terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sofrimento feminino


ualquer pessoa com o mínimo de conhecimento sobre história e sociologia deve ter percebido que – em quase todas as culturas – as mulheres sofreram mazelas sociais apenas por serem mulheres


Existem inúmeros países onde até hoje as mulheres são tratadas como propriedade pessoal dos homens e recebem menos dignidade que animais. É absolutamente aterrador saber que mesmo no século XXI ainda existam meninas que são mutiladas, torturadas e obrigadas a esconder seus corpos debaixo de burcas pesadas e sufocantes. E nem é preciso ir tão longe para vermos absurdos: aqui mesmo no Brasil temos tráfico humano, exploração sexual, mulheres em regime de semiescravidão, repressão social, violência doméstica, entre outros absurdos que ferem a ética e os direitos humanos.

Apesar de todos esses problemas graves que as mulheres enfrentam, eu gostaria de chamar atenção neste post também para outros problemas que muitas vezes passam despercebidos ou que são vistos como coisas normais. Existe um grito de dor abafado dentro da grande maioria das mulheres, que sofrem caladas diante de uma angústia que somente elas sentem. Não é fácil lidar com frustrações no casamento, na maternidade, no trabalho e com aflições psicológicas envolvendo questões íntimas, emocionais e sociais. Talvez, por tudo isso, o uso de antidepressivos entre as mulheres seja tão elevado. Falta um debate mais franco e aberto sobre esse assunto, pois existe uma preocupação excessiva na abordagem clínica dos sintomas, deixando de lado as raízes das mazelas que, não raro, são psicossomáticas. É necessária uma discussão mais profunda, que atinja o cerne dessas angústias. Problemas como fibromialgia, cólicas, varizes, constipação e enxaqueca muitas vezes são apenas sintomas dessas dores maiores e mais difíceis de diagnosticar.

Tortura em nome da beleza
Além de toda dor e angústia que as mulheres sofrem naturalmente, ainda existem rituais sádicos que elas acabam seguindo para se enquadrar dentro dos padrões estabelecidos pela ditadura da beleza. A seguir, vou deixar alguns exemplos de verdadeiras torturas que as mulheres enfrentam para se sentirem "belas".



Sapatos apertados
Na China, algumas mulheres usam sapatos apertadíssimos para manter a "feminilidade" e a "beleza" dos pés pequenos. Além do desconforto, sapatos apertados demais causam deformidades, fraturas e dificultam a locomoção.





Argolas no pescoço
Na Tailândia, as mulheres precisam usar argolas que encompridam o pescoço, causando dor e riscos de lesões.





Espartilho
Durante muito tempo, as mulheres precisaram usar roupas apertadíssimas para parecerem magras, o que dificultava a respiração e causava bastante desconforto.





Depilação
Arrancar os pelos do corpo com cera quente é uma das coisas mais desagradáveis que alguém pode experimentar em nome da beleza.





Anorexia
A ditadura da beleza impõe que as meninas estejam magérrimas para serem consideradas bonitas ou atraentes. Isso leva mulheres lindas e saudáveis a enfrentarem desnutrição, forçar vômitos, passar fome e ainda se sentirem culpadas por não estarem tão magras quanto gostariam.



Cirurgias plásticas
Chega a ser assustador o que as mulheres gastam com cirurgias estéticas em busca do "corpo perfeito". Aquela ideia estúpida de que há um padrão de beleza que todos devem tentar alcançar não passa de um autoflagelo, afinal, cada pessoa tem a sua própria beleza, assim como cada estrela tem o seu próprio brilho.




Saltos
Além de comumente provocarem problemas de coluna e de postura, os saltos exigem cuidados redobrados, pois não é fácil andar em cima daquilo em ruas cheias de pedras e buracos. Um tornozelo torcido é coisa menos ruim que pode acontecer.




Infelizmente, coisas desse tipo são pouco debatidas pela mídia e pela sociedade de um modo geral. Todos esses rituais de beleza geram grande sofrimento e, para piorar, quando os resultados não são alcançados, vem junto a culpa, a frustração e o sofrimento. Creio que seja uma obrigação masculina provar para as mulheres que elas não precisam dessas coisas para serem belas, amadas e desejadas por nós - afinal de contas, uma pessoa com autoestima elevada não tem maiores motivos para parecer melhor do que é.

Bonito é ser você mesma!

Fim do sofrimento
Acredito que remédios, antidepressivos e drogas atuam de forma superficial no alívio da dor ancestral que cada mulher carrega. Mascarar um problema não é a melhor forma de resolvê-lo, porque assim estaremos apenas enxugando gelo. É preciso uma mobilização de profissionais da área de saúde, da mídia e da sociedade como um todo para reduzir esse sofrimento silencioso e desnecessário pelo qual tantas mulheres passam.
Como já dizia um monge budista: viver é sofrer, logo, a felicidade está em saber lidar com o sofrimento. Mas se tivermos quem nos compreenda, quem nos apoie e quem nos console nas horas difíceis, o sofrimento com certeza será um fardo menos penoso de se suportar - e a vida parecerá muito mais bela também.

15 comentários:

  1. Você alertou para uma questão brutal! A "doçura" e "resignação" que se espera de uma mulher, tem nome entre as patologias: fibromialgia.., e outros sofrimentos físicos incuráveis!
    Vimos essa semana a história de Malala, a menina paquistanesa vitimada pelos talibãs por defender o direito e querer estudar...Estou esperando digerir essa história e ver como reage a comunidade internacional para postar a respeito.. Por enquanto só consigo comentar: Nascer mulher, ainda nos dias de hoje, é osso! rsss

    Beijos meus

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    1. llManuh, querida, pior que sofrer, é sofrer em silêncio, sozinha e achando que tudo está normal. Ser mulher não é fácil, pois as próprias mulheres exigem demais de si mesmas. As mulheres precisam de reconhecimento, carinho, liberdade...
      Já o caso dessa paquistanesa me assustou e ao mesmo tempo me animou. Fiquei perplexo com a reação violenta contra a garota, mas também senti um fio de esperança que essa cultura machista e teocrática desmorone e, enfim, possa haver democracia nesses cantos conflituosos do nosso mundo.
      A atitude de Malala foi digna de um prêmio Nobel!

      Valeu, abraço!

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    2. Wellington,

      E os homens também não precisam de reconhecimento, carinho e liberdade? Será que já temos o suficiente?

      Creio piamente que a maioria das mulheres está satisfeita na sua condição feminina, restando-lhes lutar pelas colocações profissionais. Aliás, TODOS lutamos por isso, pois não?

      Me responda com sinceridade: Em nome da igualdade entre os gêneros, voce abriria mão de uma boa colocação profissional em prol de uma mulher? E se depois ela saísse falando que é machismo seu, o que voce diria?

      Isso não significa que voce não a respeite na sua DIFERENÇA, e sim que a IGUALDADE na luta pela sobrevivência sempre falará mais alto do que qualquer conceito abstrato.

      Honestamente, eu não gostaria de viver num mundo em que homens e mulheres fossem tão iguais a ponto de não poderem ser diferenciados exceto pela fenotipia. Mas adoraria ter mais delas no meu local de trabalho...sacou?

      Abraço.

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    3. eudyrj, todos precisam de reconhecimento, carinho e liberdade - os homens não são menos merecedores de tais coisas que as mulheres. O problema é que o machismo e o patriarcado oprimiram e segregaram as mulheres durante séculos. Direitos como o voto, o trabalho fora de casa, o estudo e a ocupar cargos políticos são conquistas recentes. Entendo que a dor do homem e a dor da mulher é a mesma, mas as mulheres ainda sofrem mais que os homens devido às mazelas sociais, psíquicas e biológicas.

      Com relação à colocação profissional, é um absurdo fazer escolhas ou referências através de gênero. Deve-se avaliar a competência, o preparo profissional e o caráter, independentemente do sexo. Se eu perdesse uma vaga para uma mulher pelo fato dela ser mais COMPETENTE que eu, estaria OK. Só seria injusto se ela obtivesse uma vaga APENAS por ser mulher.

      Enfim, não é possível ter 100% de igualdade, pois homens e mulheres são diferentes. Veja por exemplo no caso da licença maternidade: esse item sempre precisará beneficiar mais as mulheres.
      O que eu acho ridículo é a tal "supremacia feminina" defendida por algumas feministas radicais. Isso, sim, é uma piada e às vezes ganha um tom fanático, prejudicando muito mais do que ajudando.

      No caso da luta pela sobrevivência, que você enfatizou, nesse aspecto o biólogo Richard Dawkins estava certo quando escreveu o 'Gene Egoísta'. Isso porque a sobrevivência individual está acima de valores ideológicos. É por isso que as ditaduras funcionaram tão bem ao longo da história. Mas isso é um caso extremo e não está ligado diretamente a essa questão.

      Abraço.

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    4. Wellington,

      Mais uma intervenção nesse tópico: o machismo e o patriarcado, (O segundo é decorrente do primeiro, e ambos são resultado da divisão social do trabalho)são questões de fundo econômico, como já debatemos há alguns meses.

      Podemos ficar aqui por anos debatendo a SUPERESTRUTURA, sem chegar a nenhuma conclusão convincente. Como eu disse antes...Vamos ao cerne da questão?

      PS: Não entendi o paralelo entre gêneros, gene egoísta e ditadura...Agradeceria uma explanação sua.

      Abraço.

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    5. eudyrj, a questão da ditadura e do Gene Egoísta é simples: as pessoas se preocupam mais com a própria sobrevivência do que com qualquer ideologia altruísta que venham a defender. Na hora que a coisa fica feia pro nosso lado, temos a impulsão genética de nos defendermos.
      No caso das ditaduras, muitas pessoas preferem renunciar as causas ideológicas e democráticas para não correr o risco de serem mortas ou torturadas. É assim que as ditaduras funcionam: através do medo. Já o gene egoísta é a tendência que todos têm de valorizar mais a si mesmos e os próprios genes do que os outros.

      Já a divisão social do trabalho ocorreu por imposição da própria natureza biológica do homem e da mulher. O homem é mais forte fisicamente e providencia a comida e a proteção - já a mulher fica mais no lar para estar mais próxima das suas crias. Só que em momento algum essa divisão foi uma escolha consciente para a nossa espécie: foi uma imposição natural. De umas décadas para cá foi que as coisas começaram a mudar diante do novo papel social da mulher.

      Abraço.

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    6. hummm...Parece que estamos concordando que a igualdade entre homens e mulheres é uma deformação conceitual.

      A não ser que se fale APENAS da óbvia abordagem dos direitos humanos.

      Mas aí então fica inexplicada a adesão de mulheres do mundo inteiro à causa, inclusive de países extremamente desenvolvidos, onde não há mais a necessidade de Delegacias da Mulher e de Leis Maria da Penha...Então, do que exatamente elas estão falando?

      Ops...tem caroço nesse angú...rss

      Abraço.

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    7. Pois é, eudyrj, a igualdade entre homens e mulheres é ideológica. Na prática, sempre haverá diferenças.

      E o que muitas mulheres ainda buscam nesses movimentos feministas em países onde praticamente já há uma igualdade? Talvez alguns privilégios ou o fim de alguns pequenos tabus e traumas deixados pelo machismo ao longo da história.

      Abraço.

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    8. Interessante essa discussão sobre os "papeis" dos gêneros desde o contexto biológico, histórico-cultural e político, e as mudanças (ou conquistas evolutivas) que nos trouxeram à chamada "igualdade entre os sexos" no sentido de direitos e deveres, diferenças e tudo mais.. Só não compreendi, o levantamento dessa questão no tópico, que achei de grande valia principalmente pela raridade com que é posível cruzar com um texto sobre um tema tão profundo e importante e simultâneamente tão invisível aos olhos da sociedade de forma geral. Humildemente agradeço a você, Wellington, cuja belíssima reflexão sobre pressões sofridas por nós, mulheres, (muitas vezes inconscientemente por nós mesmas) pareceu cair como luva num momento em eu, particularmente, passo por um problema de depressão que inclui quase que inerentemente problemas seríssimos de baixa auto estima, que diminui sempre com os comerciais de belas mulheres, e produtos de beleza, roupas caras, top models... Para muitos machistas (ou pessoas simplesmente desinteressadas pelo bem coletivo) pode parecer algo altamente insignificante, mas é um mal vivido por muitas mulheres por diversos fatores que não vem ao caso por na roda agora. Mas retomando o lance de não ter entendido essa discussão nesse tópico, defendo-o (sem que peça, rs) deixando aqui minha opinião, pois não lí referência alguma no texto quanto à diferênças entre genêros, ou sobre tal pressão anular ou dar maior importância a um ou outro, e SOBRETUDO, o texto é sobre uma pessoa (seja de qual gênero for) cujo o olhar crítico, sensível e, se me permite, solidário se dispõe a refletir lindamente sobre conflitos de natureza HUMANA e possibilidades de torná-los melhores, mais leves. Parábens!

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    9. Elisangela, agradeço humildemente aos seus elogios e recomendo amplamente que você dê uma olhada nos posts do blog Escreva Lola Escreva que trata com bastante sensibilidade temas envolvendo igualdade, feminismo, justiça e resgate da autoestima feminina. Há postagens belíssimas por lá onde leitoras contam sobre seus sofrimentos e compartilham as suas angústias e incertezas nos Guest Posts. Alguns desses posts até me emocionaram com tamanha sutileza e sensibilidade.
      Este post foi apenas uma pequena amostra do sofrimento que tantas mulheres engolem a seco sem questionar. É preciso romper com esse pensamento conservador, porque somos todos agentes ativos do mundo em que vivemos. Todos nós temos o direito de ser felizes.
      Um grande abraço.

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  2. Isso tudo é realmente muito triste. Outro dia assistia a um documentário onde se retratava a vida de uma menina muçulmana muito inteligente, que é uma das poucas a participar dos concursos de recitação do Corão. Ela diz que adora ciências e que gostaria de ser cientista um dia. A mãe a incentiva muito nos estudos, mas o pai diz que apesar de ela estudar, não deve trabalhar, porque isso não é coisa de mulher. Não bastasse isso, ele pretende se mudar das Maldivas para o Iêmen, porque lá receberá uma "educação religiosa adequada" e porque as Maldivas são "liberais demais". Enfim, é muito doloroso ver o sonho de uma menina esperançosa ser oprimido dessa maneira tão brutal apenas porque "isso não é coisa de mulher".

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    1. E o pior de tudo foi ver a carinha dela quando ele contou que eles iam se mudar para o Iêmen por causa disso. Foi de partir o coração.

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    2. Pois é, Paulo, é muito triste uma coisa dessa. Quem sabe se um dia essa menina muçulmana não poderia fazer pesquisas importantes em sua área de estudo para ajudar a toda a humanidade... Eu fico imaginando quantos talentos desperdiçados e quantos sonhos frustrados ainda teremos que tolerar por causa da estupidez.

      Abraço.

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  3. A questão é controversa.

    Me parece que tanto homens quanto mulheres aceitam(ram)papéis que depois se mostraram danosos à ambos os gêneros. Debito isso na conta da economia, das relações de produção, de consumo, e todas as que existem para categorizar, hierarquizar e explorar as pessoas.

    Certamente um "Chefe de família", esteio financeiro do lar, gostaria muitíssimo de um período de 'Dolce far niente', desincumbido das obrigações e do ramerrão caseiro.

    Se tratarmos homens e mulheres como iguais (fora do escopo economicista)incorreremos num erro ainda mais grave. Ironicamente, a mesma sociedade que erotiza a menina também induz a mulher, só que em sentidos opostos.

    Uma sociedade se faz com ambos os sexos, é infantilidade culpar um gênero pelas mazelas do outro, (a nível psicológico); Homens não nascem programados para subjugar a mulher - a não ser em alguns casos, com a permissão dela...rss - Tampouco as mulheres nascem para serem subjugadas; enquanto olharmos pelo prisma sexista não chegaremos a outro lugar que não a guerra dos sexos e as retaliações. Estas mui amadas pelas mal-amadas...

    Curioso como se fala em religião, de auto-flagelação e acaba-se no gênero, não acha?

    O que vejo é muito blá blá blá, muita falta de postura ou postura equivocada. Vejo mulheres mal sucedidas tendo que voltar à casa paterna se queixando dos homens e não de sua falta de preparo para a vida...outras sequer saíram dessa casa... A luta é de todos nós.

    Ou será que todos os Homens vivem no paraíso do gênero?

    Vamos então ao cerne da questão!

    Abraço.

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  4. Será mesmo que homens e mulheres aceitaram esse papel? Ou será que eles foram impostos por questões de sobrevivência? O problema é que hoje vivemos numa época onde não é mais necessário ter os papéis sociais de cada gênero bem definidos. As mulheres podem fazer tudo que os homens fazem e vive versa.

    A maioria dos problemas neste aspecto são de ordem social e cultural, pois não há nenhum papel social predefinido pela natureza. E todos nós temos culpa pelas coisas estarem como estão.

    Sim, sem dúvida a luta é de todos. E também acho muito desonesto que algumas mulheres culpem o mundo (ou os homens) como sendo os principais culpados por suas próprias fraquezas. Claro que muitas vezes o machismo piora as coisas, mas é preciso ter bom senso para diferenciar o sexismo da incompetência. No restante, concordo inteiramente contigo.

    Abraço.

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