Já tem mais de dez anos que eu debato sobre sexualidade, objetificação, pornografia e prostituição na internet. E, invariavelmente, quando se fala dos problemas da sexualidade humana, fala-se, majoritariamente, do grande bode expiatório que foi criado para se desviar o foco dos verdadeiros problemas: a pornografia. Igrejas, feminismo abolicionista, NoFap, ativismo e até alguns grupos progressistas são consonantes no que se diz respeito a pornografia: todos são contra ou, pelo menos, fazem críticas muito severas a ela por enxergarem na mesma a essência de todo o mal. E entre as críticas estão sempre as mesmas argumentações: vitimização das mulheres (exploração, degradação, abusos, etc), vício trazido pelo acesso livre a pornografia e a falta de um sexo que inclua o prazer feminino. Porém, como irei explanar melhor adiante, é preciso entender que a pornografia não é causa, é consequência.
Se a gente for parar para analisar os principais problemas envolvendo a pornografia, vai ficar evidente que eles vêm de duas fontes principais: 1- do machismo estrutural e 2 - da falta de educação sexual nas escolas. E estes, sim, são os dois principais problemas que afligem a sexualidade humana como um todo. O problema, ao contrário do que muitos pensam, não está na pornografia em si, porque ela não existe isoladamente em um mundo isento de problemas. A pornografia é, na verdade, um reflexo do mundo que vivemos. Se queremos melhorar a sexualidade humana, temos que parar de centrar fogo na pornografia e procurar melhorar esse mundo horroroso em que vivemos.
O terror dos moralistas. |
Na época que eu participava do extinto Yahoo Respostas, tive um colega chamado Alexandre que me deu uma resposta bem interessante para um velho questionamento. Eu perguntei quem é que ensinava os meninos a transar, uma vez que o que os meninos aprendem vem ou da pornografia mainstream, ou daqueles papos bem machistas que rolavam entre os amigos inexperientes (que eu chamo de a 'gangue'), ou então da prostituição. Mas em nenhuma dessas "escolas da sexualidade" incluía-se o prazer feminino, os sentimentos, as preliminares, as carícias e o envolvimento fora da cama. Então quando os meninos arrumavam uma namorada ou se casavam, ao irem para a cama com elas, repetiam o que haviam aprendido nos filmes, nos prostíbulos ou com a 'gangue', tornando suas parceiras insatisfeitas por as tratarem como uma espécie de boneca inflável. Pois bem, a resposta do meu amigo Alexandre para essa pergunta foi que o amor é que ensinava os meninos a transarem. Isso porque era o amor que fazia com que eles se doassem, se importassem com suas parceiras e, assim, tornassem o sexo uma atividade feliz e prazerosa para o casal e não só para o homem. Eu concordo parcialmente com essa resposta. Isso porque de nada adianta o amor sozinho se você não tem o conhecimento para colocá-lo em prática. É por isso, entre outras coisas, que a educação sexual é importante. Os meninos precisam saber dialogar, precisam saber ouvir suas parceiras, precisam aprender o que as excita, precisam aprender a respeitar os seus limites, precisam saber quando elas estão excitadas, saber sobre regiões erógenas do corpo, sobre massagens, sobre a sinestesia do prazer e até um pouco de psicologia para conduzir a coisa de maneira menos egoísta. O amor abre a sua mente, mas é a educação sexual que vai te dar o conhecimento.
Educação sexual ajuda a evitar abusos. |
Na minha humilde opinião, nós não temos que combater a pornografia, porque além disso ser inútil, não atinge a raiz do problema. O que a gente tem que fazer é combater o sexismo e incluir conhecimento, educação e aprendizado sexual na cabeça dos nossos jovens. E educação sexual não é só sobre como evitar gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis: é sobre tornar pessoas mais felizes, é sobre evitar abusos, é sobre tornar o mundo menos desigual e, quem diria, sobre como devemos nos amar.
Ninguém vai virar um estuprador por causa disso. |
Quanto ao jovem que se sente culpado por ver pornografia, a dica que dou é que vá assistir o seu filme em paz e mande para a PQP esse povo moralista e cego que acha que o problema do mundo está no filme pornô. Os grupos antipornografia são hipócritas, infantis e simplistas. Degradação da mulher e exploração estão em todos os lugares da sociedade e não apenas na pornografia e na prostituição. De nada adianta abolir a pornografia e a prostituição se o mundo continua machista, misógino, burro sexualmente e cheio de falso moralismo. Nenhum desses moralistas criticam mulheres grávidas trabalhando em condições insalubres, atletas do sexo feminino que são submetidas a torturas para atingir a alta performance, empregas domésticas em regime de semiescravidão, casamentos abusivos onde as mulheres são estupradas pelos próprios maridos... Aliás, NENHUM moralista é contra o casamento e contra os relacionamentos monogâmicos, sendo que eles são a causa número 1 de feminicídio no planeta Terra. Então toda essa ralé subintelectualizada que mente ao colocar na pornografia todos os problemas da nossa sexualidade está apenas ocultando e trabalhando a favor dos reais problemas. A única coisa que eu exijo de quem assiste pornografia é o conhecimento de que aquilo é uma caricatura da sexualidade humana. É mais ou menos como um filme de super herói, porque é cheio de exageros e mentiras voltados para uma performance voyeur e falocêntrica. Mas é só. Pornografia (praticada consensualmente entre adultos) é uma forma de escapismo e entretenimento sexual: e não um crime. E se houver crimes nos bastidores da indústria pornográfica, que estes crimes sejam combatidos e não a pornografia.
Único risco real da pornografia. |
0 comentários:
Postar um comentário