A primeira viagem a gente nunca esquece |
Quem nunca sentiu vontade ou pelo menos curiosidade de saber qual é a sensação de se viajar de avião? Pois é, apesar da viagem de avião hoje em dia ser uma coisa absolutamente banal e democratizada, nem sempre andar de avião foi uma coisa tão popular. A primeira vez que eu andei de avião foi em meados de 1989 quando fui para o Rio de Janeiro. Apesar de ter apenas 5 anos de idade na época, eu me recordo com uma grande riqueza de detalhes daquela minha primeira viagem aérea. Eu lembro que, na época, viajar de avião não era para qualquer um, porque o preço das passagens era bem amargo para a maioria das pessoas comuns. Viajar de avião naquela época era coisa chique, de gente privilegiada. E eu tive a sorte de ter essa aprazível oportunidade.
Enfim, o meu primeiro voo de avião foi pela extinta Transbrasil e eu o fiz ao lado dos meus pais num voo direto do Recife para o Rio. Naquela época, eu era apaixonado por aviões e, inclusive, tinha um avião de brinquedo da Varig que funcionava por controle. E o meu grande sonho naquela época era, adivinhe só, ser piloto de avião! Diferentemente de hoje em dia, que eu sinto vontade de me esconder debaixo da cama só de ouvir falar em avião, naquele tempo eu estava muito entusiasmado e ansioso com a viagem. Eu estava empolgado não apenas com a viagem de avião em si, mas também com o fato de que eu iria conhecer o Rio de Janeiro, que era um lugar que eu havia idealizado como segundo melhor lugar do mundo para uma criança conhecer depois da Disney.
No dia da viagem, lembro de ter acordado de madrugada para partir para o aeroporto e mesmo tendo chegado muito cedo lá, o voo atrasou em pelo menos uma hora. Foram horas naquele salão de espera até ouvir o grande chamado para embarcarmos. O grande momento para mim foi quando subi as escadas para entrar no avião, porque eu estava realizando um sonho. Já dentro do avião, tive a oportunidade de olhar a cabine de comando e de me impressionar com a quantidade absurda de botões no painel de comando. Depois de me acomodar numa das poltronas, juntinho da janela, tive que esperar uma verdadeira eternidade para o avião começar a andar. As comissárias de bordo, mais conhecidas por aeromoças na época, passavam tantas instruções antes da decolagem que mais parecia que estavam preparando a gente para uma viagem espacial. Quando finalmente o lenga-lenga terminou, foi hora de apertar os cintos e se preparar para o momento de maior emoção: a decolagem.
A decolagem
Lembro que o avião começou andando bem devagar e fez algumas voltas até entrar na pista principal. Daí em diante, foi só emoção. A velocidade que a aeronave pegou foi impressionante para mim, que nunca tinha andando em nada que corresse mais que uns 80 km/h. E aí, de repente, a mágica aconteceu. O avião começou a levantar voo e a inclinar o seu nariz para cima. Uma pessoa medrosa com certeza teria entrado em pânico nessa hora, porque você se sentia empurrado contra a poltrona devido ao empuxo da aeronave. Apesar disso, eu me sentia numa espécie de brinquedo de parque de diversões e, por incrível que pareça, não tive a menor noção do perigo, achando tudo aquilo muito divertido. Após alguns minutos subindo, finalmente o avião voltou a ficar na horizontal e se estabilizou. A sensação que dava dali em diante era que estávamos parados, como em terra firme – apesar das nuvens em movimento lá fora mostrarem que estávamos, sim, nos deslocando a uma grande velocidade.
Sonhando alto
Acho que uma das recordações mais notáveis dessa viagem foi a da 'batnuvem'. Sim, eu vi uma nuvem escura gigantesca que era igualzinha ao símbolo do Batman bem do lado do avião. Sabe aquela mania que criança tem de ver formas de coisas nas nuvens? Pois é... Logo depois eu vi outra nuvem que parecia um dinossauro e mais outros formatos engraçados. Cansado de toda essa maratona, dei uma cochilada pensando numa coisa inocente e curiosa ao mesmo tempo. Eu pensei em dormir porque caso ocorresse um acidente, eu morreria dormindo e não sentiria nada. Mal eu sabia que em iminência de acidente, a única coisa que não daria para fazer era justamente dormir. Mas enfim, sabe como criança é...
Comida ruim
Quando acordei do sono, foi para fazer um lanche. Eu não sei como as coisas são hoje em dia, mas naquela época, a comissária passava com várias bandejas servindo os passageiros. Eu lembro também que era comum as pessoas "roubarem" os talheres dos aviões, porque eles eram de alumínio e pequenos – tanto é que aqui em casa ainda temos de recordação um garfo da Varig. Como eu estava com uma fome cabulosa, peguei foi tudo que serviam: pão, queijo, presunto, geleia, requeijão, manteiga, bolacha, leite, café, açúcar, adoçante, sal, palito de dente, etc. Porém, o sabor da comida do avião era simplesmente horrível: o queijo tinha gosto de isopor, o pão parecia que tinha ficado um mês guardado no freezer, a bolacha não tinha gosto de nada, a geleia não tinha açúcar, o leite parecia que tinha sido misturado com água. O negócio era pior que comida de hospital. Enfim, o lanche foi um horror. E acho que foi por causa dele que aconteceu um pequeno desarranjo em seguida...
O banheiro
Sério: o menor banheiro que eu entrei na minha vida foi o de um avião. Eu acho que o banheiro do avião tinha no máximo um metro quadrado, porque mal cabia uma pessoa naquele cubículo de nada. E o pior que eu entrei junto com a minha mãe, o que quase não foi possível porque mal dava pra fechar a porta. Uma pessoa gorda não tinha a menor condição de caber naquilo ali. E para piorar, o cidadão que havia saído do banheiro antes da minha entrada tinha causado uma poluição atmosférica de matar qualquer um por intoxicação com o fedor. Era a falta de espaço misturada com catinga de merda junto. Pense numa desgraça. Mas como eu também estava com uma dor de barriga mitológica, nem liguei muito pra isso e também deixei minha contribuição na poluição do local. Quando dei a descarga, eu fiquei me perguntando onde foi que o cocô foi parar, porque, na minha cabeça, aquela sujeira toda devia ter saído pelo ralo do avião e caído do céu que nem bosta de pombo. Pois bem, o que importa é que eu sobrevivi de qualquer jeito. Depois dessa odisseia, resolvi voltar a dormir novamente.
A aterrissagem
Quando estava perto da chegada do nosso destino, minha mãe me acordou e mostrou que já dava para ver novamente o solo lá embaixo. Naquela manhãzinha ensolarada, eu via os automóveis e as árvores bem pequenininhos como a gente vê hoje com a ajuda do Google Maps, só que com tudo se movendo ao mesmo tempo. Aí a comissária passou mais instruções, colocamos os cintos e esperamos a nave aterrissar.
O que meteu medo em muita gente foi que para se alinhar com a pista de pouso, o avião fez uma volta que o inclinou um pouco de lado. Apesar dessa manobra ser corriqueira, os marinheiros de primeira viagem do meu lado pareciam meio apavorados. Eu, que não tinha nada a ver com isso, achei o máximo.
Foi então que o avião foi baixando até o trem de pouso bater no chão umas três vezes antes de aderir ao solo com firmeza. E essas batidas dos pneus no chão também deram um pouquinho de adrenalina, porque eu achei que seria um pouco mais suave, mas enfim, achei da hora também.
Sem incômodo nos ouvidos
Uma coisa que muita gente reclama nessas viagens é com relação ao desconforto nos ouvidos por causa da variação de pressão. Eu confesso que não lembro de ter sentido nada disso. Não tive mal estar, nem dor de cabeça, nem dor de ouvido e nem tontura. Eu achei toda aquela experiência simplesmente irada. Também não passei por turbulência ou coisa parecida, foi uma viagem tranquila. Quando fui saindo do avião, estranhei que a gente teve que sair por uns túneis até entrar na área de desembarque do Galeão. Eu tive a impressão que a gente meio que se 'teletransportou' do avião para o aeroporto.
Voar, voar; subir, subir |
Por fim
Não tenho nenhum registro fotográfico dessa aventura porque nos anos 80 era complicado e caro ter uma máquina fotográfica. Mas as imagens mentais que ficaram duram até hoje. Eu não sei se teria coragem de andar de avião novamente, mas certamente dessa vez não seria tão divertido, porque avião entrou para a minha lista de medos oficiais depois de adulto. Mas quem sente vontade de andar de avião e nunca andou, recomendo que junte uma graninha e viaje numa boa, porque com certeza será pelo menos uma experiência nova e divertida na sua vida. Pelo menos assim espero.
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