Sim, eu sou a favor de ações afirmativas baseadas em diferenças étnicas que integrem socialmente todas as pessoas. As razões para isso são:
1- Inclusão social - As cotas são importantes para que as pessoas se acostumem a ver negros e indígenas em todas as classes sociais. Isso, como consequência, vai ajudar a combater o preconceito.
2- Oportunidades iguais - Todas as pessoas devem ter chances iguais de acesso ao ensino superior, independente de classe social ou aparência física.
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Uma boa razão para apoiar as cotas |
A intenção de termos uma maior inclusão social e de combater o racismo é, sem dúvida, algo maravilhoso. Este é um passo histórico importe dado pelo país para combater preconceitos raciais que ainda estão enraizados na nossa cultura. Eu acredito que uma maior presença de pessoas de todas as tonalidades de pele nos ambientes mais elitizados vai ajudar, sim, a reduzir a hegemonia de pessoas que se autodeclaram como "brancas". Mas nem tudo são flores. As cotas são importantes, mas acontece que o critério de seleção baseado exclusivamente em "raças" é algo que traz diversos problemas. Vou citar a seguir quatro problemas que esse critério de diferenciação racial pode trazer:
O primeiro problema é que vamos ter que admitir legalmente a diferença entre negros e brancos. Isso é algo que, ao meu ver, vai contra o principal alicerce dos movimentos de igualdade racial que é justamente o fim de distinções entre as pessoas baseadas em "raças".
Colocar a divisão de raças na lei, queiramos ou não, é uma medida racista, porque a lei deveria tratar todos como iguais. Na verdade, nós somos todos pertencentes a uma única raça, que é a
raça humana. A própria ciência já comprovou que não existem raças entre seres humanos. A criação de critérios arbitrários para julgar quem é "preto" ou "branco" me soa, por si só, bastante preconceituoso e racista. Outro grande problema de se estabelecer a existência de rótulos raciais é
que as pessoas passam a se sentir parte dessas raças definidas pelo
Estado. Fora que os brasileiros são altamente miscigenados, o que gera o problema seguinte.
O segundo problema é: como vamos distinguir negros de brancos? Se for pela cor da pele, certamente teremos injustiças, porque existe um enorme degradê entre o albino desbotado e o negro escuro.
Mulatos, pardos e mestiços possuem uma grande variedade de tonalidades de epiderme. Além disso, é possível uma pessoa ser branca e, mesmo assim, sofrer preconceito racial. Eu lembro de uma colega que tive no ensino fundamental que era branca, loira, de olhos azuis e sofria preconceito por causa de seu cabelo. Como o cabelo dela era crespo (a famosa loirinha bombril), os colegas de classe faziam anedotas, chacotas e colocavam diversos apelidos racistas nela como "cabelo de espanador", "cabelo de macaco", "cabelo à prova d'água", "cabelo de pentelho", "cabelo de fogo", "cabelo ruim", etc.
Essa minha colega sofreu bastante com o bullying por causa do seu cabelo que tinha característica afro. E, naturalmente, isso a incomodava bastante. Daí eu pergunto: será que não seria justo também incluir pessoas como essa minha ex-colega neste sistema de cotas raciais? Será que o preconceito racial que ela sofreu por causa do cabelo é menos doloroso que o preconceito que pessoas com pele mais escura sofrem? Como vamos medir isso? E as pessoas que são "claras", mas possuem o nariz largo ou os lábios mais grossos? Será que elas nunca sofreram preconceito?
Infelizmente, creio que não há um critério justo para fazer distinções raciais (nem mesmo um exame de DNA).
O terceiro problema é que o argumento da compensação histórica usado para justificar as cotas não é justo.
Imigrantes japoneses e europeus sofreram muito preconceito e perseguição racial aqui no Brasil durante os séculos 19 e 20. Teríamos que criar cotas para eles também para haver uma reparação histórica pelos preconceitos que eles sofreram. E se formos criar cotas para todas as minorias ou grupos que sofreram preconceitos, as cotas ficarão tão fracionadas que acabarão sendo injustas.
Muita gente sofre preconceito por ser autista, feia, baixinha, careca, obesa (muitas vezes é um preconceito até pior que o racial) e nem por isso há cotas para elas. Mas deixando isso de lado para evitar um declive escorregadio, o argumento da dívida histórica das cotas se baseia na falsa ideia de que a escravidão ocorreu por questões raciais. A escravidão ocorreu, na verdade, por questões econômicas onde europeus compravam escravos de líderes africanos
negros que escravizavam outros
negros. Alunos de cor branca hoje não possuem culpa alguma pelo que ocorreu no passado. Isso é tentar consertar uma injustiça com outra injustiça.
O quarto problema é que cotas podem gerar preconceitos contra os próprios cotistas. As próprias empresas ao contratar estagiários podem preferir os não-cotistas justamente por considerar que eles entraram pela "porta da frente" da universidade. Há o risco também de se formar panelinhas contra os cotistas entre os alunos e até entre os professores. Fora o desmérito que alunos negros não-cotistas podem sofrer por serem associados aos cotistas devido à sua mesma cor de pele.
Soluções
Se for usado um critério de seleção baseado em "raças", este critério precisa ter pontos muito claros para evitar injustiças. E o grande problema do critério baseado em raças é que não há, pelo menos no Brasil, uma forma de diferenciar com clareza negros e brancos devido ao nosso alto grau de miscigenação. Além, claro, do risco de ocorrerem injustiças, afinal, há brancos pobres e negros ricos.
Uma possibilidade alternativa seria usar um sistema de cotas raciais que
também se baseasse em outros aspectos, como na renda familiar, por exemplo, para evitar que negros ricos
tomassem o lugar de brancos pobres. O ideal, creio eu, seria que as cotas fossem destinadas para
todos aqueles que sofrem preconceitos baseados em
características étnicas, independentemente da cor de pele. Isso eliminaria casos como o da minha ex-colega que sofria bullying por causa do cabelo, por exemplo.
A solução ideal para essa questão, na minha opinião, seria que as universidades tivessem vagas para TODOS que quisessem fazer um curso superior. O número total de vagas deveria ser aumentado e, juntamente a isso, deveria ser desconstruído socialmente o mito de que universidade serve para conquistar um bom emprego.
Universidade é lugar para quem quer estudar, fazer pesquisas ou seguir carreira acadêmica. A nossa sociedade deveria valorizar mais as profissões de base que necessitam apenas de um nível técnico e, assim, deixar a faculdade para quem quer dar ênfase à carreira acadêmica. O governo deveria de alguma maneira aumentar incentivos a cursos técnicos para contribuir com essa causa.
Outro problema pouco debatido e que causa muita segregação no nível superior é o próprio sistema de acesso através do vestibular (ou o Enem). Este sistema é injusto porque ele se baseia em algo chamado
concorrência e ainda por cima feito em cima de uma única prova. O acesso à universidade deveria ser através de notas, como ocorre em países como o Japão, por exemplo, ou então através do histórico escolar ou currículo. O vestibular por concorrência, como temos aqui no Brasil, além de servir para eliminar bons alunos, é injusto porque privilegia estudantes de colégios particulares cujo o ensino é de melhor qualidade em comparação à escola pública.
O vestibular não premia os mais preparados, mas sim os mais privilegiados. O vestibular é que é o grande vilão, na minha opinião. Nós precisamos de um sistema de acesso à universidade que dê chances iguais a alunos de escola pública e particular, independente de "raça" ou renda.
Concluindo
Como citei anteriormente, eu acredito que as cotas deveriam ser usadas em conjunto com base na
renda familiar – e não baseada exclusivamente em "raças". E mais: essas cotas deveriam ser usadas também no ensino fundamental e médio, ou então em cursinhos pré-vestibulares para não se ter problemas com possíveis defasagens entre os cotistas no nível superior. Afinal, um aluno da rede particular tem uma bagagem de conhecimento muito maior que um aluno de escola pública. Além disso, quase sempre o racismo surge nas pessoas quando elas ainda são
crianças, daí a necessidade de cotas no ensino fundamental de redes particulares. As cotas poderiam ser usadas também no mercado de trabalho, que é onde é mais necessário haver algum tipo de inclusão social.
Por fim, acho que as cotas são importantes e necessárias, mas se não forem feitas de uma forma justa, toda a sociedade vai acabar sendo prejudicada.