Perambulando pela internet, acabei me deparando quase sem querer com um vídeo da jornalista Rachel Sheherazade onde ela resolveu falar sobre a tal objetificação das mulheres. O vídeo tem menos de 40 segundos. Se quiser conferir, ele está anexado logo abaixo.
O que a jornalista faz basicamente neste vídeo é usar aquele velho discurso moralista de que as mulheres precisam "se valorizar" para não serem "mulheres-objeto" nas mãos dos homens 'malvados' e da publicidade que usa e abusa da imagem feminina para vender seus produtos.
Eu discordo da jornalista quando ela pressupõe que as tais mulheres-objetos nunca serão valorizadas enquanto não deixarem de ser "objetos". Acho covarde desvalorizar uma pessoa pelo fato dela estar ganhando dinheiro com a venda da sua imagem na publicidade. Aliás,
não é de hoje que essa Sheherazade diz bobagens. Ela sempre demonstrou ser uma conservadora que copia discursos reacionários de sujeitos como Boris Casoy e José Luiz Datena. E esse seu discursozinho moralista é o mesmo usado pelo pastor Silas Malafaia, como mostrei
neste post.
Nada do que Rachel Sheherazade tenha dito nesse vídeo foi surpresa para mim, que já vi muita gente – especialmente religiosos e feministas abolicionistas – insistirem nesse discurso da objetificação. E moralistas por moralistas, para mim, eles são todos caranguejos do mesmo mangue.
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Bah, eu já sabia... |
Uma explanação sobre o tema
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Objetificação artística |
Ok, eu sei que esse assunto já encheu o saco e que ninguém aguenta mais ouvir falar dele aqui no blog, mas eu preciso dar alguns esclarecimentos finais sobre ele antes que apareçam pessoas exaltadas me acusando de machismo.
A palavra "objetificação" (ou objetização) foi um neologismo cunhado pelas feministas abolicionistas quando elas se indignaram com a forma passiva e sexualizada com que muitas mulheres passaram a se destacar na nossa cultura.
No meu vocabulário, objetificar é dar a um ser humano um tratamento de objeto. Porém, aquela ideia de que uma mulher costuma ser mais valorizada por ter um corpo bonito do que por ser inteligente e competente foi que acabou se tornando o estopim para essa nova categoria de reivindicação dentro do feminismo.
Para dar uma noção do drama, num
site qualquer da internet, encontrei a seguinte argumentação que atacava o Concurso da Garota Globeleza:
"A mercantilização da nossa sexualidade é naturalizada para que as mulheres sejam cada vez mais exploradas. Nesse concurso, tentam mais uma vez nos afirmar como coisas, objetos sexuais, sendo assim, nulas de vontade, nascidas para atender ao desejo masculino. Um lucrativo produto vendido nas propagandas, no Carnaval, nas Copas do Mundo e esquinas das avenidas."
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Não existe mulher-objeto |
Para quem captou a essência do discurso acima, a ideia central dele é de que as mulheres viraram um "produto" que é "vendido" para atender o desejo masculino (o mesmo discurso usado pela jornalista lá em cima). Dessa argumentação vem toda aquela hostilização não só com relação à forma com a qual a mulher é representada, mas também com relação à própria mulher. E é aí que está o perigo.
O perigo é justamente a criação do estereótipo de "mulher sem valor" e do próprio preconceito que se cria acerca dessas mulheres. As pessoas precisam entender que nós todos somos livres para usar nossos corpos como atrativo para publicidade, para estampar capas de revistas ou mesmo como meio de conquistar poder e fama.
Ninguém é fútil por ser belo ou por vender a sua própria beleza. O que deve ser evitado, ao meu ver, são apenas os padrões ditatoriais de comportamento. Se as mulheres fossem obrigadas ou tivessem apenas como opção de sobrevivência vender o próprio corpo através da exploração da sua beleza, aí, sim, seria um grande problema. Mas não é isso que acontece. As mulheres são livres nesse aspecto e, ao contrário do que pensam os moralistas e pseudo feministas, mulheres têm sim inteligência e vontade própria para decidir o que querem fazer com suas vidas e com seus corpos. Esse feminismo encrenqueiro que é contra a sensualidade e contra o uso do corpo feminino na publicidade deveria exigir, ao invés de uma censura infantil, uma maior participação também de homens bonitos e atraentes nessas mesmas condições.
O feminismo tem que lutar por igualdade, e não por demagogia moralista. O que me dói nessa história toda é que enquanto as feministas abolicionistas querem o fim do desfile do Miss Brasil ou do Concurso da Garota Globeleza, há milhares de mulheres sendo submissas aos seus maridos, sendo literalmente comercializadas por cafetões através do tráfico humano e sendo tratadas com desdém em hospitais por sofrerem de fortes cólicas menstruais ou por terem sido estupradas. Esses últimos exemplos, sim, são a verdadeira e perigosa objetificação da mulher, porque as rebaixa da sua condição de seres humanos
contra a vontade delas.
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Quem acusa uma mulher de "ser objeto" é que está a objetificando |
A falada "hipersexualização" do corpo feminino não torna nenhuma mulher um objeto sexual. Não torna exatamente porque a beleza, a sensualidade e a sexualidade são naturais.
O que torna alguém um objeto sexual é o tratamento que é dado a essa pessoa. O que ocorre é que pelo fato de vivermos numa sociedade machista e homofóbica, a imagem sensualizada e hipersexualizada do homem não é explorada. As feministas não têm que ficar repetindo o discurso moralista de religiosos hipócritas: elas precisam exigir e lutar por igualdade. Insisto na questão: por que não exigem também a presença de homens sensuais e bonitos na mídia ao invés de condenarem as mulheres que aparecem seminuas na tevê que estão ganhando dinheiro e prestígio?
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Por que somente as mulheres ficam famosas por seus bumbuns? |
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Garota-propaganda ou objeto? |
Eu sei que eu estou ficando repetitivo, mas esse discurso de "vitrine sexual ambulante" com relação às mulheres que dançam, que usam pouca roupa, que fazem poses com "apelo sexual" e etc é exatamente o discurso da direita cristã conservadora que foi responsável pelo fim dos seios femininos expostos na tevê usando esse mesmo argumento.
Se não fosse por esse moralismo parcial que vê sexualização em tudo, talvez amamentar em público não fosse algo tão mal visto hoje em dia. Tudo isso é, na verdade, um machismo "bonzinho" oculto por trás do discurso moralista de "proteger as mulheres da exploração sexual e da mercantilização do sexo". O cachê que algumas mulheres recebem para posar nua na
Playboy supera com folga a grana que muitos jogadores de futebol levam um ano inteiro para conseguir.
Dinheiro e prestígio nas mãos das mulheres é exatamente o que o machismo não quer. Esses discursos de controle da liberdade feminina é que são sexistas e repugnantes. A gente precisa parar de repetir feito papagaio por aí essas ideias moralistas e parar também de encarar as coisas como se tudo fosse uma questão sexual. Existem exageros na forma como se exibe o corpo feminino? Sim, sem dúvidas: e o problema está justamente nesses exageros. Mas ficar dando uma de paladino puritano defensor da moral e dos bons costumes para "libertar as mulheres de sua vagabundice" certamente não é a solução para isso. É preciso foco nos reais problemas e chegar a um consenso sobre o que é tolerável ou não.
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Arte ou degradação? |
O que causou esse
'boom' de imagens de corpos sensuais na publicidade e a exploração de promessas de satisfação sexual foi justamente a falta sexo no mundo.
Este post do blog
Subvertidas fala justamente sobre a essência dessa questão. E a promessa do sexo ou da satisfação sexual – principalmente através do sentido da visão – leva a mídia e a publicidade a explorar tanto essa nossa fraqueza. Nos passamos a consumir os produtos porque queremos aquela mulher ou porque queremos ser como aquela mulher. Enquanto essa nossa questão sexual não for bem resolvida, iremos continuar a dar suspiros e a ter sudorese diante de belos corpos na tevê.
Portanto, baseado em toda esta discussão, eu resolvi separar o que eu considero ser objetização (boa e má) daquilo que não considero ser objetização. Vale salientar que para muitas pessoas, a objetificação sequer existe por ela se tratar de um neologismo vitimista ou de uma interpretação errada dos fatos.
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Protesto contra o tipo mais nocivo de objetização |
Objetização saudável:
Este tipo de objetificação estabelece, essencialmente, uma correlação
metafórica recíproca entre o corpo humano e objetos inanimados. Aqui, o corpo humano ou se comporta como se fosse um objeto, ou é representado como um objeto, ou o inverso: quando algum objeto passa a representar o corpo humano. Quase sempre esta objetização possui alguma conotação artística ou age como chamativo visual para capturar a atenção do seu público-alvo. Exemplos a seguir:
Sadomasoquismo e BDSM
Estátuas (representação humana)
Bonecas infláveis ou Sex Dolls
Manequins
Artes performáticas (fotografia)
Embalagens
Ginóides
Pessoas atraentes como chamativo publicitário
Partes do corpo humano como objeto de uso
Objetização nociva:
A principal diferença da objetificação saudável para a objetificação nociva é que esta última estabelece uma correlação
real (e não mais metafórica) entre corpo humano e objetos. Isso determina, quase sempre, uma relação de posse, propriedade, invasão, escravidão, controle, submissão, diminuição, desrespeitos e preconceitos contra o alvo da objetização. O que torna uma objetização má é o tratamento e o reforço de padrões sexistas. Exemplos abaixo:
Tráfico humano
Posse ou propriedade de pessoas
Inferiorização
Estereótipos sexistas
Padrões normativos de beleza
Discriminação de gênero
Depreciar publicamente as pessoas
Assédio
Não é objetização:
Na minha opinião, roupas sensuais, pouca roupa, sensualidade, postura corporal, nu artístico, erotismo, dança, fotografia, desejo sexual, concursos de beleza, pornografia e prostituição
não são formas de objetificar ou destratar as pessoas. Se as pessoas são livres para fazer o que quiserem com os seus corpos, quem somos nós para julgá-las?
PS: não usei imagens de homens objetificados como exemplo neste post justamente porque o post foca a objetização da mulher. Enfim, espero que esse assunto tenha morrido por aqui.