sábado, 7 de dezembro de 2013

Quem gosta mais de sexo: a resposta final

Zeus e Hera tiveram essa dúvida: quem gosta mais de sexo?

á algum tempo atrás, eu escrevi uma série que tentava responder a velha pergunta: afinal, quem gosta mais de sexo, o homem ou a mulher? E acho que finalmente obtive uma resposta satisfatória.

Antes de prosseguir neste tema, é preciso esclarecer que essa pergunta é bastante capciosa, porque ela induz as pessoas a darem uma resposta errada, levando a crer que gostar de sexo tem alguma relação direta com o sexo biológico da pessoa. Há uma falsa dicotomia aí. Além disso, essa é uma discussão que não leva a lugar algum. Ela é tão sem sentido quando perguntar quem gosta mais de sexo, se são feios ou bonitos, se são carecas ou cabeludos ou se são brancos ou negros, etc. Na verdade, gostar ou não de sexo não é algo determinado pelo fato de alguém ser homem ou ser mulher. O que vai fazer alguém gostar de sexo é um conjunto de fatores biológicos e sociais que variam de pessoa para pessoa. Colocar homem versus mulher neste sentido serve somente para alimentar uma guerrinha de sexos inútil.
Um dos grandes problemas desse tipo de questionamento é que só seria possível comparar e responder a essa pergunta de forma conclusiva se homens e mulheres pudessem trocar de corpos para sentir na pele as particularidades de cada gênero neste aspecto.

Há quem defenda que os homens gostam mais de sexo porque as mulheres não demonstram tanto interesse assim pela coisa publicamente. Porém, em verdade vos digo que essa é uma visão muito simplista, afinal, cada vez mais as mulheres exigem prazer e qualidade. Além disso, o que as mulheres ganhariam fingindo que gostam de sexo e lutando pelo direito de ter mais prazer numa sociedade que reprime seus desejos e impulsos? Não seria mais fácil para elas se conformarem numa boa com a repressão sexual e o slut-shaming?
Já os que defendem que as mulheres gostam mais, será que a busca incansável dos homens por pornografia, prostituição e nudez não bastam para mostrar o quão o sexo é importante para os rapazes?
O psicólogo e psicoterapeuta sexual Alessandro Ezabella explicou certa vez algo que considerei importante para essa discussão: “Homens e mulheres enxergam o sexo de formas muito distintas, atribuindo valores diferentes a ele, e criando expectativas muitas vezes a partir do seu ponto de vista, sem levar em conta a perspectiva do outro”. Ou seja, essa visão egocêntrica gera confusão na hora de avaliar o sexo oposto neste aspecto, afinal, o que é excitante para um, pode ser broxante para o outro.

A seguir, vou deixar anexado um vídeo que mostra uma pesquisa sobre este assunto realizada pelo LEG (Laboratório de Estudos de Gênero) da UFRJ feita com as pessoas nas ruas do Rio de Janeiro. Achei interessante compartilhá-la por aqui como forma de reacender o debate:



Antes de responder a pergunta sobre quem gosta mais de sexo, vamos refletir sobre quatro aspectos que distorcem a nossa percepção diante da realidade:

1- A testosterona
A testosterona é o hormônio do desejo sexual, fato. Tanto homens quanto mulheres sentem desejo graças a esse hormônio. Homens possuem mais de dez vezes mais testosterona que as mulheres, o que nos leva a crer que os homens têm mais libido, certo? Errado! A grosso modo, o que faz a testosterona gerar mais desejo não é a sua quantidade no nosso organismo, mas, sim, a sua 'qualidade'. Apesar das mulheres possuírem um nível basal de testosterona, o organismo feminino – exatamente por possuir menos testosterona – torna-se naturalmente mais sensível a mesma. Ou seja: uma mesma dose de testosterona causa reações diferentes em homens e mulheres. Uma pequena dose de testosterona a mais no corpo homem não causa nenhuma alteração, mas se essa mesma pequena dose de testosterona for aplicada no corpo da mulher, já será suficiente para deixá-la atiçada.
Apesar da maior quantidade de testosterona no corpo masculino, sabe-se que este hormônio não é necessário para que as pessoas sintam prazer. Até mesmo crianças dentro do útero da mãe se excitam e tocam seus genitais, fato este já contatado em ultrassonografias que mostram alterações nos órgãos sexuais dos bebês no meio intrauterino. E as motivações para o sexo não estão ligadas apenas à libido. Há pessoas que fazem sexo por carência afetiva, por questões emocionais, por querer estar perto do parceiro, para manter a relação estável, para melhorar a autoestima, para manter o corpo em forma, para se sentir bem fisicamente ou mesmo pelo puro prazer ou necessidade de orgasmo. As razões para sentir vontade de transar são muitas e todas elas influenciam direta e indiretamente o desejo sexual, tanto para homens quanto para mulheres. Talvez, pelo nível de testosterona do homem ser mais estável, isso se reflita numa maior necessidade de quantidade e de frequência sexual pela maior parte dos homens. Mas querer algo em maior quantidade não quer dizer necessariamente gostar mais, afinal gostar de algo é muito relativo à maneira com a qual se gosta.

2- A opressão do patriarcado
Em um mito da Grécia antiga, Zeus e Hera discutiram sobre quem gostava mais de sexo, se era o homem ou a mulher. Eles então consultaram o profeta Tirésias (a quem Hera havia uma vez transformado em mulher), para dar sua opinião. "Se o desejo sexual fosse dividido em dez partes, apenas uma delas caberia ao homem. As nove restantes pertencem à mulher", respondeu o profeta.
Tempos depois, a mulher passou a ser vista como herdeira de Eva: sedutora e traidora. Seu ímpeto sexual era visto como um sinal de sua irracionalidade, de sua inferioridade moral e intelectual – e, com isso, se justificava o controle acirrado de pais e maridos. Os homens, não sendo consumidos pelo desejo carnal, e muito mais dotados de autocontrole, eram naturalmente mais adequados para posições de poder e influência.
A condenação da sexualidade feminina, como bem se sabe, acabou aumentando à medida que a sociedade patriarcal se fortaleceu. O patriarcado – aliado ao machismo das religiões abraâmicas – acabou impondo às mulheres 'brancas' (as mulheres para casar, já que as 'negras' eram para se divertir) uma forte repressão sexual para que elas se casassem virgens e, assim, os homens tivessem certeza de que o seu herdeiro seria, de fato, o seu filho legítimo. Por isso, houve essa supervalorização da virgindade feminina, fato este que ganhou o reforço da "pureza" na associação com a Virgem Maria imposta pelo cristianismo. O estranho é que apesar de Jesus ter sido virgem também, só se falava da virgindade de Maria. Mas enfim, o casamento de hoje em dia ainda traz resquícios disso, onde o vestido da noiva é branco (em analogia à pureza e à virgindade), onde apenas a mulher passa a carregar o sobrenome do marido e, até pouco tempo atrás, o marido podia pedir a anulação do casamento caso a mulher não fosse mais virgem (isso estava na lei, inclusive).
E até os dias atuais, em pleno século XXI, há muita perseguição e linchamento moral das mulheres livres sexualmente. Uma mulher que assume gostar de sexo está, muitas vezes, colocando em risco a sua própria integridade moral e física. Então, neste contexto, é muito complicado avaliar quem gosta mais de sexo quando um dos lados não pode sequer admitir que gosta da coisa – enquanto que o outro recebe a doutrinação inversa, sendo educado para mostrar que gosta muito.

3- Sexo como pura interação genital
O psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, em sua experiência em consultório e em descobertas que fez ao longo da vida, percebeu que a expressão da sexualidade humana vai muito além do prazer genital. Quando ele trouxe essa sua descoberta a público, foi um escândalo. Ele foi taxado de terrorista social, louco, pervertido e imoral por revelar o óbvio: que não se faz sexo apenas com os órgãos sexuais, mas, sim, com o corpo inteiro. Descobri através de Gaiarsa que o contato do pênis com a vagina representa menos de 1% da totalidade da interação sexual humana. Para quem não sabe, todos nós temos, ao todo, mais de dois metros quadrados de pele sobre nossos corpos. Toda essa camada de pele está repleta de pontos erógenos e de terminações nervosas com diferentes sensibilidades. Agora junte a isso o fato de que o sexo tântrico e toda a riqueza dos toques de danças eróticas como a Dança de Shiva foram banidos da nossa cultura por serem "imorais" aos olhos do ocidente cristão. Se as pessoas conhecessem o real potencial que os nossos corpos possuem para o prazer, não fariam essa burrice que é se privar dos toques eróticos e das descobertas de novas formas de prazer. A genitalização excessiva nos priva de prazeres maiores. Por isso, todos nós somos todos tão frescos, travados, limitados e infelizes em nossas vidas sexuais. Nesse aspecto, as mulheres, apesar de toda a repressão sexual que sofrem, têm menos neuras, uma vez que toques não-sexuais (leia 'não-genitais') são menos reprimidos em comparação com os homens. Outro problema é que a penetração exclusiva, que monopoliza a relação sexual na maioria dos casais heterossexuais, acaba prevalecendo – fato este que limita o prazer feminino, uma vez que a maioria das mulheres não alcança o orgasmo apenas com a penetração. A moral da história é que todos nós precisamos nos permitir sentir mais prazer e perder medos infantis como medo de broxar, medo de "virar gay", medo do que vão pensar de nós e outras besteiras se quisermos explorar todo o prazer que os nossos corpos podem nos proporcionar.

4- O sexo como forma de poder
De todos os fatores que estragam o sexo, talvez a disputa pelo poder seja a pior de todas. O sexo deveria ser um jogo de prazer, mas numa cultura sexista e patriarcal, ele acaba virando um jogo de posse. É lamentável que muitas pessoas queiram demonstrar o poder o a dominação através do sexo (excluindo aí o sadomasoquismo saudável). O sexo deveria ser uma mão dupla de prazer, onde todos os envolvidos dão e recebem prazer. Muitos homens (e até mulheres) acham que o sexo existe apenas para satisfazer o homem. Pobres deles que não percebem que uma mulher que interage sexualmente é muito mais feliz e retribui também muito melhor. Aliás, muitas traições femininas ocorrem justamente porque o maridão não dá conta do recado, eu mesmo sou testemunha viva disso. Então, os homens deveriam usar o seu pênis não como arma, mas sim como um instrumento maravilhoso para o prazer mútuo. E o corpo inteiro deveria se tornar um instrumento de troca de prazer, como citei no item anterior. Temos que usar todos os nossos cinco sentidos para o prazer, abrindo as portas para a sinestesia e para a plenitude sexual, física, emocional e psicológica.

Esclarecidos então esses quatro pontos, agora, sim, podemos ser imparciais para responder a pergunta do título.

Será mesmo que há algum gênero que gosta mais?

Afinal, quem gosta mais de sexo?
A resposta final é bastante óbvia para quem leu o post até aqui. E a resposta é que homens e mulheres gostam de sexo, ponto. Não há um sexo que gosta mais e outro que gosta menos: há pessoas, homens ou mulheres, que gostam mais e que gostam menos. Isso se aplica também aos homossexuais, heterossexuais e transexuais. Aliás, o caso dos transexuais é curioso porque são pessoas que nasceram com o sexo trocado, ou seja: homens que nasceram num corpo de mulher e mulheres que nasceram no corpo de um homem. Será que nesses casos eles gostam de sexo devido à identidade de gênero ou ao sexo biológico? Enfim, o que define se alguém gosta de sexo não é o que está entre as nossas pernas, mas sim o que está entre as nossas orelhas. O nosso cérebro é que vai nos dizer o quão interessado por sexo nos somos.

Para finalizar, abaixo, deixo um gráfico em jpg com dados estatísticos sobre a sexualidade feminina que ajudam a esclarecer alguns velhos enigmas (abra em outra aba para ampliar melhor):

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