Se você perguntar para qualquer político elegível num debate se ele é de esquerda ou de direita, a resposta vai ser sempre a mesma. Ele não vai se assumir de esquerda, direita ou centro para não criar repulsa de nenhum lado opositor e vai usar aquele discurso mais batido que bengala de cego de que não existe mais esquerda e direita, que o importante é cuidar das pessoas, que o importante é melhorar a saúde, a educação e a segurança pública e fazer o país crescer, e toda aquela conversa demagoga de sempre. Como eu não sou político e não tenho rabo preso com ninguém, estou livre, como cidadão, para revelar minha posição política, que é de esquerda. Mas por que eu me considero de esquerda? Vamos refletir antes sobre o básico.
O Brasil é um país em desenvolvimento com um alto índice de desigualdade social e econômica, fato. A esquerda (moderada) é a favor da redução dessas desigualdades e de uma política econômica baseada no keynesianismo, promovendo um crescimento econômico igualitário e dando o devido valor à classe trabalhadora. Já a direita é justamente o oposto: é individualista, elitista, neoliberal e concentradora de renda na mão de minorias. Querem enriquecer os patrões às custas do suor dos trabalhadores e fazer privatizações em massa. A ideia de "Estado mínimo" defendida por eles só serve para beneficiar os abastados e manter os ricos ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres. Só isso já explica o porquê da minha inclinação à esquerda.
É muito fácil defender o status quo e o liberalismo econômico quando você faz três refeições por dia, quando tem casa própria, quando tem um bom salário e uma boa perspectiva de futuro. Mas e as outras pessoas? E os mais pobres? E os que NASCERAM mais pobres? Pessoas pobres têm sonhos, têm necessidades básicas que precisam ser supridas, têm desejos e têm a mesma vontade de vencer na vida como qualquer outro ser humano. O problema é que as barreiras sociais e econômicas impostas a eles desde o nascimento são completamente atrozes se comparadas às da classe média e às da alta burguesia. As desigualdades econômicas e de classe nesse país (e em boa parte do mundo também) são absolutamente desproporcionais e aterradoras. Enquanto uma doméstica ganha um salário mínimo (que mal chega aos R$ 800) a duras penas, um banqueiro ganha milhões (e até bilhões em alguns casos) sem maiores esforços. A distribuição de renda é completamente injusta, porque você superconcentra o dinheiro da nação na mão de uma meia dúzia de indivíduos e a esmagadora maioria da população é que precisa repartir o resto que sobra. Eu não estou dizendo que o Estado tem que roubar do rico para dar para o pobre, o que eu defendo é uma distribuição de renda justa. Um banqueiro, por melhor e mais competente que seja, não merece receber um rendimento mensal 500 mil vezes maior que um proletário que tem uma carga e uma jornada de trabalho muitas vezes maior que a do banqueiro.Aí vem um gaiato dizer que eu sou "esquerda caviar". Primeiro que eu nunca comi caviar, segundo que não preciso passar fome para ter empatia pelos mais pobres e terceiro que eu sei que é uma questão de justiça e bem-estar social cuidar das pessoas menos favorecidas economicamente. Aí vem outro gaiato e diz para eu "ir para Cuba". Ora, Cuba é um país que está em situação precária há décadas por causa de um embargo econômico totalmente covarde e desumano protagonizado pelos EUA. Isso sem falar na queda de países "socialistas" parceiros de Cuba que desapareceram com a extinção da URSS, deixando Cuba em situação de calamidade total. Fora que Cuba nem socialista é. O que ocorre em Cuba é um capitalismo de Estado no pior sentido que essa expressão puder ter. Então mandar alguém para Cuba é uma forma desonesta de argumentação.
Eu não me considero um socialista propriamente dito, porque o socialismo tem o problema de rejeitar e oprimir a natureza gananciosa do ser humano, o que só torna esse sistema possível através de ditaduras. Além do fato do socialismo não dar o incentivo capital necessário para gerar mais inovações - já que o capitalismo premia as ideias mais inovadoras, fazendo as pessoas encontrarem as melhores soluções mais rapidamente, estimulando, assim, o rápido avanço tecnológico. Eu me considero um social democrata, que mantém o capitalismo com regulação estatal de modo a preservar o próprio capitalismo, já que o mercado é predatório e naturalmente gera cartéis, monopólios e oligopólios. Os anarcocapitalistas que me desculpem, mas o capitalismo só funcionaria sem Estado se os seres humanos tivessem um comportamento exemplar e se os recursos naturais fossem infinitos.Por que a direita no Brasil ainda é tão forte?
O Brasil, atualmente, está se tornando cada vez mais de direita. Basta ver a quantidade de gente "liberal" nessas manifestações anti-PT e todo o persistente e contagioso discurso rancoroso de gente de direita na internet e na mídia em geral. A falsa ideia de liberdade transmitida pela direita é um ponto que tem convencido muita gente, especialmente da classe média, de que "menos Estado" é a solução para o crescimento econômico e também para combater a corrupção. A classe média, que sustenta o país com seus impostos, se sente roubada pelo PT devido aos sucessivos escândalos de corrupção - daí que os intelectuais da direita aproveitam e soltam a armadilha: "Sua vida está ruim porque o governo é de esquerda, porque o PT é de esquerda" e "A esquerda te rouba através de impostos e da corrupção". E assim a esquerda vira um verdadeiro câncer para essas pobres pessoas que sofreram uma lavagem cerebral gratuita e maniqueísta dos reacionários neoliberais. O problema aí é que o PT, apesar de ainda ter um estatuto progressista e ter raízes sindicais, não é mais um partido de esquerda propriamente dito. O PT hoje é centro-esquerda e cada vez mais está aderindo a agenda neoliberalóide para se manter no poder. Isso tanto é verdade que até banqueiros estão saindo em defesa do Partido dos Trabalhadores. Mas a lavagem cerebral da direita reacionária é tão eficaz, que cega as pessoas politicamente indecisas ou levemente orientadas à direita com exemplos como esses aqui. Aí o resto é consequência.Devido ao passado colonial, aristocrata, escravocrata, conservador, monárquico, militarista e pela forte presença dos EUA, o Brasil é, desde 1500, uma nação governada e planejada pelas elites. As ditaduras pelas quais passamos e os golpes de Estado mostram que a inclinação antiesquerdista foi predominante na nossa história. Os governos, mesmo os mais à esquerda, precisam passar pela aprovação das elites para terem suas campanhas financiadas e se elegerem. Não há escapatória a não ser fazer o jogo da direita, de modo que mudanças sociais são lentas e difíceis. E o grande desafio de ser de esquerda hoje em dia é lutar contra toda essa dominação elitista que o Brasil sempre teve sem ter que apelar para uma revolução brasileira à francesa.
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