sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Direita, esquerda e valores ideológicos


Apesar de existirem diferenças claras entre a direita e a esquerda política, não é novidade para ninguém que hoje a maioria dos partidos são híbridos neste aspecto. São poucos totalmente de esquerda ou totalmente de direita. Um dado interessante é que os conceitos de esquerda e direita hoje abrangem não apenas as questões econômicas (como apontam os diagramas políticos), mas também questões relativas aos valores ideológicos como um todo. A autora do blog Mundo Desalienado deu uma definição que achei bastante pertinente sobre o assunto e resolvi destacá-la para melhor compreensão deste post:

"Ao meu ver, a 'direita' sempre foi tida como a vertente mais adepta do conservadorismo e apoiadora do capital. A 'esquerda', por sua vez, regendo pela liberdade pessoal/de escolha e forte opositora do capital. Mas isso não quer dizer que alguém de direita têm que ser contra o aborto, a favor 'da moral e dos bons costumes', sair 'em defesa da família'. Em algum lugar entre a esquerda e a direita, existe ainda a extrema-esquerda, a extrema-direita, o centrismo, a centro-esquerda e a centro-direita, o anarquismo e o anarcocapitalismo."

Apesar da mudança de conceitos com o fim da Guerra Fria, há ainda quem use 'esquerda' e 'direita' apenas para se referir às questões econômicas, colocando esses dois lados como sendo meramente socialismo versus capitalismo. Na teoria, essa visão faz sentido, mas eu não vejo as coisas bem assim. Eu, em meu prisma pessoal da realidade, interpreto que à esquerda estão os movimentos de cunho social igualitário, enquanto que à direita estão os que prezam pela meritocracia individual – isso, claro, extrapola as questões econômicas porque tudo está interligado. Vale lembrar também que os termos 'esquerda' e 'direita' vieram da Revolução Francesa, onde o Terceiro Estado (povo) ficava à esquerda na assembleia nacional e a nobreza e clero ficavam à direita.
A seguir eu vou expor o que eu acho sobre algumas questões ideológicas que costumam definir se as pessoas são de esquerda, direita ou centro.

Diagrama com as posições políticas


Aspectos econômicos de esquerda
Já citei na postagem anterior que eu considero o mais justo dos capitalismos melhor que o mais justo dos socialismos. Mas antes que me chamem de burguesinho ou direitopata por isso, quero que fique claro que entre um socialismo justo e um capitalismo injusto, escolho a primeira opção sem pensar duas vezes. E é exatamente isso que eu vejo no caso do Brasil. Para quem não sabe, eu sou a favor da intervenção do Estado na economia, sou a favor da distribuição de renda e também sou a favor da redução de diferenças entre pobres e ricos. Mas tudo isso de forma democrática e com algumas restrições. Acho também que o Estado deve criar órgãos que dialoguem com o setor privado para definir sobre direitos trabalhistas que vigorem para todos sem prejuízos para as partes envolvidas. Não creio ser justo deixar o mercado cuidar de tudo sozinho, como defendem os anarcocapitalistas, uma vez que práticas como cartéis, monopólios e oligopólios são bastante frequentes quando não há um Estado influente para evitá-los. E diferentemente do que a direita defende, não acho que as desigualdades sociais sejam naturais e inevitáveis. O dinheiro deve ser medida de trabalho, e não de exploração.

Sem o Estado, a alta burguesia estará livre para fazer isso

Aspectos econômicos de direita
Apesar da minha inclinação esquerdista, sou favorável à propriedade privada, à existência de classes sociais (com menor desigualdade possível) e ao capitalismo. Eu acho o capitalismo um sistema econômico positivo, porque ele permite a ascensão social, o lucro, melhorias tecnológicas e um maior crescimento econômico. Além disso, empresas estatais são quase sempre problemáticas devido à sua deficiência em serviços e a sua precariedade de recursos. Pior que um monopólio privado é um monopólio estatal, porque os serviços são quase sempre burocráticos e a ausência de concorrência prejudica a economia. Neste aspecto, eu sou quase que inteiramente de direita. Como disse anteriormente, sou a favor da intromissão do Estado nos aspectos econômicos, mas não em tudo. Direitos como férias, jornada de trabalho, salário mínimo, décimo terceiro e previdência devem ser regulamentados para evitar a temível escravidão do salário e desproporções na mais-valia. Mas no resto, acho que a interferência do Estado traz mais problemas que benefícios devido ao excesso de burocracia e tributos. Existem outros aspectos que eu também me vejo mais liberal. Não acho correto, por exemplo, o governo tentar resgatar empresas que estão com dificuldades financeiras, pois acho que empresas mal administradas e mal planejadas precisam quebrar para que possam aprender com os seus erros. Também acho que privatizar pode ser uma boa opção dependendo do setor em questão. Mas acho totalmente bizarro os extremos de privatizar tudo ou mesmo estatizar tudo, pois cada caso é um caso. Creio que se o Estado não tem a menor competência para administrar um empreendimento, é melhor que torne-o privado, afinal, é dinheiro público sendo gasto à toa.

Como as coisas são hoje em dia

Conclusão
Apesar de ter uma maior inclinação à esquerda nas questões econômicas, eu não gosto desse rótulo. Concordar com mais aspectos de esquerda que de direita não me torna um socialista. Eu sou apenas um ser livre que não gosta de se definir, afinal, definir-se é limitar-se. Considero ser importante o equilíbrio entre forças de direita e de esquerda.

Valores de esquerda e direita

Aspectos ideológicos e sociais
Deixados de lado os aspectos econômicos, eu vou listar a seguir o que penso sobre as questões sociais – questões essas das quais as minhas tendências são fortemente liberais/libertárias (ou de esquerda, se preferir). A extrema-direita conservadora apelidou o liberalismo social de "marxismo cultural" numa tentativa de demonizá-lo, mas, independente do nome que receba, esse movimento tem ganhado cada vez mais força, para pânico dos reacionários, coitados. Pois bem, vamos lá:

Posse de armas
Sou a favor, porque, para mim, todos têm o direito de se proteger e de proteger a sua propriedade. Porém, sou a favor também da substituição gradual de armas letais pelas armas não-letais. O problema, na minha visão, não é a posse da arma, mas o risco de morte que ela traz. O direito de usar armas letais deveria ser exclusivo das Forças Armadas e das Tropas Especiais da polícia.

Migração
Sou totalmente a favor da migração de pobres porque ela ajuda no desenvolvimento econômico e social.

Homossexualidade
Todo mundo tem o direito de amar quem quiser, portanto, a homossexualidade deve ser encarada com a mesma naturalidade que a heterossexualidade. Além disso, a sexualidade é algo pessoal e individual de cada pessoa. Se você não gosta de gays, então não seja um. Também sou a favor do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por esses casais.

Pobreza
Na imensa maioria dos casos, a condição econômica de uma família é algo hereditário. Quem nasce burguês, tende a continuar rico; já quem nasce na miséria, tende a continuar excluído. Muitos falam que a meritocracia burguesa é justa, mas não há meritocracia alguma quando uns nascem com tudo e outros com nada. A violência vem em grande parte justamente desta desigualdade entre pobres e ricos.

Pena de morte
Sou contra, porque acho que não cabe ao Estado julgar se alguém deve viver ou morrer, além do risco de punir um inocente. A exceção fica por conta dos casos de legítima defesa.

Criminalidade
Como citei anteriormente, grande parte da criminalidade vem da desigualdade entre ricos e pobres. É absolutamente desumano que muitos sejam discriminados pela sua cor, pela sua cultura, pela sua condição social e ainda ter um péssimo acesso à saúde, à educação e ao saneamento básico. Isso gera revolta, violência e luta de classes. Se todos tivessem as oportunidades que as classes média e a alta têm, os números da violências seriam bem menores.

Maioridade penal
Reduzir a maioridade penal não reduz a violência, só aumenta o número de presidiários em penitenciárias que não recuperam ninguém. É preciso investir na ressocialização e na reeducação de jovens infratores. É um senso de justiça muito distorcido querer eliminar a pobreza apenas punindo e oprimindo mais. O problema deve ser resolvido em sua raiz, dando mais formação e oportunidades aos jovens.

Drogas
Algumas drogas mais leves, como a maconha, por exemplo, podem ser legalizadas, uma vez que é um direito do indivíduo querer usar drogas e sofrer sozinho as suas consequências. É melhor usar drogas comercializadas legalmente pelo Estado (com arrecadação de impostos), do que encher o bolso dos traficantes e alimentar a violência. E falando em traficantes, reprimir o tráfico é o mesmo que enxugar gelo, porque esta é uma guerra perdida. Sempre vai haver quem queira comprar e quem queira vender, seja a droga legal ou ilegal. E como já dizia o velho ditado: se não pode derrotar um inimigo, se alie a ele. Ou melhor: faça o seu inimigo se aliar a você.


Aborto
Sou a favor da descriminalização do aborto, porque o Estado não deve ter direitos sobre os corpos e os úteros das mulheres. Claro que deve haver uma regulamentação para evitar abortos em gestações avançadas, mas um amontoado de células intrauterinas não deve ter mais direitos que uma mulher adulta. Se você é contra o aborto, simplesmente NÃO o faça. Querer impor os seus valores morais, pessoais e religiosos sobre toda a sociedade é ditatorial e fascista. O direito à interrupção da gravidez deve ser livre. Do contrário, mais e mais mulheres morrerão em clínicas clandestinas. Afinal, sendo legal ou ilegal, quem quer abortar o fará de um jeito ou de outro.

Religião
A religião pode até servir de contenção para alguns criminosos, mas a mesma religião também pode servir de justificativa para se cometer atrocidades. Afinal, como disse o físico americano Steven Weinberg: "Com ou sem religião, pessoas boas farão coisas boas e pessoas más farão coisas más. Porém, para pessoas boas fazerem coisas más, é preciso religião."


Carga tributária
Não sou a favor da redução da carga tributária, sou a favor apenas de uma reforma tributária para distribuir os impostos de uma forma mais justa e que não atrapalhe o crescimento econômico do país.

Voto obrigatório
Sou a favor do voto facultativo. Primeiro porque é um direito do cidadão ser livre para votar ou não; e segundo porque o voto obrigatório permite a eleição de candidatos estúpidos como voto de protesto ou de alienação. O voto facultativo é exercido majoritariamente por pessoas que se interessam por política e ainda reduz despesas com as eleições. Além disso, o peso de um voto facultativo é maior porque o número de pessoas votando é menor.

Alistamento obrigatório (conscrição)
Sou 100% contra. Acho uma aberração que esta tradição da República Velha ainda seja mantida num país democrático. Deveria se alistar apenas quem quisesse e deveria morrer na guerra "pela pátria" (para defender os ideais políticos de uma elite dominante) apenas quem quisesse também. Apesar de não haver mais o serviço militar obrigatório na prática, é preciso riscar isso da nossa constituição em nome da liberdade dos seus cidadãos. A conscrição nada mais é um tipo de trabalho involuntário em defesa dos ideais do Estado. Portugal já aboliu essa prática medieval – e o Brasil, vai continuar nas trevas até quando?

Meritocracia
Sou a favor da meritocracia, mas desde que todo mundo saia em condições iguais. Enquanto um favelado não tiver condições de concorrer de igual para igual com um burguês, então não há meritocracia nenhuma.

Conclusão
Sou um libertário/liberal de esquerda. Não gostou?


Então toma! Rarará!

Leitura de apoio sobre esse tema:
Só existe esquerda e direita? E o que é isso?

2 comentários:

  1. Gostei de sua lucidez, apesar de discordar de vários pontos.
    Parabéns!

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    1. Obrigado pelo prestígio, Jônatas. Confesso que gosto mais das discordâncias do que das concordâncias, pois são as divergências com outros pontos de vista que me fazem crescer intelectualmente.
      Abraço.

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