segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Crer em deuses não é obrigatório



Certa vez, duas mulheres, não me lembro de que igreja (acho que eram Testemunhas de Jeová), me chamaram para conversar no portão da minha casa num domingo de manhã. As duas mulheres foram até bem simpáticas, mas quando eu disse a elas que não acreditava em deus (entenda como 'deus' o deus judaico-cristão), elas ficaram visivelmente escandalizadas. Imediatamente, elas se despediram e foram embora com um ar de indignação.
Essa não foi a primeira vez que vi pessoas indignadas ao se depararem com descrentes. Isso, diga-se de passagem, acontece com bastante frequência, porque as pessoas comuns – que são ignorantes em relação a outras crenças – não sabem lidar com a fé diferente devido ao pensamento dogmático imposto pelas religiões.

Infelizmente, ainda existe muito preconceito com pessoas que não são cristãs, especialmente os ateus, que são vistos por muitas igrejas como pecadores imundos ingratos com Jesus. As pessoas costumam ter uma falsa dicotomia muito perigosa com relação a suas crenças. Ou você crê no mesmo deus que elas, ou você é um ser maldito. Num mundo onde temos centenas (senão milhares) de religiões, é muito ingênuo e perigoso achar que só a sua religião é a única verdadeira. Eu mesmo já li bastante sobre diversas religiões, mas nunca me senti atraído ou encantado por nenhuma delas, muito pelo contrário. Sinto-me muito feliz e realizado sem ter crenças religiosas. Eu não preciso de uma religião para que a minha vida seja rica de sentido e felicidade.


No que eu creio?
Eu gosto de me definir como uma metamorfose ambulante, porque nunca gostei de rótulos e nunca me senti 100% convicto em nenhuma crença que tive ao longo da vida. Hoje, eu me considero um panteísta, que seria uma espécie de "ateísmo romantizado". O deus que acredito não é esse deus pessoal e humanoide que faz parte do imaginário popular das religiões abraâmicas. Os deuses pessoais, no meu ponto de vista, não passam de pura criação humana. Não há e nunca houve qualquer prova da existência de qualquer deus pessoal desde os tempos da antiga Pérsia (Zoroastrismo), da Babilônia (Enuma Elish) e da antiga Mesopotâmia (Epopeia de Gilgamesh). O deus judaico-cristão também segue na mesma linha dos deuses antigos. Não vejo qualquer verossimilidade nos textos supostamente sagrados atribuídos aos deuses atuais. Aliás, todos os deuses atuais são baseados em crenças mais antigas, em crendices ou em sincretismo religioso.

A minha crença é em um deus impessoal, inconsciente, sem aparência definida e sem ligação direta com nossos anseios existenciais. Deus, para mim, é o próprio cosmos e toda a energia que o permeia. E não crer nos deuses das religiões não me torna uma pessoa imoral ou má, porque a boa índole vem do caráter e o caráter vem de uma série de elementos não espirituais como educação, empatia, valores seculares (sociais), respeito e amor aos semelhantes. Não é necessário crer numa divindade para ser uma pessoa que respeita a ética e os valores humanos. É por isso que é preciso acabar com essa visão preconceituosa sobre os descrentes. Ninguém é melhor ou pior por ter ou não uma crença religiosa.


De onde vem a fé?
A crença numa religião ou seita específica é determinada, na grande maioria das vezes, pela pressão social que uma determinada cultura exerce no tempo e no espaço. Se você nascesse num país de maioria muçulmana, por exemplo, haveria muito mais chance de você ter sido muçulmano do que ter sido cristão. Se você tivesse nascido na Grécia antiga, havia uma grande chance de ser politeísta. A religião dos pais, neste caso, é o fator mais decisivo, porque são os pais que inserem a criança desde muito nova nos rituais de suas crenças.

Já a crença em algum deus, seja ela ligada a religião ou não, vem do que eu chamo de 'angústia espiritual'. Essa angústia espiritual existe diante de três aspectos: 1- da dúvida diante da origem de tudo que existe; 2 - dos sofrimentos da vida e 3 - do desconhecido que há após morte. Ou seja, a maioria das pessoas acredita ou no "deus das lacunas" (lacunas do conhecimento humano), que se chega através de perguntas como "de onde viemos" e "para onde vamos". Ou então no "deus da panaceia", que é aquele deus que serve como amparo para curar todas as dores, doenças e problemas da vida.
Quando você se torna um descrente, esses aspectos precisam estar bem resolvidos dentro de você, senão haverá sofrimento e até mesmo depressão, como aconteceu comigo quando caiu a ficha de que o deus judaico-cristão não passava de uma criação mítica humana. Uma pessoa só se torna uma descrente livre e feliz quando ela aprende a lidar com a dor, com as angústias e com as dúvidas de forma saudável e sem recorrer a muletas sobrenaturais.

Enfim, o que me torna feliz mesmo sem crer em um pai bondoso que criou o universo e que me ama muito é a capacidade que eu tenho de lidar de forma saudável com as intempéries da vida. Eu aprendi a ser forte e a tirar forças de dentro de mim mesmo diante das dificuldades. E sobre a origem do cosmos, o universo não precisa necessariamente ter uma causa: ele pode sempre ter existido de outras formas. E se teve uma causa, essa causa não necessariamente foi uma inteligência superior. O universo pode ter surgido de outros universos, de uma colisão de buracos negros pandimensionais ou qualquer outra causa física desconhecida. Como bem disse Christopher Hitchens, "depois da invenção do telescópio e do microscópio, a existência de Deus não serve mais para justificar nada". Diante dessa frase do Hitchens só me resta mesmo dizer "amém"!

Namastê!

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