sábado, 23 de novembro de 2013

A objetificação realmente existe?


Aqui estou estou eu novamente falando sobre esse assunto chato, que é a tal da objetificação. Mas, o que seria exatamente a objetificação?

Essa palavrinha difícil de se definir chamada objetificação – também utilizada como 'objetização' ou 'coisificação' – surgiu como pretexto para se condenar as pessoas (ou uso delas) em situações onde elas se comportam como objetos. Aqui, no blog Ideias Embalsamadas, eu escrevi algumas postagens como esta e essa outra abordando esse tema, mas em nenhuma delas eu dei uma definição para a palavra. Portanto, a minha definição para objetificação é a seguinte:

'Objetizar (ou objetificar) é representar ou tratar o corpo humano como objeto, seja através de metáforas ou de analogias. Usar o corpo humano como um objeto ou compará-lo com tal é uma forma de objetizar'.

Delícia é a vovozinha!
Posta esta definição acima, agora vou para a parte mais interessante que é: para algumas pessoas, a objetização simplesmente não existe. Isso porque o termo objetificação está sendo muito generalizado e mal usado. Como foi colocada nesta postagem do blog Aquela Deborah: "...uma postura corporal, uma roupa, uma dança, nada, nem ninguém, se objetifica, porque acreditar nessa possibilidade é dizer que a culpa do alvo de preconceito é ele mesmo, igual fazem com gay que dá pinta". Eu tenho a impressão que o termo 'objetificação' se popularizou quando essa onda feminista do terceiro milênio começou a buscar bodes expiatórios que fossem responsáveis pelo machismo e pela degradação das mulheres. Diante disso, fica a sensação de que algumas feministas estão, na verdade, procurando pelo em ovo por se sentirem cerceadas, vigiadas, avaliadas e vistas como meros "pedaços de carne" ou "vaginas ambulantes" pelos homens. Só que esta visão 'objetificante' que muitos homens têm das mulheres é algo meramente instintivo e que, diga-se de passagem, mulheres também têm. Afinal, qual mulher nunca suspirou pelo colega de trabalho cheiroso? Qual mulher nunca disse pra si mesma “ô lá em casa!” para algum bonitão na rua? Qual mulher nunca tremeu na base quando o instrutor da academia chegou perto? Qual mulher nunca se imaginou numa cena quente com o galã da novela? Qual mulher nunca morreu de desejo pela barriguinha sarada do herói do filme? Enxergar alguém como objeto não é o problema: o problema é tratar uma pessoa como objeto.

Beleza, pose, roupa e decote não objetificam ninguém

Dentro do meu conceito de objetização, qualquer representação do corpo humano é, sim, uma objetificação. Porém, existem dois tipos de objetificação. Existe a objetificação 'boa', que é o uso ou a representação de pessoas sem o intuito de denegrir a imagem de ninguém. E existe a objetificação 'má', que é onde há um intuito de denegrir, ofender ou diminuir alguém. Aliás, a tal objetificação 'má' normalmente reforça estereótipos e preconceitos não apenas contra mulheres, mas contra todo mundo. O grande problema dessa história é que na maioria das vezes não é possível saber qual foi a real intenção com que a imagem de uma pessoa foi utilizada. Daí temos que aturar campanhas estapafúrdias como a do vídeo abaixo:



Os moralistas 'pira'!
Eu sou contra aquela visão moralista cristã de que somos seres que devemos buscar a pureza, a santidade e a castidade, não podendo, assim, desejar (ou cobiçar) o corpo, pois tal "malogro" enquadra-se no famigerado "pecado da carne". As campanhas feministas contra a tal "mídia machista" muitas vezes perdem o foco ao fazer protestos contra corpos femininos sensuais em revistas ou até mesmo contra analogias sexuais na publicidade, onde há sempre a velha desculpa da degradação misturada com a da objetificação e da exploração das "pobres mulheres". Esse, inclusive, é o mesmíssimo argumento usado por religiosos. Só que existem dois fatores que essas feministas e religiosos não consideram. O primeiro deles é que as mulheres têm o direito de usarem os seus corpos para o que bem entenderem. Por acaso mulheres não têm vontade própria e autonomia para decidirem fazer um comercial aparentemente "sexista"? E o segundo fator é que o critério para se julgar se há ou não machismo e objetização na publicidade é totalmente arbitrário e relativo a valores individuais. Como os adultos têm uma mente naturalmente poluída, é possível ver duplo sentido e sexismo em praticamente qualquer coisa. Este post aqui é um exemplo descarado disso.

Uma forma saudável de objetificar pessoas é criando ginoides

Agora vou rebater alguns argumentos frequentes utilizados contra a objetização:

1- O assédio contra as mulheres ocorre por causa da objetificação sexual das mesmas.
Errado. O assédio ocorre devido ao machismo, à cultura do estupro, à falta de educação e à impunidade. Você acha que a paniquete Nicole Bahls foi assediada por Gerald Thomas porque ela estava se objetificando (ou sendo objetificada)? Ou será que ela foi atacada porque o sujeito em questão era um machista que não sabia respeitá-la?

2- Mulheres bonitas são vistas como objetos para o deleite masculino.
Depende. Não é porque alguém te acha linda que está te reduzindo a um pedaço de carne. Desejar não é objetificar. E uma mulher que se veste sensualmente não está se objetificando, assim como um homem sem camisa também não está. Mas ainda assim, ver alguém como objeto não é errado. Errado é tratar alguém como objeto.

3- As mulheres não são apenas um corpo.
Primeiro: nós somos o nosso corpo. O corpo humano não é uma coisa à parte, o corpo humano é tudo aquilo que somos. Afinal, o que você era muito antes de você nascer, antes do seu corpo ser formado? Segundo: se não quer ser vista apenas como um rostinho bonito, procure destacar as suas outras qualidades, tais como caráter, competência, inteligência, carisma e personalidade. Ou será que mulheres como Ana Hickmann, Ana Paula Padrão e Gisele Bündchen são apenas rostinhos bonitos?

4- Roupas sensuais objetizam as mulheres.
Ter liberdade para se vestir como quiser não é objetização: é liberdade. Condenar uma pessoa pela forma com a qual ela se veste é slut-shaming, mesmo que haja uma desculpa tosca como: "Essa forma de se vestir está alimentando ainda mais o machismo, por isso temos que combatê-la".

5- A ditadura da beleza é uma forma de objetizar a mulher.
Determinar padrões de beleza não é objetização, é uma mera imposição cultural. Cada pessoa tem o direito e a liberdade de aceitar ou de rejeitar os padrões de beleza impostos culturalmente, afinal, não existe ninguém feio e ninguém bonito: tudo depende do ponto de vista de quem vê. Ninguém é vítima ou aproveitador por se enquadrar dentro de um padrão de beleza específico.

6- Os homens que consomem revistas masculinas estão ajudando a objetizar a mulher, porque mulheres não são produtos à venda.
Quer dizer que ao comprar uma revista, você está comprando a mulher da capa dela? Me poupe, né? Todo homem heterossexual normal e saudável sente atração e desejo por ver mulheres nuas. Revistas masculinas (e revistas gays) estão aí para atender esta demanda e vender aquilo que o seu público-alvo deseja ver. Consumir ou comercializar este tipo de material não objetifica, assim como desejar alguém também não. E as mulheres que posam nuas também não estão se objetizando, elas estão ganhando dinheiro em cima do uso autorizado de sua própria imagem.

7- As mulheres estão sendo tratadas como propriedade por causa da objetização.
Já respondi no primeiro item que o que causa assédios e desrespeitos contra as mulheres (e homens também) não é a objetização, é a falta de respeito e de educação. Achar que o fato de um homem passar a mão numa mulher na rua é causado pela objetização é o mesmo que afirmar que games violentos causam violência. Aliás, nem mesmo objetos são atacados por serem objetos. Ninguém entra numa padaria e passa a mão no recheio de uma torta porque a torta é um objeto. O desrespeito pelas mulheres ocorre essencialmente por machismo.

8- Eu me sinto um objeto quando os homens olham para mim na rua.
Sou adepto da argumentação que diz que "olhar não tira pedaço". Só que o problema não está no olhar em si, mas sim na cara que se faz ao olhar. Olhar discretamente ou tentar um flerte não me parece ofensivo. O olhar insistente e tarado é que é me parece invasivo e ofensivo. Talvez a 'objetização ruim' reforce esse comportamento, mas o grande problema está na cultura e na falta de educação e empatia de quem usa esse tipo de olhar.

9- Li numa pesquisa que o cérebro dos homens enxerga mulheres bonitas como objetos.
Eu acho que ver uma mulher sensual e com pouca roupa como potencial parceira sexual torna o cérebro masculino naturalmente predisposto a encará-la como um objeto. A objetização muitas vezes não passa de um mero fetiche de possuir alguém. Pessoas provocam desejo sexual, assim como objetos também provocam desejo de consumo. São eventos parecidos e isso provavelmente faz o cérebro interpretá-los de maneira parecida, o que causa a ativação das mesmas áreas cerebrais. A questão não é ver pessoas e objetos igualmente, mas sim o desejo que eles causam. Mas isso não é o problema. Só repetindo: o problema não está em ver alguém como objeto, mas sim em tratar uma pessoa como objeto.

Blade Runner: ver uma replicante como objeto é objetizá-la?

Concluindo...
Na minha opinião, a objetificação existe e é algo natural, mas o uso da palavra está tão vulgarizado que praticamente o seu conceito se perdeu em meio a questões pessoais e revanchismo. O que deve ser evitada (utilizando critérios claros para identificá-la) é a 'objetificação ruim', que é aquela que denigre, ofende e diminui. Fora isso, pra mim não passa de falta de assunto misturado com uma boa dose de vitimismo.

2 comentários:

  1. Um post antigo, mas que ainda vale a pena de ser comentado.
    Concordo com várias coisas que disse, e inclusive também tenho desconfiado nos últimos tempos que o termo objetificação tem sido vulgarizado, sem nenhum critério ou definição sólida para clarificar seu significado.
    Entretanto, gostaria de apontar uma discordância que tive:

    1 - Se você vê alguém como objeto, é completamente natural que o tratemos como tal, não? Você trata cada indivíduo de acordo com sua especificidade. Logo, se uma pessoa é vista como objeto por outra, ela será tratada assim, e isso é TERRÍVEL. Ninguém deve tratar ninguém como objeto. Mas vai a questão: o que é um objeto?

    2 - Objetificação é diferente de ATRAÇÃO. Sentir atração por uma pessoa e querer fazer um intercâmbio consensual de prazeres sexuais com ela não é objetificação.

    3 - Meu argumento sobre a terceira declaração que fez é: ser bonito do ponto de vista alheio não garante caráter. Beleza e caráter são aspectos distintos que podem coexistir em uma pessoa.
    A pessoa não tem que provar nada pra você, mas você que não deve julga-la somente por sua aparência.

    No mais, concordo com você sobre o moralismo paradoxal de certas feministas que desejam combater as mulheres que trabalham com o corpo. Acredito que trabalhar com a sensualidade e até mesmo sexualidade não é objetificação, mas sim um serviço como qualquer outro onde se é comercializada uma força de trabalho.

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    1. Olá, anôn. Olha só, vamos discutir sobre os pontos que vc citou.

      1- Sim, uma coisa leva a outra, inclusive abordei disso em outro post. Tratar uma pessoa como um objeto é errado: essa é a regra. Os assédios contra as mulheres nas ruas ocorrem, em parte, justamente por essa razão. Mas toda regra tem exceções, no caso do sadomasoquismo, por exemplo, ser tratado como um objeto é uma tara muito comum. Fora nos casos das artes performáticas ou mesmo em representações artísticas. Uma pessoa só deve ser tratada como objeto com consentimento e apenas com quem ela der liberdade para isso.

      2- Concordo plenamente, mas alguns religiosos mais agressivos, como o pastor Silas Malafaia, fazem essa confusão de propósito para que as pessoas sejam menos "promíscuas" e respeitem os valores bíblicos.

      3- Bem observado, mas o ponto discutido no item está focado na questão das pessoas (especialmente mulheres) serem destacadas apenas pela sua beleza física. Se uma pessoa só enaltece a própria beleza e só investe nela, é normal que as outras pessoas esqueçam de pensar no caráter primeiro. Não é a questão de julgar pela aparência, mas julgar a própria aparência.

      Tem outros posts sobre este tema na tag 'objetificação' do menu. Se quiser comentar algo por lá, fique à vontade.

      Obrigado pela sua participação.

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