domingo, 2 de setembro de 2012

Sexo se aprende onde?


Lembro-me de quando eu tinha uns 8 anos de idade e acompanhei uma história que, na época, achei engraçada, mas que hoje eu vejo que de engraçada não teve nada. A história que vou contar retrata a perda da virgindade de uma mulher. Porém, não vou revelar nomes, até porque eu nem lembro mais dos nomes das pessoas envolvidas, mas recordo-me muito bem dos rostos de cada um e da história.

A primeira vez de uma mulher
A história a qual venho compartilhar aconteceu quando eu aproveitava as férias numa casa de praia no litoral pernambucano onde estavam hospedados vários amigos, familiares e alguns empregados. A família de alguns desses nossos empregados também tinha ido conosco a essa casa de veraneio e foi justamente através dessas pessoas que fiquei sabendo de uma história até então curiosa. Estava correndo a maior fofoca pela casa de que o rapaz que era irmão de uma das nossas empregadas andava dando uns amassos na babá que cuidava do meu sobrinho. Essa babá era um doce de pessoa: simpática, sorridente, divertida, meio ruiva, com algumas sardas no rosto, muito bonita e jovem, inclusive, eu até brincava com ela dizendo que ela era uma paquita (dos tempos da Xuxa).
Um belo dia essa babá apareceu meio cabisbaixa, estranha e com a cara de que tinha feito algo errado. A mãe de uma das empregadas consolou-a e, muito abatida, a babá terminou confessando que tinha acabado de perder a virgindade com o filho da mulher que a consolara. Apesar de ter apenas 8 anos de idade na época, eu já tinha entendido do que se tratava todo aquele drama. Já o irmão da empregada que tinha 'desvirginado' a moça parecia indiferente, exceto pela bronca que levou da mãe. Mas o que me impressionou foi a diferença de reações do casal: enquanto ela estava abatida, ele nem estava preocupado, muito pelo contrário: parecia muito bem, obrigado. 
Pois bem, poucos dias depois essa babá foi embora e não voltou mais. E esse negócio de levar a família dos empregados para casa também não deu mais certo desde então.

Essa história toda me levou a refletir que o sexo para as mulheres assume uma conotação diferente do que é para os homens. Quando eu vi aquele sentimento de culpa e o arrependimento no semblante da babá, percebi que seja lá o que ela tinha feito não foi bom para ela. O rapaz que deflorou-a era muito jovem também e possivelmente não entendia muito sobre sexo. Essa história reforça a tese que o falecido mestre José Ângelo Gaiarsa defendia: a de que a primeira experiência sexual de uma pessoa deveria ser sempre com alguém mais experiente e que compreenda os receios, sentimentos e necessidades do outro. Eu imagino, honestamente, que o rapaz dessa história não ligou a mínima para o prazer da moça, para os sentimentos dela ou para o quão importante aquele momento seria para a jovem. Se fosse um homem mais maduro, mais sensível, conhecedor do corpo e da alma feminina e que tivesse um pouquinho de boa vontade, certamente não teria deixado a guria tão aflita.

Mudança na educação sexual
Eu não pretendo escrever uma tese de doutorado a respeito disso, mas acho que precisamos rever a nossa educação sexual e não ter constrangimentos ao abordar o tema 'sexualidade' com nossos filhos. Na minha época de adolescente, lembro bem que o sexo era aprendido de duas formas: ou através dos nossos coleguinhas (que não entendiam nada sobre sexo e muitas vezes mentiam), ou através dos filmes pornôs. Ou seja: se dependesse do que os rapazes aprendiam na época, as meninas estavam fodidas (literalmente, rarará!). E nessas fontes de inspiração que nós tínhamos, pouco se falava sobre preliminares, sobre o envolvimento afetivo do casal, sobre prazer feminino ou sobre a cumplicidade e intimidade. As explicações dos garotos mais 'entendidos' eram clínicas e superficiais, do tipo "arranca a calcinha dela e empurra o pinto para dentro". Já a educação sexual que recebíamos da escola naquela época era limitada a aprender a colocar e a tirar o preservativo e, no máximo, a conhecermos os órgãos reprodutores. Entendo que devido ao falso moralismo da nossa sociedade e aos tabus religiosos, fica difícil jogar a responsabilidade para cima da escola. Imagine o colapso nervoso que uma mãe teria ao saber que a sua filha teve uma aula sobre sexo oral na escola. Acho que aqui só temos duas soluções: educação sexual dada pelos pais e familiares; ou então reformular a maior escola sexual do mundo moderno: os filmes pornôs.


Pornografia educativa
Quem leu o meu post sobre as críticas à pornografia (link aqui) deve saber que a pornografia traz seus aspectos negativos. O principal problema é que a pornografia tradicional mostra uma perspectiva irreal, caricaturada, visceral e grosseira do sexo. Filmes pornôs podem ser mais educativos e trabalhar também o prazer e a excitação feminina e outros elementos como o amor e o erotismo. Os filmes pornôs tradicionais são uma representação pobre da sexualidade humana voltada para o prazer masculino. Por isso, algumas produtoras estão investindo num pornô mais feminino, onde as coisas são mais naturais e o prazer da mulher é tratado com seriedade. Diretoras de filmes pornôs para mulheres, como a alemã Petra Joy e a sueca Erika Lust são um exemplo de que a pornografia pode ser prazerosa também para mulheres. E o ideal talvez seja um caminho do meio entre a pornografia sexista e aqueles vídeos de erotismo tântrico oriental. Aí teremos algo mais indicado para 'ensinar' aos mais jovens que o sexo não é apenas aquela coisa engessada e tragicômica dos pornôs clássicos.
Quem tiver curiosidade sobre os filmes pornôs femininos, no fim da postagem há três links da Revista Época tratando sobre o assunto.


Enfim, se tivéssemos uma educação sexual adequada, reduziríamos não apenas as DSTs e gravidezes indesejadas, mas também teríamos menos garotas traumatizadas após a primeira vez e mais mulheres felizes e satisfeitas no sexo.

Filmes pornôs femininos
Pornô feito por mulheres e para mulheres
Petra Joy: "Estamos lutando por liberdade sexual"
Candida Royalle: "Quero que os homens assistam"

6 comentários:

  1. Ninguém aprende nada sobre sexo. Os meninos são levados pelo instinto puro, as meninas são levadas pela fantasia de que tocarão sinos, verão estrelas (o que afinal acabam vendo, não exatamente como sonharam), e que o homem que ganhou o troféu de sua virgindade a amará eternamente. Sai da cama dolorida, insatisfeita, decepcionada, com medo de uma gravidez, e diante da dura realidade de que não era nada do que sonhou. Muito mais tarde vai descobrir o prazer do sexo, se descobrir.
    Entendo que seria melhor que a Educação sexual mostrasse a meninos e meninas a diferença de expectativa de cada um, desmistificasse as crenças...
    Logo depois da prisão de Mike Tison por estupro, li alguma coisa sobre comportamento sexual nas universidades americanas, para evitar a interpretação de estupro, onde se ensinava aos jovens que diante de uma mulher nua, na cama, antes da penetração, seria necessário perguntar a ela, posso penetrá-la?
    Ahnnn...rsss...Será? ahahahahahah..

    Beijos meus

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    1. llManuh, eu vejo que o problema do sexo também passa pelo aspecto cultural e social. Essa história de que o homem segue o instinto e que a mulher sonha com o príncipe é um resquício do patriarcalismo. Por que os meninos não poderiam esperar as suas princesas e as meninas não poderiam seguir os seus instintos? O prazer do sexo não é privilégio de coroas ou balzaquianas, pois todos têm potencial para o prazer. Essa cultura que estereotipa a figura sexual de homens e mulheres é que precisa ser desconstruída.

      E essa história de pedir permissão para penetrar uma mulher é algo levado a sério até mesmo aqui no Brasil. O grupo FEMICA (Feministas do Cariri) lançou uma cartilha de como não estuprar uma mulher e isso que vc citou está em suas diretrizes. Acho exagero esse tipo de coisa, até porque um estuprador nunca vai se importar em pedir licença.
      Acho que a mentalidade das pessoas precisa mudar e evoluir para algo melhor.

      Será que esse mundo ainda tem jeito?

      Abraço.

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  2. Tem jeito sim, vai ter o jeitinho que cada um der, só o silêncio e o não questionamento mudam nada.

    Beijos meus

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    1. llManuh, espero que você esteja certa, pois do contrário, todos nós estaremos ferrados.

      Obrigado.

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  3. Já aconteceu de alunos virem tirar dúvidas comigo sobre sexo no ensino médio, com dúvidas que seriam cômicas se não fossem uma amostra trágica de como anda a instrução e a educação sexual dos adolescentes.

    Meninas me perguntaram se quando a mulher tem um orgasmo é aquele escândalo dos filmes pornôs, com gritaria e palavrões; se saem mesmo aqueles "jatos" quando ela goza; se é normal homem ter pêlo na bunda; se o menino é obrigado a transar só porque a menina quer.

    O sexo dos adolescentes é triste, e muitos levam essas ideias pré-concebidas para a vida adulta e passam a ter uma vida sexual extremamente infeliz.

    Depois de várias destas perguntas, eu e um professor de Matemática - ou seja, dois professores que não eram da Biologia, pois eu sou da Geografia - sugerimos à direção da escola que criássemos um programa de educação e instrução sexual aos adolescentes. Eles ficaram horrorizados, porque "queríamos fazer o trabalho do professor de Biologia e ainda por cima incentivaríamos os alunos a transar!". ¬¬

    O que eu acho mais deprimente é que, enquanto sexo e amor são tabus na televisão - que jovem nunca ficou envergonhado enquanto assistia um filme com os pais e começa uma cena de pegação? - as cenas de violência são liberadas, de boa, tranquilo.

    Teve um episódio de Star Trek Deep Space 9 onde duas mulheres se beijam. A audiência ficou escandalizada, ligou para a produção, rolou muita discussão e um pai disse "que tipo de exemplo era aquele que a série dava aos filos dele?". E o rapaz da produção perguntou: "se fosse uma cena de uma mulher matando a outra, tudo bem pro senhor?". E ele disse que sim, sem problemas. O rapaz respondeu: "então o senhor deve avaliar melhor quem está atrapalhando a educação dos seus filhos".

    Ou seja, nossos valores estão tortos, doidos, distorcidos, nem sei bem que palavra colocar.

    Sybylla
    momentumsaga.com

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    1. Gostei muito do seu comentário, Sybylla. Parabenizo-te pela sua atitude e a sua coragem em tentar resolver isso da forma mais correta: através da educação.

      Já o problema da pornografia, como já cansei de repetir neste blog, é quando ela vira escola sexual. O sexo de um filme pornô mainstream é performático, repetitivo e focado quase 100% no prazer do homem. Usar isso como referência sexual é dar um tiro no próprio pé.
      Acho revoltante também que o sexo seja mais constrangedor que uma cena de violência na tevê. Como o mestre Gaiarsa já dizia: vivemos numa sociedade profundamente doente. E precisamos mudar isso.

      Grato pela sua participação. Volte sempre!

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