quinta-feira, 30 de maio de 2013

A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 1


m dos assuntos que mais têm dado mais pano para a manga na internet tem sido a tal da pornografia. Tenho notado que muitas pessoas – especialmente pseudo-feministas, falsos moralistas e fanáticos religiosos – têm atacado a pornografia com todos os tipos de argumentos, inclusive, muitos falam até na proibição da mesma: coisa que já ocorre, por exemplo, em muitos países muçulmanos. Já tratei sobre a pornografia em outras postagens deste blog, porém de forma resumida e superficial – mas desta vez eu resolvi ir fundo: vou apresentar um conjunto de diversos estudos e pesquisas que eu mesmo fiz sobre este tema.

Pois bem: mas o que há na pornografia para ela causar tanta repulsa em algumas pessoas? Por que chegam a falar em proibição ou mesmo na extinção da pornografia? Aliás, por que a pornografia existe? É exatamente para responder sobre essas e outras questões que eu resolvi criar esta nova série aqui no Ideias Embalsamadas. Esta série se chamará "A pornografia é culpada ou inocente?" e terá quatro capítulos divididos em três posts. Os dois primeiros capítulos serão abordados nesta postagem. Os demais serão apresentados nas duas postagens seguintes. Já a divisão dos capítulos será a seguinte:

Capítulo 1 - Introdução: definições e porquês 
- Definições, história, análises e críticas sobre a pornografia. 
Capítulo 2 - Por que o mainstream tomou conta do mercado?
- Como e porque a pornografia tradicional se consolidou.
Capítulo 3 - As reações dos grupos antipornografia
- Análise dos principais argumentos antipornografia.
Capítulo 4 - O veredito
- A minha opinião final sobre o tema e conclusões.


As esculturas do Templo Khajuraho mostram o quão antiga a pornografia é

Capítulo 1 - Introdução: definições e porquês
Pequeno léxico
Para que não haja confusão com relação aos significados de alguns termos, eu vou apresentar inicialmente as definições sobre algumas palavras e expressões que serão usadas nesta série:

Sexo - s.m. Ato sexual.
Estupro - s.m. Ato de coagir uma mulher à prática do ato sexual. Entenda por estupro como toda e qualquer forma de relação sexual SEM o consentimento feminino.
Erotismo - s.m. Versão light da pornografia, tratada muitas vezes de forma artística. Também refere-se à nudez.
Erótico - adj. - Algo que possui erotismo. Muitas vezes é usado como eufemismo ao referir-se à pornografia.
Pornografia - s.f. Exposição pública do sexo ou de relações sexuais, seja através de pinturas, ilustrações, fotografias, filmes, literaturas ou contadas verbalmente.
Mainstream - s. Palavra inglesa que designa o pensamento ou gosto corrente da maioria da população. No caso da pornografia, ela refere-se à pornografia mais comum e assistida (a tradicional), que é aquela focada no prazer masculino.
Softcore - adj. Pornografia que contém sexo explícito, porém de forma suavizada e sem closes íntimos. Muitas vezes esse tipo de pornô é romântico e sem agressividade.
Hardcore - adj. Pornografia "suja", agressiva e pesada, com closes íntimos e com foco na penetração.
Feminismo - s.m. Movimento que defende a igualdade entre homens e mulheres.
Feministas - adj. Pessoas, homens ou mulheres, que se identificam com o feminismo, mas cujas opiniões e atitudes não estão necessariamente ligadas ao feminismo.
Feministóide - s.f. Modo pejorativo para referir-se a feministas radicais.
Moralista - adj. Qualquer pessoa que seja defensora da moral e dos bons costumes. Muito usado aqui num tom pejorativo por se tratarem, quase sempre, de reacionários.
Prostituição - s.f. Prestação de serviços sexuais em troca de dinheiro ou favores.

PS: Essas definições não são absolutas: elas servem para que as pessoas saibam ao que eu estou me referindo quando utilizá-las nas postagens desta série.

Vênus de Willendorf: escultura erótica com mais de 30 mil anos

1.1. Introdução: uma breve história da pornografia
Os gregos se divertiriam muito se visitassem uma sex shop. Os habitantes de Atenas, há cerca de 2.500 anos, adoravam ver representações de sexo e nudez. As ruas eram decoradas com estátuas de corpos bem definidos. Nas casas, cenas eróticas enfeitavam vasos. Em procissões, famílias erguiam peças fálicas como se fossem imagens sagradas, cantando hinos recheados de palavrões cabeludos. Depois do evento, muita gente ia para casa fazer festinhas em que o deus do vinho, Dionísio, era venerado na prática.
Os homens tinham outra maneira de se divertir: concursos com mulheres nuas. O que mais chamava atenção era uma específica parte do corpo, "as nádegas de Vênus", que eram avaliadas e recebiam notas de juízes. Para os mais cultos, o teatro contava histórias picantes. Em Lisístrata, de Aristófanes, a personagem principal convoca as atenienses à greve de sexo enquanto durar a Guerra do Peloponeso. "Nenhum amante se aproximará de mim com ereção", brada uma personagem. "Não erguerei ao teto minhas sandálias persas", berra outra. Desesperados, os guerreiros encerram o conflito.
Orgia romana
Atenas deixou o protagonismo na história, mas a sacanagem não. Toda civilização deu um jeito de manifestar seus ímpetos sexuais. Coube aos gregos definir a devassidão. O termo "pornográfico" apareceu pela primeira vez nos Diários de uma Cortesã, em que Luciano narra histórias sobre prostitutas e orgias – a palavra pornographos significa "escritos sobre prostitutas". "Aos poucos, qualificou-se como pornográfico tudo o que descrevia as relações sexuais sem amor", afirma o historiador francês Sarane Alexandrian, em História da Literatura Erótica.
O sentido da palavra mudou. Hoje, nos dicionários, pornografia é a expressão ou sugestão de assuntos obscenos. E por que a maioria de nós gosta de ver pornografia? O proibido e "o buraco da fechadura" podem explicar esse hábito que há mais de 30 mil anos sobrevive a todas tentativas de repressão em nome da moral e dos bons costumes.

A repressão à arte erótica
O que pôs fim a toda essa representação do sexo foi a moral cristã que surgiu na Idade Média. Com a criação do pecado da luxúria pelos clérigos católicos e com a chegada da Inquisição em 1261, todas as figuras de nudez e representação do sexo sumiram. A partir dali, homens e mulheres deveriam ser retratados com túnicas largas e longas. Nem mesmo o menino Jesus podia ser retratado do jeito que veio ao mundo. E os que narravam estripulias sexuais podiam ser condenados à fogueira ou ao exílio.
Apesar de na Idade Média terem existido alguns autores criativos, como Giovanni Boccaccio, que escreveu o lendário Decameron entre 1349 e 1351, no geral, a Igreja perseguia e condenava quase todos os pornógrafos por heresia.

O iluminismo erótico
Na França, em meados do século 18, surgiram os primeiros libertinos, artistas e intelectuais pró-liberdade sexual que se reuniam em organizações secretas como a Sociedade para a Promoção do Vício, Clube do Fogo do Inferno ou Ordem Hermafrodita, onde promoviam leituras ou encenações de livros eróticos que culminavam em orgias. Os franceses tinham à disposição mais de cem desses clubes, alguns com até 400 integrantes entre homens e mulheres.

Porém foi a chegada da fotografia e das máquinas de impressão, que tornavam a produção em série mais barata, que deram força à pornografia a partir da segunda metade do século 19. Fotos de modelos nuas e livros ilustrados começaram a ser vendidos nas principais cidades do mundo. A onda chegou ao Brasil por volta de 1870 e ganhou milhares de fãs.

Cena de Free Ride, de 1915
No fim do século, mais uma vez a tecnologia seria peça fundamental para a popularização pornográfica. Agora, a novidade era o cinema. Em 1896, apenas um ano após os irmãos Lumière estrearem seu invento com a exibição de A Saída dos Operários da Fábrica, cineastas já utilizavam a novidade para fins sacanas.
Os filmes tinham nomes como Wonders of the Unseen World ("Maravilhas de um mundo não visto") e mostravam strippers tirando a roupa para a câmera. Um escândalo. Com o sucesso – e o lucro – desses filmetes, produtores resolveram ir além e exibir cenas de sexo explícito. Uma das mais antigas de que se têm registro está em Free Ride, de 1915, sobre um sujeito que dá carona em seu calhambeque a duas mocinhas – com quem transaria depois, sob uma árvore. Chamadas de stags films ("filmes para rapazes"), as fitas tinham de 7 a 15 minutos e eram filmadas na França, Estados Unidos e Argentina, um dos primeiros pólos mundiais de produção cinematográfica erótica.

O clima hippie de paz e amor e as passeatas por mais liberdade sexual nos anos 60 contribuíram para que os fãs dos filmes de sexo explícito pudessem, enfim, ser felizes para sempre – ainda que escondidinhos em cinemas de qualidade duvidosa.

A pornografia moderna
Ilona Staller, a Cicciolina
Em 1972, pela primeira vez uma produção pornográfica fez sucesso comercial. Era Deep Throat, a Garganta Profunda, história louquíssima de uma ex-engolidora de espadas que tem o clitóris na traqueia e procura solução para o problema transando com o médico, amigos e namorados. O filme arrecadou cerca de 600 milhões de dólares e fez de Linda Lovelace, a atriz principal, uma celebridade.
Linda tinha 23 anos quando filmou Garganta Profunda e recebeu 1 250 dólares de cachê. Ninguém poderia imaginar que, após Linda, as atrizes pornôs seriam multimilionárias e teriam trânsito livre em festas badaladas. Entre as estrelas da pornografia, ninguém supera a húngara radicada na Itália Ilona Staller, a Cicciolina. Em 1987, após fazer campanha mostrando os seios, ela foi eleita deputada.
Muito do sucesso de Cicciolina aconteceu graças à invenção do videocassete. A conexão é simples: com as fitas em VHS, os apreciadores do pornô não precisavam mais se expor na porta de salas sujas e lotadas. Podiam se divertir na privacidade de casa. Com a chegada do vídeo, o pornô passou a ser produzido em larga escala, como uma linha de montagem. E isso marcou uma transformação significativa do produto.

Nos anos 90, com a chegada e o crescimento da internet, a pornografia tornou-se então amplamente acessível por estar a apenas um clique de distância. Isso aumentou ainda mais a privacidade das pessoas, pois ninguém precisava se expor para comprar fitas ou alugar DVDs em locadoras.
Fonte: A (indiscreta) história da pornografia

Spintrias: moedas eróticas romanas do séc. 1 a.C. usadas em prostíbulos

1.2. Por que a pornografia é mal vista hoje?
A representação do sexo também é arte
Quando fui procurar as definições para compor o léxico lá cima, fiquei intrigado quando encontrei no Dicionário Aurélio a seguinte definição para pornografia: "Tudo o que se relaciona à devassidão sexual; obscenidade, licenciosidade; indecência. / Caráter imoral de publicações, gravuras, pinturas, cenas, gestos, linguagem".
Claro que o Dicionário Aurélio é bastante conservador, mas a imagem que se tem da pornografia é, essencialmente, de que ela é imoral e suja! Por esta definição da pornografia ser arcaica e preconceituosa, preferi não utilizá-la neste post. A pornografia, ao meu entender, é a presença de expectadores diante de um ato sexual praticado, simulado ou descrito por terceiros. Mas para muitas pessoas a pornografia não passa mesmo de sujeira e imoralidade – possivelmente tal visão seja um resquício da cultura repressora cristã que ganhou força na Idade Média. Porém, estranhamente, a maioria das pessoas já assistiu ou leu pornografia. Não são apenas filmes ou revistas que são pornográficos: a literatura também pode ser pornográfica. Afinal você acha que 50 Tons de Cinza é um livro sobre o quê? Sobre pintura barroca?
O que eu percebo é que a pornografia mostra o quão hipócrita é a nossa cultura, que conseguiu transformar um ato que gera prazer e vida em algo feio e indecente.
Na minha opinião, todo esse movimento antipornografia visto por aí só escancara o tamanho da falsidade humana, pois todo mundo condena, mas todo mundo vê e faz escondido. A nossa sexualidade (pelo menos aqui no ocidente) sempre foi vista como feia, suja e pecaminosa – e isso certamente influencia toda essa máscara puritana de falso moralismo que tantos vestem.

Ilustração erótica da cidade de Pompeia, Itália, no século 1 d.C.

1.3. Sobre a masturbação e o voyeurismo
Uma das razões que torna a pornografia tão interessante é justamente a possibilidade de auto-satisfação trazida por meio da via masturbatória. Geralmente, quem vê pornô usa o material para excitar-se e se masturbar inserido numa espécie de transferência de ego (alter ego) ao identificar-se com as cenas eróticas ou fantasias que são exibidas. O blogueiro Edson Furlan em seu blog (link aqui), resumiu de forma bastante concisa esse fato:
"No consumo do material pornográfico a excitação oriunda dessa capacidade empática e dessa fantasia erótica é potencializada através do prazer desencadeado pelo toque e estimulação sensual do próprio corpo. Quando o homem, por exemplo, se imagina tendo relação sexual com aquela atriz da cena que assiste e procura sentir naquele momento o que sentiria se estivesse realmente com ela, a sensação e prazer eróticos são aumentados com a masturbação."

Ou como disse o professor Hugo Schwyzer (vou falar mais sobre ele no fim deste post) sobre o porquê de haver tanta repulsa à pornografia:
"Somos muito curiosos sobre sexo. Nós todos estamos sempre a fim de uma rápida e prazerosa fantasia sexual. Então usamos pornografia para mastrubação (quase todo mundo que vê pornografia a usa para alimentar a fantasia masturbatória) e isso assusta e enfurece algumas pessoas que pensam que nós só deveríamos agir sexualmente dentro das relações monogâmicas. Acho que muito da hostilidade à pornografia é, na verdade, repulsa e vergonha a respeito de masturbação."
Podemos então dizer que a pornografia é, também, uma forma de auto-satisfação por ela alimentar a fantasia voyeur das pessoas. E como a nossa moral cristão também condena a masturbação e o voyeurismo, não é de se estranhar que este seja um motivo a mais para condenar a pornografia.

Tem pornô até para esqueletos

1.4. Por que tantas feministas detestam pornografia?
Eu sei que pode parecer sexismo, mas a maioria das pessoas que eu vejo argumentar contra a pornografia são mulheres. E muitas dessas mulheres se declaram feministas – o que não significa dizer que o feminismo apoie o que elas defendem. Um exemplo épico disso foi a feminista radical Andrea Dworkin, que defendia com unhas e dentes a nocividade da pornografia em seus discursos e em seus livros como Pornography: Men Possessing Women e Intercourse.
Os principais motivos pelos quais muitas mulheres se opõem à pornografia são:
-Por insegurança ou ciúmes dos companheiros assistirem.
-Por acharem que é uma exploração das mulheres.
-Por acharem que degrada e objetifica a mulher.
-Por fazer apologia ao estupro.
-Porque muitos homens preferem pornografia a ter uma namorada.
-Porque a pornografia geralmente mostra as fantasias masculinas que muitos homens não realizam com suas parceiras (válvula de escape).
-Por puro preconceito moral.
-Por que não as excita.

No Capítulo 3 (link aqui) eu vou abordar em detalhes essas razões. Mas o que posso adiantar é que elas são, em sua maioria, baseada em relativismos morais.

Quem disse que não existe literatura ponográfica?

1.5. Criticas femininas à pornografia mainstream
Para quem nunca assistiu a um pornô mainstream, em muitos deles é exibido um comportamento agressivo e mecânico por parte dos homens, as mulheres agem de forma quase sempre submissa e o prazer delas não é focado. Então muitas mulheres se sentem mal e até mesmo ofendidas com tudo isto por verem objetificação, fingimento e violência – associando tudo isso a uma dominação e exploração masculina. Daí que muitas pensam: "Estão nos manipulando como objetos para o próprio prazer deles." Por isso que muitas comunidades de mulheres, especialmente as feministas, têm tanta implicância com a pornografia tradicional. Além de não se excitarem com a pornografia e verem que aquela encenação não mostra o prazer feminino, existe todo um histórico de repressão sexual e social contra as mulheres. Adicione a isso o fato de que muitos homens por aí não sabem transar direito e "aprendem" a transar vendo pornô. Tem também a questão da cultura do estupro, que faz com que muitas pensem que há uma conspiração geral dos homens contra as mulheres neste contexto. Talvez, por conta de todas essas coisas, tantas mulheres aleguem com tanta convicção que a pornografia é algo nocivo, ou pior: que ela é a glamurização do estupro.

Inversão de papéis?
Então pense bem: lembre-se de que as mulheres foram reprimidas e submissas aos homens durante boa parte da história e, de certa forma, ainda são. E quando elas veem no pornô as atrizes sendo submissas e tratadas como objeto de manipulação pelos homens, é normal e esperado fazer aquela associação: "Olha aí, tá vendo só: eles só querem nos dominar, nos humilhar e nos tratar como pedaços de carne". Porém, como falei em outros posts, a grande maioria dos homens não curte esse material por misoginia, necessidade de dominação ou desprezo pelas mulheres, muito pelo contrário: eles veem por tesão.



Será mesmo que é só homem que vê safadeza?

1.6. Sobre o machismo por trás da pornografia
O blogueiro Edson Furlan, que citei anteriormente, faz uma análise no seu blog sobre o que muitas mulheres, especialmente as feministas, tanto criticam na pornografia mainstream: o machismo. Como a pornografia retrata fantasias sexuais, é comum que muitas delas tragam uma dose de sadismo que pode ser associado facilmente à misoginia, dependendo da ótica. Sobre isso, Furlan comentou:

"Nesse contexto (da atual emancipação feminina), a única forma socialmente aceita de que o homem dispõe para punir e submeter a mulher é dentro do universo pornográfico."
(...)
"A pornografia passa a ser o último refúgio, sua fortaleza, onde a mulher pode ali ser punida, humilhada, violentada, tratada como se um objeto fosse. A violência outrora praticada abertamente no mundo real, migra de forma simbólica para o campo sexual e tem como palco o universo pornográfico."
(...)
"Independentemente das fantasias de cada e da liberdade de escolha de como vivenciará sua sexualidade, o que se deve questionar é o quanto a forma com que a mulher é tratada na pornografia atualmente acaba por dificultar um maior respeito e valorização da figura feminina dentro do imaginário masculino."


Pornografia ou misoginia?
Apesar desse ponto de vista fazer bastante sentido à primeira vista, o que muitas pesquisas mostram (e que vou apresentar na segunda parte desta série) é que mesmo esses pornôs mais agressivos não tornam os homens misóginos ou sexualmente agressivos. Talvez a emancipação feminina cause em alguns homens inseguros ou machistas a necessidade de uma válvula de escape onde as mulheres são dominadas e subjugadas, daí que surge este tipo de pornografia mais hardcore para saciar esses instintos através de uma catarse (vou falar mais sobre a catarse na segunda parte desta série). Uma cena clássica que remete a isso é a daquele filme pornô onde Rocco Siffredi enfia a cara de uma mulher num vaso sanitário e dá descarga (imagem ao lado). Mas creio eu que a grande maioria assita a pornôs mais agressivos por sadismo, e não por machismo, pois pesquisas mostram que geralmente os homens que veem pornô são menos machistas (como vou mostrar na segunda parte).

Será que toda pornografia ignora o prazer feminino?

Capítulo 2 - Por que o mainstream tomou conta do mercado?
Por que a pornografia "machista" tomou o mercado?
Muitos devem se perguntar por que esse tipo de pornografia focada no prazer do homem se tornou a mais popular. Quem inventou isso? Por que os homens curtem tanto este material? São essas perguntas que eu vou tentar responder a seguir.

Antes de explicar porque o pornô mainstream tomou conta do mercado, primeiro vamos saber como esse estilo começou.

John Stagliano e Belladonna: precursores do pornô contemporâneo

2.1. Como tudo começou
Rocco Siffredi
Segundo o site Nerds Somos Nozes, a atual fase do pornô iniciou-se nos anos 80 com o multiprodutor de filmes pornográficos John Stagliano, ou, como é mais conhecido, Buttman. Ao contrário da Private e da Playboy, ele chutou o pau da barraca e criou o que é conhecido como 'Pornografia Gonzo', em que o diretor é também ator e, às vezes, operador de câmera. O objetivo é mostrar uma relação sexual em sua essência, evitando cortes e edição. Resumindo: sem o ar softcore dos filmes das outras produtoras.
Foi também Stagliano e sua gangue (Belladonna, Nacho Vidal e Rocco Siffredi) que instituiu a clássica sequência oral, vaginal, anal e ejaculação (na grande maioria das vezes, na cara da mulher). Com isso acabou a era dos pornôs softs, agora relegados a segundo plano. Algumas produções da Private continuaram, com filmes chegando a custos absurdos de milhões, mas passaram a ser vistas por um público limitadíssimo, relativamente pequeno. Quem conhece segredos de alguma locadora com pornôs, sabe que esses filmes passaram a ser alugados quase que exclusivamente por evangélicos e outros religiosos, que não gostavam da escrotidão presente nos vídeos da Buttman, explícitos demais, por assim dizer.

No momento, o padrão para produtoras pornôs é a Vivid, a maior da atualidade. Quando uma atriz ganha um contrato que dá a ela o status de Vivid Girl – imagine gente do naipe de Briana Banks, Jenna Jameson, Savanna Samson, Sunrise Adams, Tera Patrick para entender – ela tem certeza que terá salários melhores, trabalhará menos e terá mais status do que as atrizes da Buttman e outras produtoras. Ademais, na Vivid, as mulheres são o centro da trama novamente, então por lá não existem caras sem parafusos como Rocco, cuja a principal diversão é transar com uma mulher de quatro metendo a cara dela num vaso, e esmurrando-a violentamente no processo (tem gente que gosta, eu acho idiota e sem sentido).
Fonte: Five Hot Stories For Her e a Pornografia Feminina.

Evolução da pornografia ao longo da história

2.2. Por que o mainstream popularizou-se?
As produções extremamente estereotipadas da pornografia moderna (coalhadas de entregadores de pizza e limpadores de piscina) foram a forma mais prática que as produtoras encontraram de continuar lucrando. A maioria desses filmes possui um custo de produção relativamente baixo e atende ao gosto da demanda, que é o público masculino heterossexual.
As cenas filmadas nos pornôs modernos exibem, de um modo geral, aquilo que muitos homens gostariam de fazer, mas que por alguma razão não podem ou não conseguem. Daí que esses filmes se transformaram numa válvula de escape para fantasias proibidas ou que eles normalmente não podem realizar com suas parceiras. Afinal de contas, que homem pagaria para ver algo que ele pode fazer a qualquer momento com a sua esposa?
Então junte a fome com a vontade de comer e temos o lado mais "sujo" e visceral da sexualidade humana exposto nesses filmes.
Na pornografia são encontrados também comportamentos presentes no dia a dia e outros que advém de desejos inconfessos ou socialmente vexatórios. Cria-se nela um verdadeiro universo paralelo. Sobre as fantasias, além daquelas presentes no imaginário masculino advindas das situações vividas, outras foram “criadas” para promover diversificação de material, gerar curiosidade e atrair um potencial público consumidor. Eis aí então a 'fórmula mágica' para fazer a pornografia vender.

O sadismo e a dominação também fazem parte da pornografia

2.3. A questão da violência nos filmes: o sadismo
Marquês de Sade, século XVIII
Nas pesquisas do Google há dezenas de palavras chaves como "novinha sendo estuprada", "ninfetinha levando no mato", "mulher estuprada com dor", "sexo violento sangue", "mulher dizendo não estupro". Mas por que isso é pesquisado?
Antes de qualquer explicação é preciso salientar que o ser humano é naturalmente sádico por razões evolutivas. Apesar do termo "sadismo" só ter sido cunhado no século 18, com as obras do Marquês de Sade, esse tipo de fetiche sempre existiu ao longo da história humana. Porém, todo esse sadismo humano não se limita ao aspecto sexual. No caso da internet, da mesma forma que há muitas palavras-chave ligadas à violência sexual nas pesquisas, há também coisas como: "corpos mutilados", "mortes violentas", "acidentes de trânsito", "tortura com sangue", etc. A busca pelo sadismo é muito mais genérica. Por que você acha, por exemplo, que as famosas Vídeo-Cassetadas fazem sucesso até hoje no Domingão do Faustão? É isso mesmo: porque ser humano é sádico. A pornografia mais violenta surge, em parte, para "saciar" esse desejo, curiosidade e sadismo humano. E é preferível que um sujeito desconte o seu sadismo num jogo de videogame ou num filme, do que querer expô-la no mundo real.
Honestamente, tudo leva a crer que o sadismo vem de origem ancestral, pois durante os mais de 100 mil anos de existência humana, a violência fez parte do dia-a-dia dos nossos antepassados. Creio que o impulso à violência está enraizado no cérebro reptiliano, como abordei nesta postagem aqui. Hoje a violência e o anseio por praticá-la é condenável, mas o que fazer quando ela está enraizada no calabouço do nosso cérebro?

A dominação é um fetiche
A pornografia, como muitos pensam, não torna a violência um fetiche – é exatamente o contrário: os filmes pornográficos vendem ao seu público-alvo aquele fetiche que ele quer ver. Por que filmes pornôs bonitinhos não vendem tanto? Exatamente porque eles não fazem parte da demanda de fetiches que o público-alvo quer ver. O problema todo aqui está na nossa ancestralidade ligada à violência; na forte carga de testosterona que há no organismo masculino (a testosterona é o hormônio da libido e da agressividade) e também, em parte, na cultura.
É claro que também existe a questão da dominação e do sadomasoquismo que muitas vezes é mostrado como um fetiche – e não como forma de subjugar o outro gênero. E adicione a tudo isso aquela velha necessidade de transgressão de regras que muitos de nós têm que tudo passa a fazer sentido.


2.4. Por que os homens assistem pornografia?
Que homem nunca assistiu isso?
Primeiro, uma verdade: homens, sem exceção, gostam de filme pornô. Uns mais outros menos, mas todos gostam. Até mesmo os padres do Vaticano (que tanto pregam a castidade) veem pornografia, como confirma este site do G1.
Mas é bom que se diga que homens não veem pornografia e mulheres nuas por serem malvados, exploradores ou machistas, mas sim porque se excitam com isso. Afinal, as pessoas não escolhem com o que vão ficar excitadas ou pelo que vão sentir atração. Por esse desconhecimento sobre o prazer masculino, que é muito visual, muitas mulheres acham que os homens veem aquilo por exploração e insensibilidade – mas a verdade é que os homens veem tais coisas por tesão. Pode parecer sexismo, mas muitas mulheres não entendem isso exatamente pelo fato delas serem mulheres. É preciso estar no corpo de um homem e ter um cérebro masculino para entender essas necessidades masculinas. Se não fosse assim, filmes eróticos não venderiam tanto, revistas masculinas não venderiam tanto e nem tantas mulheres reclamariam que os seus namorados veem esse material. Da mesma forma que muitos homens ignorantes acham que preliminar é frescura, há mulheres que acham que a pornografia não passa de insensibilidade masculina. Então proibir a pornografia acaba se tornando uma forma de repressão sexual contra os homens.
Outro ponto fundamental é a tão falada "objetificação da mulher". A objetificação não tem nada a ver com machismo ou má educação. Homens se excitam visualmente, por isso a exposição da mulher vende tanto. Não há educação no mundo que mude o estímulo visual masculino, pois isso é biológico. Até os gays se excitam assim (vide o público da G-Magazine). O máximo que pode acontecer é o homem se reprimir ou se policiar, mas jamais vão deixar de sentir estímulo visual.

Sátira à pornografia

2.5. As mulheres que assistem pornografia
Se você pensa que só homens assistem pornografia, lamento informar, mas muitas mulheres também adoram assistir esse material pelas mesmas razões dos homens. Há um mito de que as mulheres não excitam visualmente, além disso, a pornografia também aborda fantasias que elas gostariam de realizar e não podem. Por causa do mundo machista em que vivemos, muitas mulheres se sentem culpadas ou constrangidas ao tocar neste assunto – mas a verdade é que muitas adoram um bom filminho de sacanagem. Um exemplo disso é a atriz Cameron Diaz, que revelou ser fã do gênero, como mostra no site IG Delas. Outra celebridade que também assume gostar de pornografia é a guitarrista Syang, cujo acervo pessoal é usado junto com o marido.
Segundo uma pesquisa da Playboy do Brasil, que comercializa diversos canais de conteúdo adulto, concluiu-se que 49% dos assinantes do Sexy Hot são mulheres. Realizado em 2009, o levantamento apontou um crescimento de 10% em relação aos dados de 2005. Outra pesquisa, publicada pelo The Sun em 2010 e encomendada pelo site The English Netmums, apontou que 60% das entrevistadas buscam e consomem pornografia na rede em companhia de seus parceiros. Foram ouvidas 4.200 britânicas, entre as quais 76% admitiram assistir filmes pornográficos – um aumento de 10% em relação ao ano anterior.

O professor americano Hugo Schwyzer, criador de um curso sobre pornografia para universitários, derruba o mito de que só os homens são visuais e afirma que as mulheres também gostam. E boa parte deste mito é alimentado pelo machismo que inibe as mulheres de serem tão sexualmente livres quanto os homens. Para ver a entrevista na íntegra com  o professor Schwyzer, o link segue abaixo:
Revista VIP - Mulher também gosta de pornografia

Stoya: quem disse que mulher só se excita com livros?

Esta série continua nos links abaixo:
A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 1
A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 2
A pornografia é culpada ou inocente? - Parte 3

Um comentário:

  1. Eu não sei qual o problema das mulheres verem pornografia. Sinceramente, não vejo homens criticando mulheres que assistem pornografia, a não ser que sejam fundamentalistas.
    E pra falar a verdade, nada é tão excitante quanto ver uma mulher excitada.

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