segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Leis Antiprostituição: Uma analogia com o aborto e as drogas

Manifesto contra a prostituição na França

Numa coisa todo mundo concorda: a prostituição da forma como ocorre atualmente no Brasil favorece tanto a exploração das prostitutas pelos cafetões quanto a violência contra mulheres (e travestis) que usam o sexo como fonte de renda. Há um consenso geral com relação a isso porque é exatamente isso que ocorre na maioria dos casos. Temos ainda aliciamento de menores, tráfico humano e outras coisas terríveis ligadas à prostituição. Posto isso, temos três posicionamentos diante desse fato. Vamos refletir sobre cada um deles.

O primeiro posicionamento é o conservador, típico de quem lucra com a exploração sexual das mulheres e adolescentes. Este posicionamento defende que as coisas devem continuar exatamente como estão e que apenas proibindo certos aspectos abusivos é suficiente para evitar crimes contra as prostitutas. Só existem três tipos de pessoas que pensam assim: as ingênuas, os políticos envolvidos em esquemas de prostituição e os cafetões.

O segundo posicionamento é o abolicionista, que defende a extinção total da prostituição, tornando o ato de pagar por sexo (e nunca o de vendê-lo) um crime. O ponto central aqui é que a prostituição sempre será degradante, violenta e perigosa para quem se prostitui. Esse pensamento é frequente entre religiosos teocráticos, moralistas, ONGs de feministas dworkinianas, ativistas de direitos humanos e, claro, vendedores de bonecas sexuais. Esse pensamento de usar as leis para criminalizar a prostituição foi usado com (não tanto) sucesso na Suécia e também foi idealizado na França.

O terceiro posicionamento é o da regulamentação da atividade de prostituta. A prostituição aqui tornar-se-ia uma profissão legítima, com regras, sindicatos e legislação trabalhista para proteger as garotas de programa. A finalidade dessa formalização seria a de eliminar as atividades criminosas e ilegais ligadas à prostituição – além de combater o estigma rançoso de que prostitutas não merecem respeito ou de que são dignas de pena. Esta linha de pensamento é típica dos libertários.

Daí vem a pergunta que não quer calar: qual dessas opções acima é a melhor? Dá para notar claramente que o primeiro posicionamento, o conservador, é que não é o melhor mesmo. As coisas como estão só servem para aumentar o turismo sexual e a exploração ilegal das prostitutas. Então ficamos em dúvida entre as duas opções que restaram: ou a proibição, ou a regulamentação. Antes de dar o meu posicionamento, já conhecido por quem acompanha este blog há mais tempo, quero citar o caso do aborto e das drogas para ilustrar o que penso sobre o assunto.

Criminosas ou trabalhadoras: eis a questão

As drogas (excetuando-se o álcool e o cigarro) são ilegais, inteiramente proibidas para uso recreativo. Você como indivíduo não tem liberdade para usar drogas "ilícitas" porque o Estado proíbe. Mas será que esta proibição funciona mesmo na prática? A proibição das drogas gera tráfico, violência e um crime organizado bastante difícil de se combater. As pessoas que querem usar drogas estão dispostas a correr riscos e, mesmo sabendo da sua ilegalidade, compram a droga do traficante, já que não há outra maneira de obtê-la.
O caso do aborto é muito similar ao das drogas. O Estado mais uma vez usa leis quase teocráticas para restringir ao máximo o aborto, ameaçando de prisão qualquer mulher que desobedeça as suas leis patriarcais. Na prática, essa proibição do aborto só funciona para as mulheres pobres. Enquanto as mulheres mais abastadas viajam para os países ricos para abortar legalmente por lá, as mais pobres que optam por interromper a gravidez precisam se submeter a clínicas clandestinas que são verdadeiros açougues, com condições precárias que colocam em risco a vida dessas mulheres.
O ponto chave dessa discussão é que o Estado não deveria legislar sobre o que cada um deve fazer com o seu próprio corpo. Seria um absurdo, por exemplo, o Estado proibir as pessoas de usarem piercing, de fazer tatuagens ou até mesmo de beber a própria urina. Em liberdades individuais o Estado não deveria se meter. Se você quer usar drogas e alterar a bioquímica dos seus neurotransmissores, isso não é problema do Estado, é problema seu. Se você deseja interromper a gravidez de forma segura, isso é direito seu, afinal, o Estado (ou a Igreja) não vai subsidiar a sua gravidez e nem vai se responsabilizar por uma criança que nem mesmo o próprio pai assume. Além do mais, mulheres não são parideiras do Estado, que devem criar cidadãos para sustentar os parasitas estatais. O que o Estado deve legislar são pontos específicos onde a sua liberdade individual passa a interferir diretamente na liberdade dos outros. Se você usa drogas e vai dirigir, por exemplo, isso já não é um problema só seu, mas sim da coletividade, afinal, você pode causar um acidente estando sob o efeito de drogas psicoativas. No caso do aborto, o Estado deve proibir apenas quando o feto tiver formado o sistema nervoso, porque, neste caso, por se tratar de um humano senciente dentro de outro, seria considerado um assassinato.
Então o mesmo raciocínio eu aplico à prostituição. O Estado não deve ter autoridade de dizer o que você pode ou não fazer com o seu próprio corpo. Se você quer transar e depois cobrar pedágio por isso, isso não é problema do Estado. É um direito seu pagar ou receber por sexo ou por qualquer outra atividade sexual ou não. Se você quiser cobrar por um beijo, isso é direito seu. Cobrar por um abraço, também é direito seu. É o seu corpo e você cria suas regras sobre ele.


Se não ficou claro, eu digo com todas as letras que sou inteiramente a favor da regulamentação da prostituição como forma de desmarginalizar e proteger as prostitutas. A prostituição é um trabalho perigoso? Sim, sem dúvida. Mas a profissão de dublê também é e ninguém liga para quantas mulheres dublês morrem, ficam tetraplégicas ou desmembradas. O moralismo seletivo oriundo da nossa moral cristã-patriarcal não quer jamais que as prostitutas tenham direitos e liberdade, porque isso causaria um hecatombe tanto no patriarcado quanto na nossa cultura pseudo-puritana tão defendida por religiosos dogmáticos. Imagine o horror que seria uma prostituta tendo uma carteira de trabalho, defendendo melhorias nas condições de trabalho e sendo tratada como um ser humano digno de respeito, e não como uma delinquente sexual de "vida fácil". Imagine que agonia seria para o patriarcado ter que aceitar que a palavra "puta" não seria mais um xingamento e ver "homens honrados" se casando e formando família com prostitutas.
Prostitutas precisam de respeito e de direitos – e não de pena.

A seguir deixo um vídeo didático do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) que explica como funciona a Lei Gabriela Leite: lei esta que pretende regular a prostituição no Brasil.



PS1: Sobre a prostituição como única saída para muitas mulheres pobres sobreviverem num mundo capitalista onde há poucas vagas de empregos formais para mulheres, o problema, neste caso, não é a prostituição em si, mas o sistema como um todo. Há pessoas, especialmente entre as feministas mais ferrenhas, que acham que proibindo a prostituição, a exploração feminina neste meio vai reduzir. Sim, vai mesmo, como ocorreu na Suécia. Só que como o problema aí não é a prostituição em si, as mulheres que antes se prostituíam seriam forçadas a entrar em outro ramo: subempregos, trabalho semiescravo, criminalidade, mendicidade e até escravas de maridos machistas. Acabar com a prostituição não abre novas vagas de empregos formais para mulheres e nem melhora os salários delas. O sistema é que precisa mudar para que a prostituição não seja a única saída para as mulheres mais pobres ou sem oportunidades. A prostituição deve ser uma oportunidade de trabalho como qualquer outra, e não a única oportunidade.

PS2: Sobre a comparação da prostituição com a venda de órgãos, a venda de órgãos, como o próprio nome já está dizendo: é uma venda. Na prostituição você não está vendendo nada, você está oferecendo um serviço sexual, ou, na pior das hipóteses, "alugando o corpo". Você não pode se vender ou vender partes do seu corpo porque isso fere a sua liberdade individual: ninguém pode ser propriedade legal de outra pessoa. Além disso, o mercado negro de órgãos se vale de aliciamento de pessoas pobres e até de sequestros para remover cirurgicamente partes do seu corpo contra a sua vontade.

Alguns sites que abordam o tema:
-Folha - Suécia avalia eficácia de lei de combate à prostituição
-Carta Capital - Prostituição e crime
-Não aguento quando - Prostituição
-Escreva Lola Escreva - O feminismo é empoderador para a prostituta 
-O Dia - Prostitutas param o trânsito em Niterói pedindo a legalização da profissão 
-Blog Marcha Mundial das Mulheres - Por que seguimos ignorando o que elas estão nos dizendo?

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