quarta-feira, 30 de março de 2016

Pornografia existiria num mundo sem estupro?

A demonização da pornografia é tão antiga quanto a Idade Média

Há dois dias atrás, dia 28 de março, a blogueira Lola Aronovich publicou em seu blog um post homônimo a este cá para debater sobre o tema 'estupro'. O título provocativo, ao que me parece, serviu mais como uma isca para atrair a atenção de quem mais precisa lê-lo: os homens. O conteúdo da postagem dela é muito bom, reflexivo e tenta explicar como o machismo, a violência contra a mulher, o racismo e a pedofilia estão culturalmente enraizados na nossa sociedade. Mas eu não estou escrevendo este post para falar sobre o conteúdo dessa postagem da Lola, e sim sobre o título dele que não é respondido diretamente e acabou ficando meio descontextualizado. Como eu disse, o título é um atrativo, já que o tema pornografia costuma ter mais comentários por parte dos homens do que o tema estupro em si. Eu não comentei por lá porque perdi o embalo, o post dela já tem mais de 300 comentários e o meu comentário por lá seria do tamanho deste post. Além, claro, de ter uma turminha de difamadoras radicais que acompanha o blog dela e que vai aproveitar a oportunidade para me caluniar, já que para elas eu sou um mascu, misógino, machista e esquerdomacho caga-regra que só escreve coisas sem sentido.
Enfim, vamos ao que interessa.

Lógica dworkinista que originou o post da Lola

Pornografia existiria num mundo sem estupro?
Sendo curto e grosso, a resposta é sim. A pornografia existiria SIM em um mundo sem estupro. Pornografia não é estupro e nem está ligada a ele do ponto de vista teórico. Pornografia está ligada ao sexo; estupro está ligado à violência. As únicas pessoas que poderiam correlacionar o gigantesco universo da pornografia ao crime de estupro são as feministas radicais e os fundamentalistas religiosos. Pornografia é algo consentido, estupro, não. As mulheres feministas que produzem pornografia (Erika Lust, Petra Joy e cia) são a prova de que pornografia não tem nada a ver com estupro. Pornografia é, simplesmente, você produzir alguma forma de arte baseada no sexo, seja ele um livro, um quadrinho, um filme, uma revista, uma escultura, etc. Se um casal amador de namorados quer filmar suas transas e upar no Xvideos de forma consentida entre os dois, isso também é pornografia e não há qualquer correlação com o estupro neste caso. Nem mesmo a pornografia mainstream (salvando-se algumas raras exceções) é estupro. Essa forçação de barra entre estupro e pornografia vem lá da década de 70, onde a feminista radical Andrea Dworkin fazia duras críticas à pornografia numa época onde não havia qualquer regulamentação da profissão de ator/atriz pornô. As críticas fundamentadas no estupro contra a pornografia se encaixavam muito bem naquela época, mas hoje, no século 21, as coisas são muito diferentes devido à expansão que o universo pornográfico ganhou principalmente por causa da internet. Hoje em dia qualquer pessoa pode filmar o seu próprio pornô caseiro, basta ter um celular e um pouco de tesão. É tosco e desonesto achar que toda pornografia é estupro ou que o estupro é que gera a pornografia. Essas generalizações pueris e descontextualizadas ao condenar algo são sempre estúpidas e infantis.
O mais engraçado de tudo é que o pornô gay continua incriticável pelas feministas. Isso sem falar das mulheres que gostam de ver filme pornô hétero... Será que é também o estupro que motiva essas mulheres a gostarem de filmes eróticos? O que faz a pornografia existir é o desejo sexual humano e o instinto voyeur que todos nós temos em maior ou menor grau. O estupro não tem nada a ver com isso. Ainda que possam existir fantasias ou simulações de estupro em ALGUNS filmes pornográficos, como eu bem disse, são simulações e são exceções. O inverso também é válido: pois a pornografia, até onde eu pude conferir, não é e nunca foi a causa de estupros (até porque o estupro já existia antes de inventarem o filme pornô). Eu até diria que é mais provável que seja o contrário, que a pornografia até diminua o número de estupros, já que o estuprador pode se saciar apenas assistindo um filme mais violento, ao invés de ir e fazer aquilo na prática.
Para os novatos no blog, eu vou deixar linkada aqui a primeira parte da minha trilogia sobre pornografia, chamada de A pornografia é culpada ou inocente, onde eu me aprofundo de uma maneira quase acadêmica sobre todos os aspectos envolvendo a pornografia (desde a sua história até a regulamentação). Para quem quiser saber mais sobre o tema e a minha opinião sobre o mesmo, recomendo bastante essa sequência de posts.

Já essa aqui vandaliza o dinheiro dizendo que a pornografia é que gera o estupro


Jogos violentos existiriam num mundo sem assassinatos?
Essa pergunta serve para responder a pergunta anterior com outra pergunta similar. Do mesmo jeito que não é o estupro que serve de inspiração para se produzir a pornografia, não é o assassinato que cria os jogos violentos. O que cria a pornografia é o desejo do ser humano pelo sexo, assim como o que cria os jogos violentos é o desejo humano por violência. A violência faz parte da natureza humana e ela precisa ser canalizada de forma saudável para alguma válvula de escape como games, simuladores ou os esportes.

Pornografia: onde cristãos e feministas falam a mesma língua

Sobre a questão do estupro
Eu não acho que no Brasil exista uma "cultura do estupro". Acho que o que existe no país é uma subnotificação dos casos de estupro e a relativização do mesmo. A maioria dos casos de estupro não é registrado, e mesmo nos casos onde há a denúncia, nem sempre o estuprador é punido. O medo das ameaças, a desinformação, a humilhação, a dor e o constrangimento das vítimas são fatores que contribuem para um número de denúncias percentualmente menor para o crime de estupro. Já a relativização vem daquela história de fingir que sexo sem consentimento (ou contra a vontade) não é "estupro de verdade", que estupro é só nos casos extremos onde um estranho ataca a mulher na rua. Um caso clássico de relativização do estupro aquela história de que quando a mulher diz "não" ela quer dizer "sim". É justamente aí onde reside o problema quando envolve os homens. Os homens precisam parar de ficar fugindo desse assunto, relativizando a violência sexual e fingindo que ela não tem nada a ver com a gente. Estupro é assunto sério e precisa parar de ficar sendo jogado para debaixo do tapete com essa conversa de "eu não tenho nada a ver com isso". Todos nós temos a ver com isso porque vivemos em sociedade, em grupo, em coletividade. Se não está bom para todo mundo – e isso inclui as mulheres – não está bom para ninguém. Homens, deixem de falocentrismo e de cinismo. Pensem direito sobre o assunto e escutem o que as mulheres dizem. O mundo só vai mudar para melhor se todos nós mudarmos juntos.

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