo da sedução, a conquista, o carinho, o toque sensual, a excitação, as preliminares as novidades no sexo, a variedade e a qualidade. O padrão repetitivo, caricaturado e exagerado do pornô tradicional passa longe daqui. Ou seja: o mundo está mudando e as mulheres é que têm a ganhar. Enquanto as fantasias masculinas são vistas geralmente como bizarras, as fantasias das meninas estão cada vez mais em alta justamente porque o direito da mulher sentir prazer é uma conquista recente. E como toda novidade, se está na moda, a tendência é tratar o resto como démodé.

A seguir deixo dois links que tratam sobre a pornografia feminina:
Também há de citar a campanha Make Love Not Porn, que ensina para os mais jovens que o sexo com mulheres reais é um pouco diferente do que se vê nos pornôs. Claro que acho algumas coisas exageradas, mas acho a campanha válida para evitar certos conflitos na cama.
Revista TPM: Faça Amor, não faça pornô

Bem que a pornografia podia focar no prazer delas, não?

Válvula de escape
É bom aproveitar este post também para destruir logo o mito de que os homens não curtem preliminares ou o sexo do jeito que agrada às mulheres. Os filmes pornôs não colocam preliminares, por exemplo, porque isso o homem pode fazer com qualquer mulher. Não é necessário fantasiar com algo que você pode fazer a qualquer momento com a sua mulher. Os filmes pornôs focam justamente no proibido, no sujo, naquilo que os homens gostariam de fazer, mas geralmente não fazem. Um exemplo clássico disso é sexo anal, pois a grande maioria das mulheres não quer nem ouvir falar no assunto, mas nos filmes pornôs isso é mostrado como se fosse uma regra. Como eu expliquei na primeira parte desta série: filmes pornôs são uma válvula de escape.
O cara que quer ver pornô geralmente está ali para aliviar as tensões sexuais, então as mulheres dos filmes e revistas viram mesmo objetos de luxúria, assim como na fantasia masculina, aquela vizinha gostosa ou a estagiárias das pernas atraentes também servem de fantasia quando ele vai se “aliviar”. Eu não consigo ver nada errado em um homem hétero desejar uma mulher ou vice-versa.

Crimes e pornografia
A pornografia não causa estupros
Eu acho muito ingênuo colocar a pornografia como bode expiatório de estupros, pedofilia, misoginia etc, como se essas coisas nunca tivessem existido antes da invenção da pornografia. E outra: NÃO há nenhum estudo que comprove essa associação entre crimes e pornografia – muito pelo contrário, pois a pornografia e a prostituição acabam se tornando uma válvula de escape para homens sem sexo (algo que vou abordar melhor lá na frente). Da mesma forma que uma peça de teatro encena uma morte, um estupro ou um homicídio, o pornô tem a sua representação. A arte muitas das vezes é uma válvula de escape das amarras da vida terrena. Não vejo ninguém em sã consciência defender que se deva proibir filmes ou peças de teatros que encenem homicídios ou massacres porque isso supostamente estimula o aumento da criminalidade. Aliás, não sei que tipo de pornô é esse que algumas pessoas estão vendo para compará-los com estupro e abuso sexual. No site Blogueiras Feministas há uma descrição de um estupro onde é feita uma associação ao pornô (link aqui), mas essa coisa bizarra de simular estupros, pelo menos até onde eu saiba, não faz parte da pornografia mainstream. E mesmo que fizesse, porque a ficção ou a arte não podem simular "crimes" se tudo ali não passa de mentira e encenação? Será que ver um filme pornô vai tornar um homem um estuprador? Onde estão as provas, pesquisas e evidências disso?

Outra coisa muito estranha é que alguns comentários por aí me levam a crer que há uma conspiração dos homens contra as mulheres através da "imposição" da prostituição e da pornografia. Desnecessário dizer que isso não tem qualquer coerência lógica, além do que, tratar metade da humanidade como inimiga não resolve nenhum problema.

Afinal: com quem aprendemos a transar?

4-A escola sexual que a pornografia virou
Esta também é outra crítica bem fundamentada.
Apesar de toda a liberação sexual, a sexualidade ainda é um tabu. Eu vejo na tevê, nas escolas e até mesmo na família uma preocupação maior em mostrar a prevenção de doenças e de gravidez do que de 'como se faz sexo'. Não existe uma escola sexual. O que mais chega perto disso sãos os filmes pornográficos, que são distorcidos e mostram a sexualidade humana de forma irreal, quase sempre ignorando o prazer feminino.
Eu concordo que esses filmes não ensinam como dar prazer a uma mulher, uma vez que as atrizes estão ali só para servirem de prostitutas virtuais para os homens que assistem ao material. Pois da mesma forma que homens procuram prostitutas para se satisfazerem – e não para satisfazerem as prostitutas – a pornografia também é consumida com este mesmo fim. Por isso que os filmes vão direto para as necessidades sexuais masculinas, pulando etapas cruciais que normalmente ocorrem no sexo, como o flerte, os beijos e as preliminares, por exemplo.

Ou como comentou o blogueiro Flávio Moreira no post Guest Post: As várias possibilidades do BDSM do blog Escreva Lola Escreva:
“...a pornografia é uma indústria, e bastante poderosa. Seu único fim é o lucro e, para isso, segundo o bom velho dogma do capitalismo desenfreado, vale tudo. Claro que essa indústria, por um lado, reflete uma demanda - não fosse isso não seria tão vasta e diversificada. Mas o mainstream, que é o que talvez atinja a maioria da população masculina, é extremamente machista e violento. Uma coisa é conscientemente a pessoa consumir esse produto e saber que aquilo ali é feito para satisfazer fantasias ou taras, outra é isso chegar de forma indiscriminada e irresponsável a tantas pessoas que, por não ter tido a oportunidade de adquirir uma melhor educação e um pensamento crítico que a capacite para discernir entre realidade e fantasia, pensem que aquela forma retratada nos filmes seja a correta para tratar uma mulher.”

O pornô virou escola sexual
O grande problema que eu vejo com relação à pornografia tradicional está justamente no fato de que ela tem sido usada como uma espécie de “escola sexual”, especialmente pelos mais jovens. E é realmente triste ver que muitas pessoas pensem que aquilo representa toda a sexualidade humana em sua complexa diversidade. Sexo envolve muito mais do que vemos nesses filmes, pois envolve sentimentos, emoções, olhares, encanto, preliminares, psicologia e o prazer feminino que geralmente é chutado para escanteio nessas filmagens. Isso eu concordo plenamente. Mas como eu estou cansado de repetir, a proposta do filme pornô não é educativa, é de vender prazer ao seu público-alvo: os homens.

O maior de todos os professores
Certa vez perguntei no Yahoo Respostas quem é que ensina os garotos a transar e apontei que as nossas ‘escolas sexuais’ quase sempre são: ou coleguinhas inexperientes do mesmo sexo; ou homens machistas, geralmente mais velhos e que não entendem nada sobre sexo; ou os amigos de bar (que mentem muito); ou as prostitutas; ou os filmes pornôs. Com essa “grade curricular”, os meninos não aprendem a satisfazer as suas parceiras. A resposta belíssima que obtive para essa pergunta veio de um amigo que simplesmente falou: “Quem ensina os meninos a transar é o amor.” Isso porque quando os homens estão apaixonados, eles acabam se interessando em dar prazer – e não apenas em receber. É aí que eles aprendem com as suas próprias parceiras, através do diálogo, como dar prazer e como fazer sexo de verdade, que envolve o prazer das duas partes envolvidas.
Então meninas, se querem que realmente fazer sexo do jeito que vocês gostam, tratem de fazer com que os meninos se apaixonem por vocês e ensinem a eles como vocês gostam. 

O amor ainda é o maior dos professores

5-A pornografia fomenta crimes sexuais
De todos os argumentos utilizados pelos militantes antipornografia, este é o pior de todos. Quem usa isso como argumento não dispõe de estatísticas a seu favor e não entende um processo muito comum na psicologia chamado catarse:

"Sob a ótica da psicologia, catarse é o experimentar da liberdade em relação a alguma situação opressora, tanto as psicológicas quanto as quotidianas, através de uma resolução que se apresente de forma eficaz o suficiente para que tal ocorra" (Wikipedia)

A catarse ocorre quando as pessoas se projetam em situações proibidas ou que são moralmente condenáveis, tais como cometer crimes, por exemplo. Um jogo violento pode servir de catarse, um filme de guerra pode servir de catarse, uma literatura erótica pode servir de catarse... Frequentemente a arte serve como tal, obtendo a função de válvula de escape. E filmes pornôs não são exceção, pois muitas vezes eles focam em situações e taras proibidas. E geralmente a catarse reduz o desejo das pessoas em praticarem determinadas coisas.
Um exemplo disso é que nos países muçulmanos, onde a pornografia é radicalmente proibida, a taxa de violência contra a mulher e de sexismo é altíssima. Afirmar que pornografia faz mal é o mesmo que afirmar que jogos violentos levam a violência, por exemplo.

Outro aspecto que motiva as pessoas a assistirem pornografia é o escapismo. O escapismo é a fuga de uma realidade opressora ou enfadonha. Então as fantasias ali expostas podem trazer a sensação de que é possível viver as suas mais loucas e proibidas fantasias sem precisar vivenciá-las no mundo real.

Será que a violência fictícia gera violência real?

Provando o oposto
No relatório "Pornography, Public Acceptance and Sex Related Crime: A Review", (pornografia, aceitação pública e crimes sexuais: uma revisão - disponível para leitura no site da Universidade do Havaí), Milton Diamond, professor do departamento de anatomia, bioquímica e fisiologia da Universidade do Havaí e diretor do Pacific Center for Sex and Society, compila muitos estudos já feitos sobre comportamento decorrente do hábito de assistir filmes pornôs para mostrar que ninguém que gosta de ver sexo na tela é um depravado. Segundo ele, pesquisas realizadas em países como EUA, Japão, Dinamarca, Croácia, China, Alemanha, Polônia entre muitos outros, mostraram que desde que houve uma liberalização do uso de material pornográfico, os estupros caíram, em alguns casos, mais de 30% quando comparados à década de 70. Mesmo nos EUA, os estados que apresentam menor penetração de internet, como Utah por exemplo, tem mais casos e agressão sexual reportados do que aqueles com grande uso da web.

O professor também disseca a justificativa da polícia que, ao prender um agressor sexual, geralmente divulga que o criminoso era viciado em filmes pornôs. Segundo ele, a maior parte dos homens já teve ou tem acesso a produções pornográficas e vai além: pesquisas já mostraram que estupradores, mais do que criminosos não-sexuais, tiveram menos acesso à pornografia em sua infância e a grande maioria foi punida na tenra idade ao ser flagrado com algum material adulto. Além disso, um estudo feito na população carcerária americana apontou que esses mesmos estupradores e aqueles que molestam crianças reportaram usar menos material pornô na vida adulta do que outros tipos de delinquentes.

Quanto à degradação feminina, além do fato da indústria pornográfica ser uma das poucas a oferecer salários maiores às mulheres, pesquisas de psicologia já mostraram que homens usuários de filmes pornôs costumam ser menos machistas do que aqueles que não os assistem. E nenhuma pesquisa conseguiu provar que pornografia e atitudes machistas andam lado a lado. O mesmo acontece com atitudes antissociais. O governo inglês, assim como o canadense, montaram anos atrás grupos para investigar se a pornografia poderia afetar a cidadania e depois de mais de 15 anos de estudo, a conclusão foi negativa.
Fontes:
Estudo derruba mitos negativos da pornografia
Pornografia reduz crimes sexuais
Pornografia contra o crime
Artigo do The Journal of Sex Research (em inglês)

Legalização da pornografia no mundo (clique para ampliar)

Na vida real, é claro, os pesquisadores não podem realizar experimentos controlados de pornografia. Uma estratégia alternativa tem sido olhar as taxas de violência sexual em países logo após a pornografia ser descriminalizada.
Estes estudos, muitos feitos por Milton Diamond, costumam concluir que as taxas de violência sexual diminuem após a pornografia se tornar mais prevalente.
Diamond vê isso como evidência de que a pornografia proporciona na verdade um “canal de escape” para os homens que têm tendências agressivas sexualmente. “A maioria da pornografia dissipa a excitação pela masturbação e eu acho que funciona tanto para homens quanto para mulheres”, diz. “E, geralmente, depois de alguém se masturbar e ter o seu orgasmo, perde o interesse em sexo, o que pode dissipar também o interesse de sair e fazer qualquer coisa ilegal”.

A pornografia não torna ninguém um estuprador

Já o pesquisador Neil Malamuth, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, EUA, descobriu que a exposição à pornografia não afeta o homem médio. Mas homens com outros fatores de risco que predispõem à violência sexual, sim.
“A pornografia pode tornar uma pessoa com uma certa tendência, uma certa inclinação, um perfil de risco ainda mais propensa a agir de uma maneira sexualmente agressiva”, disse Malamuth. Neste caso, não é a pornografia que torna alguém sexualmente agressivo, mas sim a predisposição que essa pessoa tinha para ser assim.
Fonte:
Pornografia faz mal para você?

Esta série continua nos links abaixo:
A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 1
A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 2
A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 3

quinta-feira, 30 de maio de 2013

A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 1


m dos assuntos que mais têm dado mais pano para a manga na internet tem sido a tal da pornografia. Tenho notado que muitas pessoas – especialmente pseudo-feministas, falsos moralistas e fanáticos religiosos – têm atacado a pornografia com todos os tipos de argumentos, inclusive, muitos falam até na proibição da mesma: coisa que já ocorre, por exemplo, em muitos países muçulmanos. Já tratei sobre a pornografia em outras postagens deste blog, porém de forma resumida e superficial – mas desta vez eu resolvi ir fundo: vou apresentar um conjunto de diversos estudos e pesquisas que eu mesmo fiz sobre este tema.

Pois bem: mas o que há na pornografia para ela causar tanta repulsa em algumas pessoas? Por que chegam a falar em proibição ou mesmo na extinção da pornografia? Aliás, por que a pornografia existe? É exatamente para responder sobre essas e outras questões que eu resolvi criar esta nova série aqui no Ideias Embalsamadas. Esta série se chamará "A pornografia é culpada ou inocente?" e terá quatro capítulos divididos em três posts. Os dois primeiros capítulos serão abordados nesta postagem. Os demais serão apresentados nas duas postagens seguintes. Já a divisão dos capítulos será a seguinte:

Capítulo 1 - Introdução: definições e porquês 
- Definições, história, análises e críticas sobre a pornografia. 
Capítulo 2 - Por que o mainstream tomou conta do mercado?
- Como e porque a pornografia tradicional se consolidou.
Capítulo 3 - As reações dos grupos antipornografia
- Análise dos principais argumentos antipornografia.
Capítulo 4 - O veredito
- A minha opinião final sobre o tema e conclusões.


As esculturas do Templo Khajuraho mostram o quão antiga a pornografia é

Capítulo 1 - Introdução: definições e porquês
Pequeno léxico
Para que não haja confusão com relação aos significados de alguns termos, eu vou apresentar inicialmente as definições sobre algumas palavras e expressões que serão usadas nesta série:

Sexo - s.m. Ato sexual.
Estupro - s.m. Ato de coagir uma mulher à prática do ato sexual. Entenda por estupro como toda e qualquer forma de relação sexual SEM o consentimento feminino.
Erotismo - s.m. Versão light da pornografia, tratada muitas vezes de forma artística. Também refere-se à nudez.
Erótico - adj. - Algo que possui erotismo. Muitas vezes é usado como eufemismo ao referir-se à pornografia.
Pornografia - s.f. Exposição pública do sexo ou de relações sexuais, seja através de pinturas, ilustrações, fotografias, filmes, literaturas ou contadas verbalmente.
Mainstream - s. Palavra inglesa que designa o pensamento ou gosto corrente da maioria da população. No caso da pornografia, ela refere-se à pornografia mais comum e assistida (a tradicional), que é aquela focada no prazer masculino.
Softcore - adj. Pornografia que contém sexo explícito, porém de forma suavizada e sem closes íntimos. Muitas vezes esse tipo de pornô é romântico e sem agressividade.
Hardcore - adj. Pornografia "suja", agressiva e pesada, com closes íntimos e com foco na penetração.
Feminismo - s.m. Movimento que defende a igualdade entre homens e mulheres.
Feministas - adj. Pessoas, homens ou mulheres, que se identificam com o feminismo, mas cujas opiniões e atitudes não estão necessariamente ligadas ao feminismo.
Feministóide - s.f. Modo pejorativo para referir-se a feministas radicais.
Moralista - adj. Qualquer pessoa que seja defensora da moral e dos bons costumes. Muito usado aqui num tom pejorativo por se tratarem, quase sempre, de reacionários.
Prostituição - s.f. Prestação de serviços sexuais em troca de dinheiro ou favores.

PS: Essas definições não são absolutas: elas servem para que as pessoas saibam ao que eu estou me referindo quando utilizá-las nas postagens desta série.

Vênus de Willendorf: escultura erótica com mais de 30 mil anos

1.1. Introdução: uma breve história da pornografia
Os gregos se divertiriam muito se visitassem uma sex shop. Os habitantes de Atenas, há cerca de 2.500 anos, adoravam ver representações de sexo e nudez. As ruas eram decoradas com estátuas de corpos bem definidos. Nas casas, cenas eróticas enfeitavam vasos. Em procissões, famílias erguiam peças fálicas como se fossem imagens sagradas, cantando hinos recheados de palavrões cabeludos. Depois do evento, muita gente ia para casa fazer festinhas em que o deus do vinho, Dionísio, era venerado na prática.
Os homens tinham outra maneira de se divertir: concursos com mulheres nuas. O que mais chamava atenção era uma específica parte do corpo, "as nádegas de Vênus", que eram avaliadas e recebiam notas de juízes. Para os mais cultos, o teatro contava histórias picantes. Em Lisístrata, de Aristófanes, a personagem principal convoca as atenienses à greve de sexo enquanto durar a Guerra do Peloponeso. "Nenhum amante se aproximará de mim com ereção", brada uma personagem. "Não erguerei ao teto minhas sandálias persas", berra outra. Desesperados, os guerreiros encerram o conflito.
Orgia romana
Atenas deixou o protagonismo na história, mas a sacanagem não. Toda civilização deu um jeito de manifestar seus ímpetos sexuais. Coube aos gregos definir a devassidão. O termo "pornográfico" apareceu pela primeira vez nos Diários de uma Cortesã, em que Luciano narra histórias sobre prostitutas e orgias – a palavra pornographos significa "escritos sobre prostitutas". "Aos poucos, qualificou-se como pornográfico tudo o que descrevia as relações sexuais sem amor", afirma o historiador francês Sarane Alexandrian, em História da Literatura Erótica.
O sentido da palavra mudou. Hoje, nos dicionários, pornografia é a expressão ou sugestão de assuntos obscenos. E por que a maioria de nós gosta de ver pornografia? O proibido e "o buraco da fechadura" podem explicar esse hábito que há mais de 30 mil anos sobrevive a todas tentativas de repressão em nome da moral e dos bons costumes.

A repressão à arte erótica
O que pôs fim a toda essa representação do sexo foi a moral cristã que surgiu na Idade Média. Com a criação do pecado da luxúria pelos clérigos católicos e com a chegada da Inquisição em 1261, todas as figuras de nudez e representação do sexo sumiram. A partir dali, homens e mulheres deveriam ser retratados com túnicas largas e longas. Nem mesmo o menino Jesus podia ser retratado do jeito que veio ao mundo. E os que narravam estripulias sexuais podiam ser condenados à fogueira ou ao exílio.
Apesar de na Idade Média terem existido alguns autores criativos, como Giovanni Boccaccio, que escreveu o lendário Decameron entre 1349 e 1351, no geral, a Igreja perseguia e condenava quase todos os pornógrafos por heresia.

O iluminismo erótico
Na França, em meados do século 18, surgiram os primeiros libertinos, artistas e intelectuais pró-liberdade sexual que se reuniam em organizações secretas como a Sociedade para a Promoção do Vício, Clube do Fogo do Inferno ou Ordem Hermafrodita, onde promoviam leituras ou encenações de livros eróticos que culminavam em orgias. Os franceses tinham à disposição mais de cem desses clubes, alguns com até 400 integrantes entre homens e mulheres.

Porém foi a chegada da fotografia e das máquinas de impressão, que tornavam a produção em série mais barata, que deram força à pornografia a partir da segunda metade do século 19. Fotos de modelos nuas e livros ilustrados começaram a ser vendidos nas principais cidades do mundo. A onda chegou ao Brasil por volta de 1870 e ganhou milhares de fãs.

Cena de Free Ride, de 1915
No fim do século, mais uma vez a tecnologia seria peça fundamental para a popularização pornográfica. Agora, a novidade era o cinema. Em 1896, apenas um ano após os irmãos Lumière estrearem seu invento com a exibição de A Saída dos Operários da Fábrica, cineastas já utilizavam a novidade para fins sacanas.
Os filmes tinham nomes como Wonders of the Unseen World ("Maravilhas de um mundo não visto") e mostravam strippers tirando a roupa para a câmera. Um escândalo. Com o sucesso – e o lucro – desses filmetes, produtores resolveram ir além e exibir cenas de sexo explícito. Uma das mais antigas de que se têm registro está em Free Ride, de 1915, sobre um sujeito que dá carona em seu calhambeque a duas mocinhas – com quem transaria depois, sob uma árvore. Chamadas de stags films ("filmes para rapazes"), as fitas tinham de 7 a 15 minutos e eram filmadas na França, Estados Unidos e Argentina, um dos primeiros pólos mundiais de produção cinematográfica erótica.

O clima hippie de paz e amor e as passeatas por mais liberdade sexual nos anos 60 contribuíram para que os fãs dos filmes de sexo explícito pudessem, enfim, ser felizes para sempre – ainda que escondidinhos em cinemas de qualidade duvidosa.

A pornografia moderna
Ilona Staller, a Cicciolina
Em 1972, pela primeira vez uma produção pornográfica fez sucesso comercial. Era Deep Throat, a Garganta Profunda, história louquíssima de uma ex-engolidora de espadas que tem o clitóris na traqueia e procura solução para o problema transando com o médico, amigos e namorados. O filme arrecadou cerca de 600 milhões de dólares e fez de Linda Lovelace, a atriz principal, uma celebridade.
Linda tinha 23 anos quando filmou Garganta Profunda e recebeu 1 250 dólares de cachê. Ninguém poderia imaginar que, após Linda, as atrizes pornôs seriam multimilionárias e teriam trânsito livre em festas badaladas. Entre as estrelas da pornografia, ninguém supera a húngara radicada na Itália Ilona Staller, a Cicciolina. Em 1987, após fazer campanha mostrando os seios, ela foi eleita deputada.
Muito do sucesso de Cicciolina aconteceu graças à invenção do videocassete. A conexão é simples: com as fitas em VHS, os apreciadores do pornô não precisavam mais se expor na porta de salas sujas e lotadas. Podiam se divertir na privacidade de casa. Com a chegada do vídeo, o pornô passou a ser produzido em larga escala, como uma linha de montagem. E isso marcou uma transformação significativa do produto.

Nos anos 90, com a chegada e o crescimento da internet, a pornografia tornou-se então amplamente acessível por estar a apenas um clique de distância. Isso aumentou ainda mais a privacidade das pessoas, pois ninguém precisava se expor para comprar fitas ou alugar DVDs em locadoras.
Fonte: A (indiscreta) história da pornografia

Spintrias: moedas eróticas romanas do séc. 1 a.C. usadas em prostíbulos

1.2. Por que a pornografia é mal vista hoje?
A representação do sexo também é arte
Quando fui procurar as definições para compor o léxico lá cima, fiquei intrigado quando encontrei no Dicionário Aurélio a seguinte definição para pornografia: "Tudo o que se relaciona à devassidão sexual; obscenidade, licenciosidade; indecência. / Caráter imoral de publicações, gravuras, pinturas, cenas, gestos, linguagem".
Claro que o Dicionário Aurélio é bastante conservador, mas a imagem que se tem da pornografia é, essencialmente, de que ela é imoral e suja! Por esta definição da pornografia ser arcaica e preconceituosa, preferi não utilizá-la neste post. A pornografia, ao meu entender, é a presença de expectadores diante de um ato sexual praticado, simulado ou descrito por terceiros. Mas para muitas pessoas a pornografia não passa mesmo de sujeira e imoralidade – possivelmente tal visão seja um resquício da cultura repressora cristã que ganhou força na Idade Média. Porém, estranhamente, a maioria das pessoas já assistiu ou leu pornografia. Não são apenas filmes ou revistas que são pornográficos: a literatura também pode ser pornográfica. Afinal você acha que 50 Tons de Cinza é um livro sobre o quê? Sobre pintura barroca?
O que eu percebo é que a pornografia mostra o quão hipócrita é a nossa cultura, que conseguiu transformar um ato que gera prazer e vida em algo feio e indecente.
Na minha opinião, todo esse movimento antipornografia visto por aí só escancara o tamanho da falsidade humana, pois todo mundo condena, mas todo mundo vê e faz escondido. A nossa sexualidade (pelo menos aqui no ocidente) sempre foi vista como feia, suja e pecaminosa – e isso certamente influencia toda essa máscara puritana de falso moralismo que tantos vestem.

Ilustração erótica da cidade de Pompeia, Itália, no século 1 d.C.

1.3. Sobre a masturbação e o voyeurismo
Uma das razões que torna a pornografia tão interessante é justamente a possibilidade de auto-satisfação trazida por meio da via masturbatória. Geralmente, quem vê pornô usa o material para excitar-se e se masturbar inserido numa espécie de transferência de ego (alter ego) ao identificar-se com as cenas eróticas ou fantasias que são exibidas. O blogueiro Edson Furlan em seu blog (link aqui), resumiu de forma bastante concisa esse fato:
"No consumo do material pornográfico a excitação oriunda dessa capacidade empática e dessa fantasia erótica é potencializada através do prazer desencadeado pelo toque e estimulação sensual do próprio corpo. Quando o homem, por exemplo, se imagina tendo relação sexual com aquela atriz da cena que assiste e procura sentir naquele momento o que sentiria se estivesse realmente com ela, a sensação e prazer eróticos são aumentados com a masturbação."

Ou como disse o professor Hugo Schwyzer (vou falar mais sobre ele no fim deste post) sobre o porquê de haver tanta repulsa à pornografia:
"Somos muito curiosos sobre sexo. Nós todos estamos sempre a fim de uma rápida e prazerosa fantasia sexual. Então usamos pornografia para mastrubação (quase todo mundo que vê pornografia a usa para alimentar a fantasia masturbatória) e isso assusta e enfurece algumas pessoas que pensam que nós só deveríamos agir sexualmente dentro das relações monogâmicas. Acho que muito da hostilidade à pornografia é, na verdade, repulsa e vergonha a respeito de masturbação."
Podemos então dizer que a pornografia é, também, uma forma de auto-satisfação por ela alimentar a fantasia voyeur das pessoas. E como a nossa moral cristão também condena a masturbação e o voyeurismo, não é de se estranhar que este seja um motivo a mais para condenar a pornografia.

Tem pornô até para esqueletos

1.4. Por que tantas feministas detestam pornografia?
Eu sei que pode parecer sexismo, mas a maioria das pessoas que eu vejo argumentar contra a pornografia são mulheres. E muitas dessas mulheres se declaram feministas – o que não significa dizer que o feminismo apoie o que elas defendem. Um exemplo épico disso foi a feminista radical Andrea Dworkin, que defendia com unhas e dentes a nocividade da pornografia em seus discursos e em seus livros como Pornography: Men Possessing Women e Intercourse.
Os principais motivos pelos quais muitas mulheres se opõem à pornografia são:
-Por insegurança ou ciúmes dos companheiros assistirem.
-Por acharem que é uma exploração das mulheres.
-Por acharem que degrada e objetifica a mulher.
-Por fazer apologia ao estupro.
-Porque muitos homens preferem pornografia a ter uma namorada.
-Porque a pornografia geralmente mostra as fantasias masculinas que muitos homens não realizam com suas parceiras (válvula de escape).
-Por puro preconceito moral.
-Por que não as excita.

No Capítulo 3 (link aqui) eu vou abordar em detalhes essas razões. Mas o que posso adiantar é que elas são, em sua maioria, baseada em relativismos morais.

Quem disse que não existe literatura ponográfica?

1.5. Criticas femininas à pornografia mainstream
Para quem nunca assistiu a um pornô mainstream, em muitos deles é exibido um comportamento agressivo e mecânico por parte dos homens, as mulheres agem de forma quase sempre submissa e o prazer delas não é focado. Então muitas mulheres se sentem mal e até mesmo ofendidas com tudo isto por verem objetificação, fingimento e violência – associando tudo isso a uma dominação e exploração masculina. Daí que muitas pensam: "Estão nos manipulando como objetos para o próprio prazer deles." Por isso que muitas comunidades de mulheres, especialmente as feministas, têm tanta implicância com a pornografia tradicional. Além de não se excitarem com a pornografia e verem que aquela encenação não mostra o prazer feminino, existe todo um histórico de repressão sexual e social contra as mulheres. Adicione a isso o fato de que muitos homens por aí não sabem transar direito e "aprendem" a transar vendo pornô. Tem também a questão da cultura do estupro, que faz com que muitas pensem que há uma conspiração geral dos homens contra as mulheres neste contexto. Talvez, por conta de todas essas coisas, tantas mulheres aleguem com tanta convicção que a pornografia é algo nocivo, ou pior: que ela é a glamurização do estupro.

Inversão de papéis?
Então pense bem: lembre-se de que as mulheres foram reprimidas e submissas aos homens durante boa parte da história e, de certa forma, ainda são. E quando elas veem no pornô as atrizes sendo submissas e tratadas como objeto de manipulação pelos homens, é normal e esperado fazer aquela associação: "Olha aí, tá vendo só: eles só querem nos dominar, nos humilhar e nos tratar como pedaços de carne". Porém, como falei em outros posts, a grande maioria dos homens não curte esse material por misoginia, necessidade de dominação ou desprezo pelas mulheres, muito pelo contrário: eles veem por tesão.



Será mesmo que é só homem que vê safadeza?

1.6. Sobre o machismo por trás da pornografia
O blogueiro Edson Furlan, que citei anteriormente, faz uma análise no seu blog sobre o que muitas mulheres, especialmente as feministas, tanto criticam na pornografia mainstream: o machismo. Como a pornografia retrata fantasias sexuais, é comum que muitas delas tragam uma dose de sadismo que pode ser associado facilmente à misoginia, dependendo da ótica. Sobre isso, Furlan comentou:

"Nesse contexto (da atual emancipação feminina), a única forma socialmente aceita de que o homem dispõe para punir e submeter a mulher é dentro do universo pornográfico."
(...)
"A pornografia passa a ser o último refúgio, sua fortaleza, onde a mulher pode ali ser punida, humilhada, violentada, tratada como se um objeto fosse. A violência outrora praticada abertamente no mundo real, migra de forma simbólica para o campo sexual e tem como palco o universo pornográfico."
(...)
"Independentemente das fantasias de cada e da liberdade de escolha de como vivenciará sua sexualidade, o que se deve questionar é o quanto a forma com que a mulher é tratada na pornografia atualmente acaba por dificultar um maior respeito e valorização da figura feminina dentro do imaginário masculino."


Pornografia ou misoginia?
Apesar desse ponto de vista fazer bastante sentido à primeira vista, o que muitas pesquisas mostram (e que vou apresentar na segunda parte desta série) é que mesmo esses pornôs mais agressivos não tornam os homens misóginos ou sexualmente agressivos. Talvez a emancipação feminina cause em alguns homens inseguros ou machistas a necessidade de uma válvula de escape onde as mulheres são dominadas e subjugadas, daí que surge este tipo de pornografia mais hardcore para saciar esses instintos através de uma catarse (vou falar mais sobre a catarse na segunda parte desta série). Uma cena clássica que remete a isso é a daquele filme pornô onde Rocco Siffredi enfia a cara de uma mulher num vaso sanitário e dá descarga (imagem ao lado). Mas creio eu que a grande maioria assita a pornôs mais agressivos por sadismo, e não por machismo, pois pesquisas mostram que geralmente os homens que veem pornô são menos machistas (como vou mostrar na segunda parte).

Será que toda pornografia ignora o prazer feminino?

Capítulo 2 - Por que o mainstream tomou conta do mercado?
Por que a pornografia "machista" tomou o mercado?
Muitos devem se perguntar por que esse tipo de pornografia focada no prazer do homem se tornou a mais popular. Quem inventou isso? Por que os homens curtem tanto este material? São essas perguntas que eu vou tentar responder a seguir.

Antes de explicar porque o pornô mainstream tomou conta do mercado, primeiro vamos saber como esse estilo começou.

John Stagliano e Belladonna: precursores do pornô contemporâneo

2.1. Como tudo começou
Rocco Siffredi
Segundo o site Nerds Somos Nozes, a atual fase do pornô iniciou-se nos anos 80 com o multiprodutor de filmes pornográficos John Stagliano, ou, como é mais conhecido, Buttman. Ao contrário da Private e da Playboy, ele chutou o pau da barraca e criou o que é conhecido como 'Pornografia Gonzo', em que o diretor é também ator e, às vezes, operador de câmera. O objetivo é mostrar uma relação sexual em sua essência, evitando cortes e edição. Resumindo: sem o ar softcore dos filmes das outras produtoras.
Foi também Stagliano e sua gangue (Belladonna, Nacho Vidal e Rocco Siffredi) que instituiu a clássica sequência oral, vaginal, anal e ejaculação (na grande maioria das vezes, na cara da mulher). Com isso acabou a era dos pornôs softs, agora relegados a segundo plano. Algumas produções da Private continuaram, com filmes chegando a custos absurdos de milhões, mas passaram a ser vistas por um público limitadíssimo, relativamente pequeno. Quem conhece segredos de alguma locadora com pornôs, sabe que esses filmes passaram a ser alugados quase que exclusivamente por evangélicos e outros religiosos, que não gostavam da escrotidão presente nos vídeos da Buttman, explícitos demais, por assim dizer.

No momento, o padrão para produtoras pornôs é a Vivid, a maior da atualidade. Quando uma atriz ganha um contrato que dá a ela o status de Vivid Girl – imagine gente do naipe de Briana Banks, Jenna Jameson, Savanna Samson, Sunrise Adams, Tera Patrick para entender – ela tem certeza que terá salários melhores, trabalhará menos e terá mais status do que as atrizes da Buttman e outras produtoras. Ademais, na Vivid, as mulheres são o centro da trama novamente, então por lá não existem caras sem parafusos como Rocco, cuja a principal diversão é transar com uma mulher de quatro metendo a cara dela num vaso, e esmurrando-a violentamente no processo (tem gente que gosta, eu acho idiota e sem sentido).
Fonte: Five Hot Stories For Her e a Pornografia Feminina.

Evolução da pornografia ao longo da história

2.2. Por que o mainstream popularizou-se?
As produções extremamente estereotipadas da pornografia moderna (coalhadas de entregadores de pizza e limpadores de piscina) foram a forma mais prática que as produtoras encontraram de continuar lucrando. A maioria desses filmes possui um custo de produção relativamente baixo e atende ao gosto da demanda, que é o público masculino heterossexual.
As cenas filmadas nos pornôs modernos exibem, de um modo geral, aquilo que muitos homens gostariam de fazer, mas que por alguma razão não podem ou não conseguem. Daí que esses filmes se transformaram numa válvula de escape para fantasias proibidas ou que eles normalmente não podem realizar com suas parceiras. Afinal de contas, que homem pagaria para ver algo que ele pode fazer a qualquer momento com a sua esposa?
Então junte a fome com a vontade de comer e temos o lado mais "sujo" e visceral da sexualidade humana exposto nesses filmes.
Na pornografia são encontrados também comportamentos presentes no dia a dia e outros que advém de desejos inconfessos ou socialmente vexatórios. Cria-se nela um verdadeiro universo paralelo. Sobre as fantasias, além daquelas presentes no imaginário masculino advindas das situações vividas, outras foram “criadas” para promover diversificação de material, gerar curiosidade e atrair um potencial público consumidor. Eis aí então a 'fórmula mágica' para fazer a pornografia vender.

O sadismo e a dominação também fazem parte da pornografia

2.3. A questão da violência nos filmes: o sadismo
Marquês de Sade, século XVIII
Nas pesquisas do Google há dezenas de palavras chaves como "novinha sendo estuprada", "ninfetinha levando no mato", "mulher estuprada com dor", "sexo violento sangue", "mulher dizendo não estupro". Mas por que isso é pesquisado?
Antes de qualquer explicação é preciso salientar que o ser humano é naturalmente sádico por razões evolutivas. Apesar do termo "sadismo" só ter sido cunhado no século 18, com as obras do Marquês de Sade, esse tipo de fetiche sempre existiu ao longo da história humana. Porém, todo esse sadismo humano não se limita ao aspecto sexual. No caso da internet, da mesma forma que há muitas palavras-chave ligadas à violência sexual nas pesquisas, há também coisas como: "corpos mutilados", "mortes violentas", "acidentes de trânsito", "tortura com sangue", etc. A busca pelo sadismo é muito mais genérica. Por que você acha, por exemplo, que as famosas Vídeo-Cassetadas fazem sucesso até hoje no Domingão do Faustão? É isso mesmo: porque ser humano é sádico. A pornografia mais violenta surge, em parte, para "saciar" esse desejo, curiosidade e sadismo humano. E é preferível que um sujeito desconte o seu sadismo num jogo de videogame ou num filme, do que querer expô-la no mundo real.
Honestamente, tudo leva a crer que o sadismo vem de origem ancestral, pois durante os mais de 100 mil anos de existência humana, a violência fez parte do dia-a-dia dos nossos antepassados. Creio que o impulso à violência está enraizado no cérebro reptiliano, como abordei nesta postagem aqui. Hoje a violência e o anseio por praticá-la é condenável, mas o que fazer quando ela está enraizada no calabouço do nosso cérebro?

A dominação é um fetiche
A pornografia, como muitos pensam, não torna a violência um fetiche – é exatamente o contrário: os filmes pornográficos vendem ao seu público-alvo aquele fetiche que ele quer ver. Por que filmes pornôs bonitinhos não vendem tanto? Exatamente porque eles não fazem parte da demanda de fetiches que o público-alvo quer ver. O problema todo aqui está na nossa ancestralidade ligada à violência; na forte carga de testosterona que há no organismo masculino (a testosterona é o hormônio da libido e da agressividade) e também, em parte, na cultura.
É claro que também existe a questão da dominação e do sadomasoquismo que muitas vezes é mostrado como um fetiche – e não como forma de subjugar o outro gênero. E adicione a tudo isso aquela velha necessidade de transgressão de regras que muitos de nós têm que tudo passa a fazer sentido.


2.4. Por que os homens assistem pornografia?
Que homem nunca assistiu isso?
Primeiro, uma verdade: homens, sem exceção, gostam de filme pornô. Uns mais outros menos, mas todos gostam. Até mesmo os padres do Vaticano (que tanto pregam a castidade) veem pornografia, como confirma este site do G1.
Mas é bom que se diga que homens não veem pornografia e mulheres nuas por serem malvados, exploradores ou machistas, mas sim porque se excitam com isso. Afinal, as pessoas não escolhem com o que vão ficar excitadas ou pelo que vão sentir atração. Por esse desconhecimento sobre o prazer masculino, que é muito visual, muitas mulheres acham que os homens veem aquilo por exploração e insensibilidade – mas a verdade é que os homens veem tais coisas por tesão. Pode parecer sexismo, mas muitas mulheres não entendem isso exatamente pelo fato delas serem mulheres. É preciso estar no corpo de um homem e ter um cérebro masculino para entender essas necessidades masculinas. Se não fosse assim, filmes eróticos não venderiam tanto, revistas masculinas não venderiam tanto e nem tantas mulheres reclamariam que os seus namorados veem esse material. Da mesma forma que muitos homens ignorantes acham que preliminar é frescura, há mulheres que acham que a pornografia não passa de insensibilidade masculina. Então proibir a pornografia acaba se tornando uma forma de repressão sexual contra os homens.
Outro ponto fundamental é a tão falada "objetificação da mulher". A objetificação não tem nada a ver com machismo ou má educação. Homens se excitam visualmente, por isso a exposição da mulher vende tanto. Não há educação no mundo que mude o estímulo visual masculino, pois isso é biológico. Até os gays se excitam assim (vide o público da G-Magazine). O máximo que pode acontecer é o homem se reprimir ou se policiar, mas jamais vão deixar de sentir estímulo visual.

Sátira à pornografia

2.5. As mulheres que assistem pornografia
Se você pensa que só homens assistem pornografia, lamento informar, mas muitas mulheres também adoram assistir esse material pelas mesmas razões dos homens. Há um mito de que as mulheres não excitam visualmente, além disso, a pornografia também aborda fantasias que elas gostariam de realizar e não podem. Por causa do mundo machista em que vivemos, muitas mulheres se sentem culpadas ou constrangidas ao tocar neste assunto – mas a verdade é que muitas adoram um bom filminho de sacanagem. Um exemplo disso é a atriz Cameron Diaz, que revelou ser fã do gênero, como mostra no site IG Delas. Outra celebridade que também assume gostar de pornografia é a guitarrista Syang, cujo acervo pessoal é usado junto com o marido.
Segundo uma pesquisa da Playboy do Brasil, que comercializa diversos canais de conteúdo adulto, concluiu-se que 49% dos assinantes do Sexy Hot são mulheres. Realizado em 2009, o levantamento apontou um crescimento de 10% em relação aos dados de 2005. Outra pesquisa, publicada pelo The Sun em 2010 e encomendada pelo site The English Netmums, apontou que 60% das entrevistadas buscam e consomem pornografia na rede em companhia de seus parceiros. Foram ouvidas 4.200 britânicas, entre as quais 76% admitiram assistir filmes pornográficos – um aumento de 10% em relação ao ano anterior.

O professor americano Hugo Schwyzer, criador de um curso sobre pornografia para universitários, derruba o mito de que só os homens são visuais e afirma que as mulheres também gostam. E boa parte deste mito é alimentado pelo machismo que inibe as mulheres de serem tão sexualmente livres quanto os homens. Para ver a entrevista na íntegra com  o professor Schwyzer, o link segue abaixo:
Revista VIP - Mulher também gosta de pornografia

Stoya: quem disse que mulher só se excita com livros?

Esta série continua nos links abaixo:
A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 1
A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 2
A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 3