O perigo dos 100%

Reflita sobre as duas perguntas abaixo:

1. Você tem 100% de certeza de que é mesmo filho biológico dos seus pais?
2. Você acha justo que um candidato vença uma eleição com 100% dos votos?

Se você respondeu "sim" às afirmações acima, cuidado, acho melhor que reveja os seus conceitos...

O perigo da certeza absoluta
A maioria das pessoas acha desconfortável ou incoerente não ter 100% de certeza com relação às suas crenças. Mas eu alerto que esse tipo de pensamento ontológico é particularmente perigoso, pois nós só podemos ter 100% de certeza com relação a quatro aspectos fundamentais:

1 - Verdades Matemáticas
Ex: Fórmulas matemáticas e fórmulas de física.
Ninguém discute que o cálculo da velocidade média de um objeto em movimento uniforme é Vm =ΔS / ΔT. Assim como ninguém discute que dois multiplicado por dois é igual a quatro.

2 - Verdades Lógicas (axiomáticas)
Ex: Frases como "As mulheres são seres do sexo feminino" ou "a água é líquida" ou "Um quadrado tem 4 lados" ou ainda "Uma vaca não é uma galinha" são verdades conceituais.
Para que possamos nos entender e as nossas argumentações possuam lógica, é necessário criar parâmetros que sejam tomados como verdadeiros. Ainda que tais conceitos possam mudar de acordo com a sociedade em questão, eles são necessariamente verdadeiros para que as coisas façam sentido e possam ter uma definição.

3 - Verdades Subjetivas (pessoais)
Ex: Frases como "Eu tenho certeza absoluta de que estou apaixonado" ou "Eu tenho certeza que o meu braço está doendo" são constatações intrínsecas, logo, são verdades absolutas apenas para quem faz essas afirmações.
Este caso trata das convicções interiores do que nós estamos sentindo, logo, é uma verdade absoluta para nós - e tão somente para nós.

4 - Finitude
Ex: Um dia todos nós vamos morrer e o universo vai deixar de existir.
Tudo no universo um dia há de se acabar ou se transformar. Nada, absolutamente nada, dura para sempre. Daí vem a nossa certeza de que um dia tudo vai se acabar.

Eu apresentei esses quatro exemplos para mostrar que todo o resto fora isso não pode nos representar uma verdade absoluta e incontestável. A realidade que nos cerca é percebida através dos nossos cinco sentidos - sentidos esses que são impressões, logo, eles podem estar captando a realidade de forma distorcida ou mesmo errada. Por essas e outras razões que o pensamento cético e a própria ciência são considerados epistemológicos, ou seja: não tratam o conhecimento como sendo algo absoluto.

As pessoas que têm 100% de certeza são geralmente ingênuas ou charlatãs querendo manipular os outros. Este mesmo raciocínio se aplica também às religiões, uma vez que as crenças em divindades exigem fé na ausência de qualquer tipo de evidência. Não acho sensato que alguém possa ter 100% de certeza que Deus existe ou que Deus não existe, pois este tipo de pensamento gnóstico é sustentado por provas anedóticas (pessoais) e não raramente leva a fanatismos estúpidos.

A burrice da unanimidade
Sempre desconfie quando todas as pessoas de um determinado grupo concordem em 100% com alguma opinião. Se o conceito defendido por essas pessoas estiver errado, então todos estarão errados! Além disso, unanimidades não costumam parar para rever os seus conceitos e nem contestam valores. Isso nos leva a um grupo apático e com poucas mudanças. Opiniões diferentes são necessárias porque as pessoas não são todas iguais. Nós vivemos numa sociedade heterogênea e a unanimidade representa um risco à própria democracia.

Tenha atitude: não seja mais um, seja você!

Portanto, se você tem certeza absoluta de algo, procure refletir sobre isso para não ser mais um zumbi alienado na face da Terra. A humanidade agradece à sua escolha.