terça-feira, 1 de abril de 2014

A pesquisa do Ipea e a cultura do estupro


O assunto não é novo, mas a relevância dele é tão indiscutível que não há mais como ser ignorado. Recentemente, uma pesquisa do Ipea mostrou que 65% dos entrevistados são condizentes com a violência sexual nos casos onde a mulher usa roupas que mostrem o corpo. Quando eu vi o resultado dessa pesquisa no jornal, cheguei até a engasgar: como assim concordam total ou parcialmente com uma violência dessas?? E a pesquisa ainda foi mais longe, colocando não apenas as roupas, mas também o comportamento da mulher como fomentador de estupros para a maioria dos entrevistados. A pesquisa é mais ampla, mas eu vou focar apenas nessa questão da violência contra a mulher baseada na roupa ou no comportamento dela – violência esta que recebe o nome de 'cultura do estupro' por culpabilizar a vítima e tratar esta violência como algo aceitável. E se por acaso você acha que o estupro é uma "bobagem", saiba que o estupro é um crime hediondo que tem como objetivo unicamente humilhar e causar sofrimento à vítima. Vamos adiante:

Dados preocupantes
Nem a burca evita o estupro
Eu já disse algumas vezes neste blog que não confio em estatísticas, pois ela podem ser facilmente manipuladas. Mas mesmo se essa pesquisa mostrasse que 1% dos entrevistados fosse a favor da violência contra as mulheres só por causa da roupa delas, ainda assim seria algo alarmante, porque 1% numa população de 200 milhões de pessoas (mantendo a proporção da amostra) daria 2 milhões de pessoas! E o que dizer de 65%? Alguém tem um Lexotan por aí para me acalmar?
Outra coisa bizarra mostrada nessa pesquisa é sobre a avaliação em si das roupas. Como vamos avaliar se uma roupa mostra o corpo "além do necessário"? Será que um estuprador usa uma régua para medir o comprimento da saia das vítimas? Ou será que isso é arbitrário ficando a critério do psicopata que quer praticar a violência? Toda mulher corre o risco de sofrer violência, independente da roupa que usa. Esse foco direcionado para as roupas das mulheres é apenas uma desculpa para livrar os criminosos. A roupa não estupra ninguém, quem estupra é sempre o estuprador.

A culpa é da vítima?
Dor e culpa pela violência sofrida
Pois bem, essa tolerância com relação à violência sexual só mostra o quão doentia e misógina é a sociedade em que vivemos. Mesmo se a pesquisa fosse feita entre criminosos numa penitenciária, esses índices seriam inaceitáveis. Aliás, diga-se de passagem, pesquisas feitas com estupradores comprovam que eles sequer se lembravam da roupa que as vítimas usavam. Eu, como pacifista, repudio toda e qualquer forma de violência, mas nesse caso há um agravante: a culpabilização da vítima. A vítima nunca, jamais, em hipótese alguma pode ser culpada por uma agressão que sofreu! É cruel e desumano aumentar ainda mais o sofrimento de uma vítima de violência fazendo ela se sentir culpada pelo abuso sofrido. Dizer que a roupa estimula a violência é um absurdo, porque se fosse assim os índices de estupro em praias de nudismo seriam estratosféricos – e, em contraponto, o estupro em países onde mulheres usam burcas seriam inexistentes: fatos esses que estão muito longe de serem reais. Isso reflete naquilo que tantas feministas estão cansadas de afirmar por aí: que o terror da cultura do estupro é real. Enquanto as pessoas não compreenderem que a culpa é sempre do estuprador, nossas mães, irmãs, filhas, amigas e netas estarão correndo riscos nas ruas. Por acaso é nesse mundo que você deseja viver? Além disso, esses imbecis inconsequentes que são a favor das mulheres serem atacadas estão queimando o filme dos homens que repudiam esse tipo de atitude. É revoltante você ter que ver mulheres ter medo de você na rua por causa de uma mentalidade misógina que engrossa o caldo dessas pesquisas.

Quer dizer então que elas merecem ser estupradas?

Grupos conservadores dizem por aí que as mulheres hoje em dia se vestem com menos pudor que as prostitutas de antigamente e que isso alimenta o desejo desenfreado do sexo masculino. Sério mesmo? Estranho vivermos numa sociedade onde a maioria é cristã e, ainda assim, grande parte dela tolera ou pratica crimes sexuais, sejam as tais 'encoxadas' no transporte público ou mesmo os estupros. O próprio discurso da objetificação, tão mal usado hoje em dia, acaba se fortalecendo quando as mulheres se sentem objetos prontos para serem atacados por homens maníacos. Enquanto as mulheres não passarem a ser respeitadas como seres humanos, esse clima de insegurança e de medo não desaparecerão.
É claro que uma mulher com menos roupa fica mais atraente, mas isso não dá direitos de ninguém atacá-la e nem justifica qualquer forma de violência. Essa desculpa serve apenas para controlar as mulheres em nome da "moral e dos bons costumes".

Não devemos achar tolerável que o estupro seja algo justificável

Desculpas esfarrapas
Violência não tem graça nenhuma
Quanto ao argumento de que os homens não podem se controlar por causa da testosterona, ou por causa do nosso passado evolutivo, ou seja lá qual for a razão, isso é apenas uma justificativa estúpida e covarde para o estupro. Se fosse assim, homens homossexuais (que também são homens) sairiam estuprando todos os homens sem camisa que vissem pelas ruas – ou será que os homens estuprados nas cadeias usavam roupas "apelativas"? Se um homem está desesperado por sexo, que procure então uma garota de programa, ou uma mulher que tenha interesse recíproco em transar com ele, ou compre uma boneca inflável ou mesmo que se alivie sozinho, afinal, pra que serve mesmo o Redtube?  Reitero: nada justifica a violência contra as nossas meninas (e nem contra os nossos meninos também, afinal, ninguém merece ser estuprado). A principal causa para essa mentalidade, além do machismo, é a impunidade e o medo das vítimas de denunciarem os agressores.

Para os que não foram convencidos ainda, saibam que os abusos sexuais não são toleráveis nem mesmo se uma mulher resolver andar nua na rua. Se uma mulher (ou homem) andar sem roupa pela rua, deve-se chamar a polícia e fim. O respeito ao semelhante continua a existir independente de como essa pessoa se veste ou age. Seres humanos do sexo feminino não existem para serem bonecas infláveis de homens insensíveis ou psicopatas. O respeito não deveria ser um privilégio, mas sim uma obrigação de todos.

Atualização: Mesmo com o erro constatado na pesquisa do Ipea onde "apenas" 26% das pessoas entrevistadas achavam que mulheres com roupas curtas mereciam ser atacadas, esse índice ainda é preocupante. 26% é mais de 1/4 do total, o que é muita coisa. Como disse anteriormente, mesmo que o índice fosse de 1%, ainda seria alto se tratando de valores absolutos.

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