sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Falar sozinho



Todo ser humano tem um diálogo interior. O que quer dizer isso? Que nós conversamos com nós mesmos o tempo inteiro no pensamento. Afinal, quando você pensa em algo e constrói uma crítica a respeito desse algo, nada mais natural que você avaliar se aquela crítica criada por você é coerente. Por exemplo: o que eu acho a respeito do ato de jogar o lixo na rua?  Aí eu penso algo do tipo: "Acho que jogar lixo no chão é errado, porém, em alguns casos isso pode ser justificável". No momento em que eu estabeleço esse 'porém', há uma contracrítica ao meu próprio pensamento. É como se existisse na minha cabeça um 'eu' que pensa e um 'eu' que escuta, só que eu sou tanto o interlocutor quanto o receptor ao mesmo tempo. Essa ideia de haver um moderador na nossa mente é que faz a gente se perguntar se estamos mesmo sendo coerentes ao fazer determinada afirmação. Nesse exemplo, fica claro que a autocrítica é uma forma de falar sozinho e que existe sempre um diálogo interior dentro de nós.

Criamos vários 'eus' imaginários ao falar sozinho

A contrargumentação mental citada acima ocorre por duas razões: porque o pensamento humano é um pensamento verbal e dualista. O pensamento verbal se deve ao fato de nós nos comunicarmos através da fala ou da escrita, então o nosso cérebro simplifica tudo e cria uma linguagem única (a verbal, no caso) para elaborar os pensamentos. Claro que nós criamos imagens, sons, cores, sabores e sensações, mas as ideias são, em 99% das vezes, verbais - isso porque tudo tem um nome e nós pensamos nesses nomes ao elaborar um raciocínio. Já o dualismo reflete essa capacidade de pensar em mais de uma possibilidade diferente ao mesmo tempo, o que gera a autocrítica.

Falar sozinho é coisa de doido?

Se fomos pensar na prática, falar sozinho é, nada mais, nada menos, que pensar alto. Falar é exprimir o pensamento. Então quando você fala sozinho, na verdade você está falando para você mesmo fora do pensamento. E tem pessoas, como eu, por exemplo, que tem mais facilidade de entender os próprios pensamentos quando fala em voz alta. É mais ou menos como a diferença entre ler em silêncio e ler em voz alta. Tem gente que absorve melhor o texto quando ouve a própria voz. E falar sozinho é basicamente a mesma coisa. É por isso que falar sozinho não é coisa de doido, pelo menos não nesse caso.

Para simplificar as coisas, vou exibir a seguir as principais modalidades de 'falar sozinho'.

Tipos de solilóquio

Tipo 1: O Instintivo
A primeira modalidade é a mais comum: é aquela mais básica, mais instintiva. Ela ocorre quando acontece alguma coisa que faz você falar quase involuntariamente. Um exemplo disso é quando você está andando sozinho na rua e dá uma topada numa pedra justo na sua unha encravada. Aí você xinga, fala palavrão e reclama pelo fato da pedra está no lugar errado ou por causa da dor, etc. Mas não há necessariamente alguém do seu lado para ouvir o que você exclamou.
 

Tipo 2: O Exclamativo
A segunda modalidade é aquela que você cria um receptor imaginário com quem você está falando ou algum objeto imaginário ao qual você dirige os seus pensamentos. É mais ou menos como se você estivesse falando para um espelho. Um exemplo dessa modalidade é quando você vê um carrão importado passando na rua e pensa: "Uau! Olha só que máquina!" Só que essa exclamação não está sendo dirigida exatamente para alguém, mas para um 'eu' imaginário que você criou inconscientemente para direcionar uma crítica, ideia ou comentário. Isso acontece muito também quando alguém está apaixonado ou furioso e fica falando para o vento o que está sentindo.


Tipo 3: O Crítico
Bom, aqui a coisa começa a ficar esquisita, porque a terceira modalidade é aquela onde você verbaliza exteriormente os seus pensamentos, sem que isso seja exatamente necessário. É o famoso 'pensar alto'. Você pensa, por exemplo, em qual roupa você vai colocar para ir a uma festa e aí seguem verbalizações do tipo: "Vou colocar uma camisa 'x' porque ela é mais bonita" ou "Vou colocar uma calça 'y' porque ela é mais confortável". Outro exemplo nesse aspecto é quando alguém critica alguma coisa ou outra pessoa através de resmungos. E esses resmungos não são necessariamente ditos para que alguém os escute.


Tipo 4:  O Personificado
A quarta modalidade é a criação de um amigo imaginário de personalidade própria com quem você troca uma ideia. Nesse caso, muitas vezes isso funciona como uma espécie de moderação para as suas opiniões. Quando você pensa em coisas do tipo: "Vou faltar aula hoje porque está chovendo", aí vem o outro lado da sua mente que rebate: "É melhor eu não perder essa aula, pois ela pode ser importante". E, em casos mais extremos, esse amigo imaginário pode até virar um personagem independente com quem você fica conversando no pensamento. Ao invés de você falar para você mesmo, você fala para um 'personagem' imaginário. E o bacana desse amigo imaginário é que ele sempre te escuta, sempre te dá sugestões e sempre está contigo aonde quer que você vá.

Tipo 5: O Encenador
A quinta modalidade seria falar para uma plateia imaginaria quando você quer treinar um discurso, uma apresentação, uma encenação ou um seminário. Essa alternativa é muito útil, principalmente quando você grava o que você falou para avaliar o seu próprio desempenho.


Acredito que falar sozinho tem cinco grandes vantagens:

1) Desabafar sem incomodar os ouvidos dos outros
2) Poder falar sem censura e sem medo de ser criticado
3) Poder falar sem ser intemrrompido
4) Ajuda a gente a se conhecer melhor
5) Exercita a criatividade


Eu creio que falar sozinho é uma verdadeira terapia, pois além de ser potencialmente divertido, não existe ninguém no mundo melhor que nós mesmos para falar a respeito de nós mesmos. Não penso que falar sozinho seja coisa de louco, pois em muitos casos é apenas a expressão da necessidade de se comunicar sem precisar perturbar os tímpanos dos outros.

2 comentários:

  1. que ótimo texto, é exatamente o que eu procurava, já estava pensando em esquizofrenia pois minha voz interior é muito atuante . obrigada!!!!

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    1. ahaha! De nada!
      Se falar sozinho fosse coisa de maluco, o planeta Terra deveria ser chamar 'planeta Hospício'. Falar sozinho nada mais é que "pensar alto". O resto é apenas intriga da oposição.
      Obrigado pela participação.

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