segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

A falta que a educação sexual faz


Já tem mais de dez anos que eu debato sobre sexualidade, objetificação, pornografia e prostituição na internet. E, invariavelmente, quando se fala dos problemas da sexualidade humana, fala-se, majoritariamente, do grande bode expiatório que foi criado para se desviar o foco dos verdadeiros problemas: a pornografia. Igrejas, feminismo abolicionista, NoFap, ativismo e até alguns grupos progressistas são consonantes no que se diz respeito a pornografia: todos são contra ou, pelo menos, fazem críticas muito severas a ela por enxergarem na mesma a essência de todo o mal. E entre as críticas estão sempre as mesmas argumentações: vitimização das mulheres (exploração, degradação, abusos, etc), vício trazido pelo acesso livre a pornografia e a falta de um sexo que inclua o prazer feminino. Porém, como irei explanar melhor adiante, é preciso entender que a pornografia não é causa, é consequência.
 
Se a gente for parar para analisar os principais problemas envolvendo a pornografia, vai ficar evidente que eles vêm de duas fontes principais: 1- do machismo estrutural e 2 - da falta de educação sexual nas escolas. E estes, sim, são os dois principais problemas que afligem a sexualidade humana como um todo. O problema, ao contrário do que muitos pensam, não está na pornografia em si, porque ela não existe isoladamente em um mundo isento de problemas. A pornografia é, na verdade, um reflexo do mundo que vivemos. Se queremos melhorar a sexualidade humana, temos que parar de centrar fogo na pornografia e procurar melhorar esse mundo horroroso em que vivemos.

O terror dos moralistas.

Na época que eu participava do extinto Yahoo Respostas, tive um colega chamado Alexandre que me deu uma resposta bem interessante para um velho questionamento. Eu perguntei quem é que ensinava os meninos a transar, uma vez que o que os meninos aprendem vem ou da pornografia mainstream, ou daqueles papos bem machistas que rolavam entre os amigos inexperientes (que eu chamo de a 'gangue'), ou então da prostituição. Mas em nenhuma dessas "escolas da sexualidade" incluía-se o prazer feminino, os sentimentos, as preliminares, as carícias e o envolvimento fora da cama. Então quando os meninos arrumavam uma namorada ou se casavam, ao irem para a cama com elas, repetiam o que haviam aprendido nos filmes, nos prostíbulos ou com a 'gangue', tornando suas parceiras insatisfeitas por as tratarem como uma espécie de boneca inflável. Pois bem, a resposta do meu amigo Alexandre para essa pergunta foi que o amor é que ensinava os meninos a transarem. Isso porque era o amor que fazia com que eles se doassem, se importassem com suas parceiras e, assim, tornassem o sexo uma atividade feliz e prazerosa para o casal e não só para o homem. Eu concordo parcialmente com essa resposta. Isso porque de nada adianta o amor sozinho se você não tem o conhecimento para colocá-lo em prática. É por isso, entre outras coisas, que a educação sexual é importante. Os meninos precisam saber dialogar, precisam saber ouvir suas parceiras, precisam aprender o que as excita, precisam aprender a respeitar os seus limites, precisam saber quando elas estão excitadas, saber sobre regiões erógenas do corpo, sobre massagens, sobre a sinestesia do prazer e até um pouco de psicologia para conduzir a coisa de maneira menos egoísta. O amor abre a sua mente, mas é a educação sexual que vai te dar o conhecimento.

Educação sexual ajuda a evitar abusos.


Na minha humilde opinião, nós não temos que combater a pornografia, porque além disso ser inútil, não atinge a raiz do problema. O que a gente tem que fazer é combater o sexismo e incluir conhecimento, educação e aprendizado sexual na cabeça dos nossos jovens. E educação sexual não é só sobre como evitar gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis: é sobre tornar pessoas mais felizes, é sobre evitar abusos, é sobre tornar o mundo menos desigual e, quem diria, sobre como devemos nos amar.

Ninguém vai virar um estuprador por causa disso.

Quanto ao jovem que se sente culpado por ver pornografia, a dica que dou é que vá assistir o seu filme em paz e mande para a PQP esse povo moralista e cego que acha que o problema do mundo está no filme pornô. Os grupos antipornografia são hipócritas, infantis e simplistas. Degradação da mulher e exploração estão em todos os lugares da sociedade e não apenas na pornografia e na prostituição. De nada adianta abolir a pornografia e a prostituição se o mundo continua machista, misógino, burro sexualmente e cheio de falso moralismo. Nenhum desses moralistas criticam mulheres grávidas trabalhando em condições insalubres, atletas do sexo feminino que são submetidas a torturas para atingir a alta performance, empregas domésticas em regime de semiescravidão, casamentos abusivos onde as mulheres são estupradas pelos próprios maridos... Aliás, NENHUM moralista é contra o casamento e contra os relacionamentos monogâmicos, sendo que eles são a causa número 1 de feminicídio no planeta Terra. Então toda essa ralé subintelectualizada que mente ao colocar na pornografia todos os problemas da nossa sexualidade está apenas ocultando e trabalhando a favor dos reais problemas. A única coisa que eu exijo de quem assiste pornografia é o conhecimento de que aquilo é uma caricatura da sexualidade humana. É mais ou menos como um filme de super herói, porque é cheio de exageros e mentiras voltados para uma performance voyeur e falocêntrica. Mas é só. Pornografia (praticada consensualmente entre adultos) é uma forma de escapismo e entretenimento sexual: e não um crime. E se houver crimes nos bastidores da indústria pornográfica, que estes crimes sejam combatidos e não a pornografia.

Único risco real da pornografia.

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